Acórdão nº 484/12.4TYLSB-CV.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 22-06-2021

Judgment Date22 June 2021
Acordao Number484/12.4TYLSB-CV.L1-1
Year2021
CourtCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
1. Massa Insolvente de E…, SA, instaurou ação declarativa comum (CK) contra ‘Cooperativa… CRL’ pedindo seja 1) Declarado o abuso de direito da R. ao executar as garantias bancárias pelo seu valor total,//2) A R. ser condenada a pagar à A. o respectivo valor com vista o reembolso ao Banco….
2. A requerimento do Sr. Administrador da Insolvência a ação foi posteriormente apensada ao processo de insolvência de E…, SA e, após realização de audiência prévia, foi julgada improcedente por saneador sentença que, conhecendo de mérito, absolveu a ré dos pedidos.
3. Dessa sentença a autora interpôs recurso de apelação requerendo, além do mais, a sua anulação com fundamento em preterição de formalidade essencial – correspondente à audiência de julgamento para cumprimento da instrução dos autos - e o prosseguimento dos autos para produção da prova requerida, designadamente, pericial, para apuramento de vicissitudes da execução do contrato de empreitada subjacente à contratação, pela insolvente, da garantia bancária emitida e cumprida pelo credor Banco… em benefício da ré, atinentes com os defeitos que esta entendia existirem na obra aquando da sua receção provisória.
4. Por acórdão proferido em 30.06.2020 (no apenso CK), o coletivo desta secção decidiu
1. Julgar parcialmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente e, consequentemente:
a) revogar a decisão de absolvição da R. da instância por verificação da excepção de caso julgado, no que concerne à invocada caducidade das garantias bancárias com fundamento na declaração de insolvência;
b) julgar improcedente a caducidade das garantias bancárias com o fundamento referido em a), absolvendo-se a R. do pedido no que a tal concerne e
c) no demais anular a sentença recorrida proferida para, sem prejuízo dos factos já assentes, ter lugar a ampliação e julgamento de matéria de facto, tendo como objecto os temas de prova relativos à existência, natureza, extensão e quantum dos “defeitos” da obra, da sua imputabilidade ao objecto da prestação devida executar pela insolvente em cumprimento do contrato de empreitada que celebrou com a Ré e ao objecto da garantia que celebrou com o banco, em que data ocorreu a denúncia, a existência de reconhecimento dos ditos defeitos por parte da ora Apelante, se os mesmos foram, ou não reparados e ainda o montante em que importa a reparação dos defeitos ocorridos.
5. Após baixa dos autos à primeira instância, foi proferido o seguinte despacho:
“Tomei conhecimento do acórdão que baixou do Tribunal da Relação de Lisboa.
Em obediência ao mesmo importa ampliar a matéria de facto, tendo como objeto os temas de prova relativos à existência, natureza, extensão e quantum dos defeitos da obra, da sua imputabilidade ao objeto da prestação devida executar pela insolvente em cumprimento do contrato de empreitada e ao objeto da garantia que celebrou com o banco, em que data ocorreu a denúncia, a existência de reconhecimento dos ditos defeitos por parte da ora apelante, se os mesmos foram ou não reparados e ainda o montante em que importa a reparação dos defeitos ocorridos.
É cristalino que a utilidade, ainda que residual, da apreciação de tal pedido, dependerá sempre do que sobejar das forças da massa, após o pagamento dos créditos com preferência no pagamento sobre os créditos comuns. É igualmente claro que atendendo à atual composição da massa insolvente, tal utilidade ainda não se manifesta, facto que foi constatado e assertivamente fundamentado pelo Tribunal da Relação de Lisboa em sede de apenso BY, Exma. Desembargadora relatora Amélia Sofia Rebelo, em acórdão que, tal como aqui, concedeu parcial provimento ao recurso interposto pela massa insolvente, mas não deixando de referir-se expressamente ao presente apenso nos termos que passo a transcrever:
“Não podemos também deixar de consignar que, ainda que de uma forma invertida – que, por corresponder a ação de mera apreciação negativa, torna a sua discussão ainda mais complexa -, esta e as ações comuns dos apensos CK e BX têm como pano de fundo ou relação jurídica dominante o contrato de empreitada que a Massa Insolvente, aqui Recorrente, se propôs e tomou a iniciativa de discutir judicialmente e tomar ao seu encargo, não obstante os benefícios que por elas pode almejar obter para o coletivo dos credores da insolvência não passem senão pela subtração/redução do valor de cerca de € 266.700,00 a um passivo relacionado/reconhecido nos termos do art. 129º do CIRE no montante total de € 273.753.184,53, este constituído por créditos de natureza comum (cerca de €79.552.000,00 sem condição e cerca de € 186.421.000,00 sob condição), créditos subordinados (cerca de € 234.500,00) e créditos de natureza laboral, estes no montante de cerca de € 10.223.000,00, sendo certo que, de acordo com as contas intercalares prestadas