Acórdão nº 4764/09.8TBVNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 07-11-2011
Data de Julgamento | 07 Novembro 2011 |
Número Acordão | 4764/09.8TBVNG.P1 |
Ano | 2011 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Proc. nº 4764/09.8TBVNG.P1 (1019/11) - APELAÇÃO
Relator: Caimoto Jácome(1246)
Adjuntos: Macedo Domingues()
António Eleutério()
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
1- RELATÓRIO
B…… e marido, C…., e D…. e marido, E….., com os sinais dos autos, intentaram a presente acção declarativa de condenação (despejo), com processo sumário, contra F….. e mulher, G…., com os sinais dos autos, pedindo que:
- Seja resolvido o contrato de arrendamento existente entre os Autores e os Réus;
- Os Réus sejam condenados a despejar imediatamente o arrendado e a entregá-lo aos Autores totalmente livre de pessoas e bens;
- Os Réus sejam condenados em indemnização igual ao valor da renda, determinada nos termos dos artigos 30º e 32º, desde o termo do prazo para contestar até à entrega efectiva da habitação, nos termos do nº 2, do art. 14º do NRAU.
Alegaram, em síntese, os factos atinentes, na sua perspectiva, à procedência do pedido de resolução do contrato de arrendamento em causa e de indemnização.
Citados, os réus, contestaram, impugnando e concluindo pela improcedência da acção.
Houve resposta dos demandantes.
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Saneado e instruído o processo, após julgamento, foi proferida sentença, decidindo-se (dispositivo):
“Face ao exposto, julgo a presente acção integralmente procedente por provada e, em consequência:
1 - Declaro resolvido o contrato de arrendamento existente entre os Autores e os Réus e, em consequência, condeno os Réus a despejarem imediatamente o arrendado e a entregá-lo aos Autores totalmente livre de pessoas e bens.
2 – Condeno os Réus a pagarem aos Autores indemnização igual ao valor da renda, determinada nos termos dos arts. 30º a 32º, do NRAU, desde o termo do prazo para contestar até à efectiva entrega do locado, nos termos do nºs 2, do art. 14º, do NRAU a fixar em ulterior incidente de liquidação.
3 – Condeno os Réus como litigantes de má fé em multa no valor de 4 UCs.
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Condeno os Réus no pagamento das custas da presente acção, por na mesma terem ficado integralmente vencidos – art. 446º, nºs 1 e 2, do C.Civil.”.**
Inconformados, os réus apelaram da sentença, tendo, nas suas alegações, concluído: 1. De tudo o alegado, e nomeadamente de toda a prova documental e testemunhal produzida pelos RR e atrás melhor indicada, resulta que foi mal julgada a matéria de facto objecto dos Artigos 69.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º, 74.º, 75.º, 76.º, 77.º, 78.º, 85.º, 86.º, 87.º, 88.º, 94.º, 97.º, 98.º, 99.º, 101.º, 102.º, 103.º, 106.º, 107.º 110.º e 111.º da Contestação, matéria essa que deveria ter sido dada como provada em função da prova produzida pelos Réus mas que a Senhora Juíza deu como não provada,
2. tendo dado como provada a matéria de facto objecto dos Artigos 21.º a 24.º (inclusive) dos Factos Provados e apesar da falta de prova produzida pelos AA nesse sentido,
4. fundamentando a Senhora Juíza tal prova no depoimento da testemunha H….. ao qual se colocam as reservas aqui referidas,
5. bem como na declaração dos RR feita na escritura de aquisição da casa referida em 9 dos factos dados como provados que a Senhora Juíza entendeu tomar como uma confissão dos mesmos de que aí residiam e apesar de toda a prova produzida em sentido contrário,
6. bem como numa inspecção judicial aos dois prédios, referidos nos autos e nos quais viu exactamente as mesmas coisas, concretamente, electrodomésticos, roupas, alimentos, produtos de higiene e os demais referidos no respectivo auto,
7. inspecção na sequência da qual, e se efectivamente tivesse feito uma apreciação conjugação de toda a prova produzida de acordo com as regras da lógica e da experiência comum,
8. teria concluído que o que viu em tais casas e no circunstancialismo referido no respectivo auto, era consequência dos factos alegados pelos RR, nomeadamente o levantamento dos contadores ordenado pelas AA,
9. e que a ocupação de tais casas era de acordo com as circunstâncias referidas no Artigo 110.º da Contestação,
10. e que mesmo que assim não fosse, o que não se aceita e se admite por mero exercício de raciocínio,
11. a ocupação de tal casa de Vilar de Andorinho pelos Réus sempre resultaria de um caso de força maior (nomeadamente a privação ilícita de água e electricidade provocada pela referida conduta das Autoras) previsto na alínea a) do n.º 2 do Artigo 1072.º do Código Civil, nos termos do qual a alegada falta de uso do locado seria lícito e justificado, normativo que violou ao não proceder á sua aplicação,
12. não havendo, de acordo com o circunstancialismo de facto alegado e provado pelos Réus qualquer acção processual destes que justifique a sua condenação como litigantes de má-fé nem na indemnização decidida na douta sentença.
