Acórdão nº 48/12.2YREVR de Tribunal da Relação de Évora, 05-06-2012

Judgment Date05 June 2012
Acordao Number48/12.2YREVR
Year2012
CourtCourt of Appeal of Évora (Portugal)


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora


1. RELATÓRIO

Em cumprimento de pedido de detenção emitido por autoridade judicial da Alemanha, inserida no Sistema de Informação de Shengen, procedeu-se à detenção, em 11.04.2012, ao abrigo do disposto no art. 4.º, n.ºs 4 e 5, da Lei n.º 65/2003, de 23.08 (que aprovou o regime jurídico do mandado de detenção europeu em cumprimento da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho da União Europeia, de 13.06), do cidadão Gerhard, de nacionalidade alemã, aí devidamente identificado.

Tal pedido, conforme do mesmo se alcançava, reportava-se a mandado emitido pelo Tribunal Regional de Nuremberg-Furth, na Alemanha, tendo por finalidade o cumprimento, por aquele cidadão, da pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, em que havia sido condenado, por Agitação criminal contra segmentos da população, insultando comunidades religiosas, difamação pública qualificada/Agravada do Estado, que coincide com o insulto (=ofensa/afronta), difamação pública Qualificada/Agravada do Estado, que coincide com o insulto, difamação pública qualificada/agravada do Estado, que coincide com a Agitação criminal contra segmentos da população.

Em 12.04.2012, teve lugar a audição do detido, nos termos do art. 18.º da Lei n.º 65/2003, tendo o mesmo sido assistido por defensor e com a presença de intérprete, então nomeados.

Nessa mesma data, antes da audição, veio a ser junto o mandado de detenção europeu (MDE), concluindo-se que foi emitido por aquele Tribunal, na Alemanha, para cumprimento daquela pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, a que é descontado o período de 85 (oitenta e cinco) dias de prisão preventiva, decorrente de condenação por sentença aí proferida em 06.04.2005, pela prática de um total de 32 infracções, qualificadas como de difamação do Estado, racismo e xenofobia, insulto de comunidades religiosas, difamação agravada do Estado e afronta agravada, p. e p., como do mesmo consta, pelo parágrafo 90-a, partes 1 e 3, pelo parágrafo 130, parte 1, n.ºs 1 e 2, e parte 3, pelo parágrafo 166, parte 2, pelo parágrafo 185 e pelos parágrafos 52, 53, 92-b, frase 1, n.º 1, do Código Penal Alemão.

Teve por fundamento, como aí consta também, que:

O condenado Gerhard, nacional-socialista e, segundo a sua própria declaração, “Funcionário do Reich Alemão”, fez declarações em vários artigos na internet e no âmbito de um discurso público no período do dia 8 de Maio de 2002 e o dia 11 de Janeiro de 2004 difamando a República Federal da Alemanha, fazendo propaganda contra judeus e estrangeiros afrontando outras pessoas:

Ele considera o Terceiro Reich como ainda existente e declara a República Federal da Alemanha como uma “construção dos ocupantes” e um “regime de vassalos” dos Estados Vencedores da Segunda Guerra Mundial. A República Federal da Alemanha era dedicada à decadência e contra a lei internacional; ele desmente os crimes do Terceiro Reich contra a população judeia isto é ele minimiza-a e fala da maior e mais profitável mentira na história da raça humana; no que diz respeito aos estrangeiros, ele utiliza palavras como “negro impertinente”, “misturação das raças"”e “terror multi-cultural”; acusou uma procuradora da República da alta traição e da prevaricação.

Transcrevendo, ainda, o mandado:

- Quanto às referidas infracções, a duração máxima da pena respectiva é de:
a) 3 anos (difamação do Estado e dos seus símbolos)
b) 5 anos (Volksverhetzung) - em tradução do Relator, incitamento ao ódio e violência da população
c) 3 anos (insulto de comunidades religiosas)
d) 1 ano (afronta)

- No tocante às aludidas disposições legais:

§ 90 a difamação do Estado e dos seus símbolos:

(1) Quem (§ 11, par. 3)
1. afronte a República Federal da Alemanha ou um dos seus estados federais ou a sua ordem constitucional ou a faz desdenhoso de uma maneira malévola ou

2. difame as cores, a bandeira, o brasão ou o hino da República Federal da Alemanha ou de um dos seus estados federados, numa reunião ou pela difusão de escritos, é penalizado a cinco anos de prisão ou a pagar uma multa.

(3) A pena é uma pena de prisão se o autor se empenha com o seu delito por engano contra a existência da República Federal da Alemanha ou contra os princípios constitucionais.