em apenso (CR), o saldo da massa insolvente cifra-se a esta data no montante de cerca de € 7.000.000,00. Para consignarmos que os sujeitos que manifesta, direta, e inevitavelmente poderão ser beneficiados com o resultado positivo destas ações resumem-se aos três Bancos credores prestadores das garantias e, na eventualidade, improvável, de o ser, só muito remota e residualmente o coletivo dos credores comuns que com aqueles concorrem (mesmo na hipótese de os credores comuns serem contemplados pelo produto da venda, o acréscimo que daquela redução do passivo resulte para cada credor será parcamente residual, e se antes não for consumido pelas despesas que a massa insolvente suportou com estas ações), sendo desde já certo e incontornável que o montante do produto da liquidação a distribuir pelos credores laborais, à frente dos credores comuns, por força da imputação/pagamento das custas e encargos do processo proporcionalmente pelo produto de cada classe de bens ou de cada bem (móveis e imóveis) resultará sempre diminuído pela afetação de receitas da massa insolvente ao pagamento dos encargos destas ações que, para além das custas e outros encargos, incluem honorários a mandatário forense. Com estes contornos, não antevemos como linear o enquadramento destas ações no âmbito da atividade de liquidação da massa insolvente, que deve reger-se pelo critério da sua otimização, sendo certo que não se enquadram na finalidade de qualquer uma das ações especifica e expressamente previstas pelo art. 82º, nº 3 do CIRE que, conforme delas ostensivamente resulta, visam a proteção dos ativos que integram a massa insolvente através do reconhecimento de direitos de crédito da massa insolvente sobre terceiros, e não a discussão/negação, sob impulso e ação da massa insolvente, de créditos sobre a insolvência que não foram discutidos pelos próprios credores, interessados diretos, e que, para além das ações de verificação ulterior de créditos (art. 146º e ss. do CIRE), têm o seu lugar próprio no apenso de reclamação de créditos. Mais se consigna que não será alheio ao supra assinalado a perspetiva pela qual a Recorrente aborda e conclui pelo abuso de direito no acionamento da garantia bancária por parte da Recorrida, que seria mais consentânea com a posição juridicamente admissível ao Banco garante, e não com a posição da Insolvente na qualidade de parte no contrato subjacente que celebrou com a Recorrida. Com efeito, como é consensual, as características jurídicas da garantia autónoma ou à primeira solicitação impedem o Banco garante de invocar as vicissitudes próprias da relação material subjacente à emissão da garantia e, em princípio, e conforme jurisprudência superior e posições doutrinárias nesse sentido - para além da caducidade da garantia pelo seu não exercício no prazo da validade da mesma (a aferir pela data ou outro evento extintivo aposto no título que corporiza a garantia), da falta de requisitos formais ou documento convencionalmente exigido, da inexistência ou objeto ilegal do contrato base -, verificando-se os respetivos pressupostos, apenas lhe resta a válvula de ‘escape’ da fraude ou abuso de direito para obstar ao acionamento e pagamento da garantia2. Porém, tanto já não sucede relativamente à contratante da garantia autónoma, no caso, à insolvente (patrimonialmente substituída pelo património autónomo massa insolvente e, em sede de representação da mesma, pelo Administrador da Insolvência) pois, na qualidade de parte contratante e de acordo com o princípio da eficácia relativa dos contratos, tem legitimidade para invocar as vicissitudes e exceções atinentes com a relação causal subjacente à contratação das garantias - no caso, o contrato de empreitada que celebrou com a Recorrida -, incluindo as que permitam concluir pela inexistência do direito desta em acionar as garantias (que, nas relações entre estas, seria apto a afastar o instituto do abuso de direito, precisamente, porque pressupõe que o direito exista). Ou seja, a insolvente e, assim, a massa insolvente, que no âmbito das relações jurídicas obrigacionais de natureza patrimonial a substitui, tem reconhecida legitimidade para invocar a inexistência do direito de acionar a garantia bancária com fundamento na inexistência do direito por ela pretendido garantir (ou porque não se chegou a constituir, ou porque se extinguiu) e, através de sentença oponível à beneficiária da garantia, dela liberar a parte que a assumiu, com consequente extinção da obrigação de pagamento que dela emergiria para o Banco garante3. Acresce que o imputado abuso (da Recorrida) vislumbra-se antes de mais na perspetiva do Banco garante e não da Autora/Recorrente porque, para além de esta litigar em substituição da parte outorgante no contrato base subjacente à garantia, considerando a natureza ou estatuto que detém - de património autónomo de afetação -, nem o conteúdo ou acervo patrimonial que integra a massa insolvente é alterado pelo exercício da garantia pela
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