Acórdão nº 478/21.9T8PDL.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 10-10-2023
Data de Julgamento | 10 Outubro 2023 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 478/21.9T8PDL.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,
I - Relatório
1. Caixa Geral de Depósitos, S.A., intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Fábrica..., Lda. (1.ª Ré), AA (2.º Réu) e BB (3.º Réu), pedindo se declare que a Autora é legítima portadora da livrança em branco melhor descrita na P.I., subscrita pela 1.ª Ré e avalizada pelos 2.º e 3.º Réus.
2. Alega para o efeito, em síntese, que:
- a 6 de novembro de 2006, a 1.ª Ré celebrou com a Autora, com o BCP e com o BPG um contrato de financiamento sob a forma de mútuo com hipoteca e outras garantias, mediante o qual lhe foi concedido um empréstimo;
- para garantia do cumprimento do referido contrato, a 1.ª Ré constituiu hipoteca voluntária sobre diversos imóveis e ainda outras garantias como penhor mercantil, de marcas e de participações sociais;
- a 3 de dezembro de 2007, esse contrato foi objeto de um aditamento e ampliação de hipoteca e garantias no âmbito do qual o montante do crédito foi aumentado e, como garantia, a 1.ª Ré, através dos seus gerentes, entregou a cada um dos bancos uma livrança em branco por si subscrita e avalizada pelos 2.º e 3.º Réus;
- a 16 de dezembro de 2013, o referido financiamento foi objeto de reestruturação, com cessão parcial de créditos e redução da dívida, no âmbito do qual foi entregue, para garantia do mesmo, pela 1.ª Ré à Autora uma outra livrança por si subscrita e avalizada pelo 3.º Réu e por CC, consignando-se, no entanto, que se mantinham em vigor todas as garantias já prestadas, não constituindo a reestruturação a novação do crédito;
- em 2017, teve lugar um novo aditamento ao referido contrato de financiamento, mantendo-se as garantias prestadas tanto no mútuo inicial como em todos os aditamentos subsequentes;
- não encontra nos seus arquivos o original da livrança subscrita em branco pela 1.ª Ré e avalizada pelos 2.º e 3.º Réus a 3 de dezembro de 2007, a qual foi assinada pelos últimos quer enquanto gerentes da 1.ª R., quer a título pessoal, não possuindo, assim, nem o original e nem cópia da referida livrança, e desconhecendo onde a terá perdido.
3. Citados, os Réus, apresentaram contestações separadas.
4. Desde logo, a 1.ª Ré admite a celebração do contrato de mútuo e seus aditamentos, bem como a prestação das garantias aí mencionadas, mais alegando, em síntese, que:
- em 2013, foi concedido um perdão de dívida à 1.ª Ré de cinco milhões de euros;
- em 2019, correu termos um processo especial de revitalização da 1.ª Ré, no âmbito do qual houve negociação com os credores e foi aprovado um plano de recuperação com garantias onde não se inclui qualquer livrança, sendo o valor atual da dívida bastante inferior ao valor da dívida inicial;
- tendo a Autora ao seu dispor como garantias as hipotecas sobre imóveis e os penhores, cuja aprovação teve lugar com aquela do plano de recuperação, e sendo as mesmas mais do que suficientes para garantir o pagamento do valor em dívida, não lhe assiste justificação para a solicitada reforma da livrança.
- conclui pela improcedência da ação, sendo negada à Autora a titularidade da livrança em branco subscrita pela 1.ª Ré e avalizada pelos 2.º e 3.º Réus.
5. Por seu turno, o 2.º Réu invoca a ineptidão da P.I., por contradição entre o pedido e a causa de pedir, mais alegando, em síntese, que:
- a livrança em branco referida pela Autora não pode ser reformada, por não se tratar de um título cambiário nos termos e para os efeitos do art. 484.º do Código Comercial;
- a reforma da livrança em branco violaria a confiança e segurança jurídicas;
- apenas apôs a sua assinatura na livrança em branco enquanto representante da 1.ª Ré, e jamais como avalista;
- ainda que tenha havido aval, este extinguiu-se quer com a reestruturação e recomposição do crédito a 16 de dezembro de 2013, quer com a sua desvinculação a 27 de março de 2014;
- a Autora atua com abuso do direito, já que teve conhecimento da saída do 2.º Réu da 1.ª Ré e nada lhe comunicou sobre o incumprimento desta e sobre os acordos de reestruturação, mais reclamando os seus créditos na PER da 1.ª Ré e vendo os mesmos aí reconhecidos, com perdão parcial, assim levando o 2.º Réu a confiar que não mais acionaria o suposto aval;
- tendo havido redução do valor da dívida a 16 de dezembro de 2013, o montante máximo que a livrança garantiria é inferior àquele indicado pela Autora;
- conclui pela ineptidão da P.I. e pela improcedência da ação, mais pedindo a fixação do valor máximo garantido pela livrança e a prestação de caução pela Autora no caso de se decidir pela procedência da ação.