§ 130 Volksverhetzung (incitamento ao ódio e violência da população)

(1) Quem, de qualquer maneira adequada para perturbar a paz pública,

1. incite ao ódio contra partes da população ou a métodos de violência ou de arbitrariedade ou

2. ataque a dignidade humana de outras pessoas difamando, fazendo desdenhoso de uma maneira malévola ou caluniando partes da população, é penalizado a uma pena de prisão entra 3 meses e 5 anos.

(3) É penalizado a pagar uma multa ou a uma pena de prisão de até cinco anos, quem aceite, desminta ou minimize um ato cometido sob o regime do nacional-socialismo de uma maneira designada no § 6, par. 1 do Võlkerstrafgesetzbuch – em tradução do Relator, Código Penal - e adequada para perturbar a paz pública.

§ 166 Insulto de confissões, comunidades religiosas e uniões de concepções do mundo

(1) Quem, pela distribuição de escritos (§ 11, par. 3), insulte o conteúdo de uma confissão religiosa ou uma concepção do mundo de outras pessoas de uma maneira adequada a perturbar a paz pública é penalizado a uma pena de prisão de até três anos ou a pagar uma multa.

(2) Também penalizado é quem, pela distribuição de escritos (§ 11, par. 3), insulte uma Igreja existente no interior ou o conteúdo de um outro grupo religioso ou de uma concepção do mundo, as suas instituições ou costumes de uma maneira adequada a perturbar a paz pública.

§ 185 Afronta

A afronta é penalizada com uma pena de prisão de até um ano ou com o pagamento de uma multa se a afronta é feita por meio de vias de facto.

- Relativamente às garantias (art. 13.º da Lei n.º 65/2003):

Detalhes sobre a ausência do condenado: O condenado foi convidado ordenadamente para as datas da audiência e ele participou em 17 dias da audiência principal; fugiu ao processo restante resultando no fato que os últimos dois dias do processo, inclusive a publicação da sentença, tiveram lugar na sua ausência, mas na presença do seu advogado de defesa.

O detido declarou, nessa audição, não consentir na sua entrega ao Estado requerente e não renunciar à regra da especialidade.

Pelo seu ilustre defensor foi requerido que lhe fosse concedido prazo para deduzir oposição.

Proferiu-se despacho, validando, por legal, a detenção, e mantendo-a, tendo sido concedido o prazo de dez dias para oposição, nos termos e para os efeitos do art. 21.º, n.º 4, da Lei n.º 65/2003.

Nesse prazo, constituiu mandatário, através de procuração que juntou, vindo a requerer, por isso, a prorrogação do mesmo e por dez dias, o que lhe foi concedido.

Não obstante, no prazo inicialmente concedido, veio o seu defensor nomeado a deduzir oposição, no essencial, nos seguintes termos:

Acontece ter o mesmo declarado e reafirmar “que não consente numa sua entrega ao estado requerente e que não renuncia à regra da especialidade”, por, afirmou e reafirma, “não haver liberdade de expressão na Alemanha” e “sendo perseguido politicamente”; assim, invocando o artigo 19º dos Direitos Humanos, e os demais aplicáveis ao seu caso, requer que lhe seja concedido o Asilo Político, pois está a viver há seis anos em Portugal, estando perfeitamente integrado, por se sentir bem aqui, não existindo perigo de fuga, e até por não possuir meios para se ausentar.

O Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do prosseguimento dos autos e de prolação de decisão de deferimento do pedido com a entrega do requerido ao Estado emitente.

Já em 31.05.2012 e, assim, bem depois de decorrida aquela prorrogação de prazo para oposição, o ilustre mandatário apresentou requerimento, no essencial, referindo:

1 - O arguido foi sentenciado numa pena de trinta e três meses de prisão efectiva por, alegadamente, ter cometido as infracções em foi condenado.

2 - Porém, requereu a reapreciação da prova por terem surgido dados novos, veiculados pela Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas uma vez que, segundo esta Comissão, os factos praticados pelo arguido relacionam-se com a História, pelo que podem e devem ser objecto de debate e inserem-se na livre expressão do pensamento de cada um.

3 - E os países democráticos, refere o mesmo relatório daquela Comissão, não podem coarctar a livre expressão do pensamento e de opinião, sobretudo quanto aos temas históricos, antes devendo estimular e promover o debate sobre essas questões.

4 - O recurso foi, recentemente, apresentado, aguardando, o seu mandatário em Portugal, que o mesmo lhe seja enviado para o
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT