Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2023 (caso Acórdão nº 48/20.9GBCTB.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-02-22)
Data da Resolução | 01 de Janeiro de 2023 |
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO:
… o arguido AA … foi condenado, como autor de um crime contra a preservação da fauna e das espécies cinegéticas, p. e p. pelo art. 30.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, al. c), da Lei 173/99, de 21/09 (Lei da Caça – LC), com referência aos art. 78.º e 90.º do DL 202/2004, de 18/08 (Regulamento da Lei de Bases Gerais da Caça - RLC) …
Inconformado, recorre o arguido retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões:
…
II – O tribunal recorrido fez uma incorreta apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento.
…
VI – Tendo o recorrente no seu depoimento, declarado de forma precisa que não foi ele quem colocou a armadilha, o tribunal recorrido, ao não valorar como verdadeiro o seu depoimento, incorreu numa incorrecta apreciação do depoimento do recorrente.
VII – O tribunal a quo baseou unicamente a sua decisão no depoimento da testemunha apresentada pela acusação pública, militar da GNR.
VIII – O qual "relatou que no local e à data dos factos, o arguido admitiu que aquela armadilha era dele e foi por si colocada".
…
XII – Perante a discrepância nos depoimentos … caberia ao tribunal a quo, munir-se de outras provas que confirmassem a versão da acusação nos termos do artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa [CR], violando assim o princípio in dubio pro reo, consagrado também constitucionalmente no n.º 2 do mesmo diploma.
…
XIV – Norma violada, artigo 32°, n.º 2, da CR.
O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso …
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se também pela improcedência do recurso.
…
… no caso vertente as questões a conhecer se cingem ao seguinte:
- Verificação da ocorrência de erro de julgamento no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto;
- Necessidade de ponderação do princípio in dubio pro reo;
- Verificação do preenchimento do tipo legal de crime imputado ao arguido.
II – FUNDAMENTAÇÃO:
O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 29 de novembro de 2020, o arguido AA, armou uma armadilha de ferro com corrente, espigão e cordel azul, na quinta denominada por ..., em ..., destinada a capturar os animais que por ali passassem, como raposas.
2. Nas referidas circunstâncias de tempo, modo e lugar, foi apanhada na referida armadilha de ferro, próximo das 14 horas, do dia 29.11.2020, uma raposa macho da espécie Vulpes vulpes …
…
6. O arguido é reformado da GNR.
…
12. No certificado de registo criminal do arguido consta uma condenação, no âmbito do processo comum, n.º 20/19...., pela prática de um crime de ameaça, por factos praticados em 09.2019, por decisão de 22.06.2021, transitada em julgado em 07.09.2021, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, já extinta.
…
A matéria de facto foi motivada nos seguintes termos:
… Louvou o tribunal a sua convicção no depoimento da testemunha BB, militar da GNR que, à data dos factos, se deslocou ao local.
Esta testemunha apresentou um depoimento espontâneo, seguro, objectivo e imparcial, designadamente quando relatou que, no local e à data dos factos, o arguido admitiu que aquela armadilha era dele e foi por si colocada.
A testemunha relatou o que viu e ouviu de forma circunstanciada, de forma segura, sem revelar hesitações e mantendo a mesma versão dos factos ao longo das várias perguntas que lhe foram dirigidas pelas diferentes instâncias.
… As declarações do arguido apresentaram-se titubeantes e incoerentes.
O arguido confirmou que, à data dos factos, esteve no local, no entanto, justificou o facto de se ter ausentado porque os militares da GNR lhe deram essa indicação e lhe disseram que iria ter problemas, acrescentou, ainda, o arguido que apenas se limitou a obedecer às ordens que lhe deram.
Ora, não pode o tribunal esquecer que estamos perante um agente que é reformado da GNR, como tal, não se afigura minimamente credível, nem lógico, que tenha sido alertado para eventuais problemas com a justiça mas, no entanto, utilizando como desculpa o facto de “ser pessoa obediente”, ter ido embora, não querendo saber do assunto, quando, segundo o próprio, nada tinha que ver com a armadilha.
Por outro lado, ressaltou ao tribunal a grande preocupação e constante referência que o arguido fez ao facto dos seus animais serem atacados por cães vadios.
Esta preocupação coincide com o relato que a testemunha BB fez, no sentido de que o arguido admitiu que utilizou a armadilha por causa dos cães vadios.
Acresce que a testemunha BB, para conseguir individualizar a armadinha, indicou ao arguido que a mesma tinha um baraço azul pendurado, e foi nesta sequência que o arguido admitiu a prática dos factos.
Quanto ao depoimento das testemunhas CC e DD, embora se tenha revelado sincero, pouco acrescentou na descoberta da verdade, uma vez que se limitaram a afirmar conclusões e juízos de valor …
…
Apreciando e decidindo:
Aligeirando considerações relativamente ao modo como vem impugnada a matéria de facto assente, nomeadamente, no que concerne aos factos nºs 1, 3, 4 e 5 … No entanto, fundamentalmente, o recorrente pretende contrapor e fazer prevalecer as declarações que prestou em audiência sobre o testemunho prestado pelo militar da GNR na mesma ocasião … constituindo apenas e tão-só um ataque ao modo como o tribunal recorrido formou a sua convicção, valorizando o depoimento da testemunha e considerando desprovidas de crédito as declarações do arguido.
Está em causa a afirmação do princípio da livre convicção, com assento no art. 127º do CPP, tendo a convicção evidenciada pelo tribunal resultado da contraposição às declarações do arguido de um depoimento de agente da autoridade vinculado por um especial dever de depor com verdade, não apenas por força das suas funções, mas também por depor como testemunha, sujeita a prévio compromisso de honra. De resto, nada no depoimento da testemunha permite questionar a veracidade das afirmações que produziu e que o tribunal a quo, julgando com base na oralidade/imediação, considerou credíveis e fundamentadas, juízo que já não conseguiu formular relativamente às declarações do arguido, que para além de não estar adstrito a um dever de declarar com verdade, também não logrou convencer o tribunal da veracidade e coerência do que declarou. Acresce que...
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