6. O terceiro Réu, por sua vez, admite a celebração do contrato de mútuo e seus aditamentos, mais alegando, em síntese, que a livrança entregue inicialmente foi devolvida e foi entregue uma nova, pelo que não ocorreu o extravio da mesma, mas a sua substituição. Alega ainda que a Autora não procedeu à descrição dos elementos relevantes da livrança, assim impossibilitando que se tenha a certeza da inexistência de dois títulos, em caso de reforma. Conclui pela improcedência da ação.
7. Foi exercido o contraditório a propósito das exceções invocadas nas diferentes contestações. Com dispensa de audiência prévia foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a exceção dilatória da ineptidão da P.I., identificando o objeto do litígio e enunciando os temas da prova.
8. Após a realização da audiência final foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção totalmente procedente e, em conformidade:
1. Declarar que a Autora Caixa Geral de Depósitos, S.A. é titular e legítima portadora da livrança em branco, melhora descrita supra, subscrita por Fábrica..., Lda. e avalizada por AA e BB.
2. Custas pelos Réus, em partes iguais, enquanto partes vencidas (art. 527.º nºs 1 e 2 do C.P.C.)”.
9. Não conformado, o 2.º Réu - AA - interpôs recurso de apelação.
10. Por sua vez, a Autora - Caixa Geral de Depósitos, S.A. - apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
11. Por acórdão de 15 de dezembro de 2022, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte:
“Em face do exposto julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.”
12. De novo não conformado, o 2.º Réu - AA -, interpôs recurso de revista, formulando as seguintes Conclusões:
“1. Ao pronunciar-se sobre a questão da extinção do aval, o douto Acórdão recorrido fez uso de uma presunção sem ter suporte em qualquer facto provado, pois não consta do “segundo aditamento” efectuado em 2013 que a redução do montante em dívida de €11.100.000,00 para €6.050.000,00, tenha resultado da cessão parcial de parte do crédito da operação inicial, ou seja de parte dos €10.100.000,00;
2. Tanto mais que no primeiro aditamento efectuado em 2007, mediante o qual o montante emprestado foi aumentado em um milhão de euros, o aditamento passou a identificar e a quantificar a dívida global em €11.100.000,00, ou seja, apenas pode entender-se que a cessão parcial do crédito no valor de €5.050.000,000foi feita daquele com referência ao montante global da dívida de €11.100.000,00.
3. O douto acórdão revidendo deve ser revogado na parte relativa à presunção acima indicada, pois ele não resultou da rigorosa aplicação das regras de apreciação da prova, quer da análise crítica da mesma, no termos do disposto nos artigos nos artigos 349º do C.C., quer na análise crítica da prova nos termos dos artigos 607 nº 4 (este aplicável ex vi art. 663º nº 2) e 662º, estes do CPC.
4. A livrança em branco, incompleta, não é ainda uma livrança e não tem natureza cambiária enquanto não for completada. Até ao momento do seu preenchimento, não constitui uma obrigação cartular ou cambiária, pois encontra-se apenas em vias de formação - as declarações nela inscritas constituem apenas actos preparatórios.
5. As livranças em branco não são, por conseguinte, títulos destinados à circulação do crédito. Não são transmissíveis por endosso, a não ser depois de preenchidas de acordo com o pacto de preenchimento.
6. A livrança em branco extraviada pela Recorrida não reveste a natureza de um título de crédito ou título comercial, susceptível de ser transmitido por endosso e, por conseguinte, não preenche os requisitos para a sua reforma judicial, nos termos do artigo 484º do Código Comercial, onde expressamente se refere “títulos comerciais transmissíveis por endosso”.
7. A reforma de uma livrança em branco violaria a confiança e segurança jurídicas, princípios emanados do Estado de Direito consagrado na Constituição da República.
8. Dado que o prazo de prescrição da livrança começa a contar do seu preenchimento, ou seja, do momento em que fica completa, a reforma de uma livrança em branco poderia funcionar como um processo de evitar a prescrição da livrança já prescrita.
9. Isto é, preenchida a livrança pelo portador e deixada prescrever, seria fácil “extraviar” o documento para recorrer à sua reforma judicial de que ressurgiria liberta da prescrição.
10. Tal situação é tanto mais flagrante em casos como o presente em que decorreram já mais de 15 (quinze) anos sobre a data em que foi emitida a livrança (2007).
11. Em qualquer caso, tem de se entender que o aval atribuído ao Recorrente encontrar-se-ia extinto pelo que, caso pudesse proceder a reforma judicial da livrança em branco, nunca poderia incluir o aval deste;
12. Desde logo, porque, em 2013, após o Recorrente ter deixado de ser gerente (em 2007) e sócio da subscritora da livrança (em 2010), teve lugar uma reestruturação e recomposição do crédito que operou a sua consolidação, unificando num único contrato, e sob novas condições, todos os créditos em que a subscritora, 1ª Ré, era interveniente;
13. Em consequência, verificou-se a reconfiguração da relação jurídica fundamental: o crédito sofreu uma redução, por compra pelo sócio da subscritora, e foram acordados: - um...
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