Assim, deve ser alterada a resposta dada aos Artigos da matéria de facto aqui referida em 1 destas Conclusões, os quais devem ser dados como provados, e correspondentemente alterada a matéria de facto aos Artigos 21.º a 24.º referidos em 2 destas mesma conclusões, os quais devem ser dados como não provados, e em consequência REVOGAR na sua totalidade a douta sentença ora em crise e substituir a mesma por outra que declare a acção intentada pelos Autores contra os Réus totalmente improcedente, com todas as consequências legais nomeadamente quanto a custas.
Na resposta às alegações os apelados defendem o decidido.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.2- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 3, do C.P.Civil.
2.1- OS FACTOS
Nas conclusões, os recorrentes insurgem-se contra a decisão sobre a matéria de facto, de fls. 246-258.
Concluem que foi mal julgada a matéria de facto objecto dos Artigos 69.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º, 74.º, 75.º, 76.º, 77.º, 78.º, 85.º, 86.º, 87.º, 88.º, 94.º, 97.º, 98.º, 99.º, 101.º, 102.º, 103.º, 106.º, 107.º 110.º e 111.º da Contestação, matéria essa que deveria ter sido dada como provada em função da prova produzida pelos demandados.
Mais concluem que não devia ter sido dada como provada a matéria de facto objecto dos Artigos 21.º a 24.º (inclusive) dos Factos Provados e apesar da falta de prova produzida pelos AA nesse sentido.
Pedem, assim, a reapreciação da prova testemunhal (H….. e as arroladas pelos demandados) e documental e a decorrente da inspecção ao local.
Vejamos.
Fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas, consagrada no artº 655º, nº 1, do CPC, em princípio essa matéria é inalterável.
A decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nas situações previstas no artº 712º, do CPC.
Estas constituem as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida na 1ª instância.
No caso em apreço, entendemos não ser aplicável a previsão das alínea b) e c), do nº 1, do artº 712º, do CPC, pois que não foi apresentado documento novo superveniente e, a nosso ver, os elementos fornecidos pelo processo não impõem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
Tendo ocorrido a gravação dos depoimentos prestados, "a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido..." - nº 2, do artº 712º, do CPC.
Os recorrentes não cumpriram, em rigor, o ónus imposto nos nºs 1, e 2, parte final, do artº 685º-B, do CPC.
De todo o modo, importa ter presente que a finalidade do citado artº 712º, do CPC, é garantir a correcção do apuramento da matéria de facto, mas tal possibilidade tem de ser feita no respeito pelas normas jurídicas e processuais adequadas.
Mesmo que o recorrente observe totalmente, o que não foi o caso, o que prescrevem os citados art°s 685º-B e 712°, nos 1 e 2, do CPC, a alteração da matéria de facto pela Relação só ocorrerá quando dos meios de prova indicados pelo recorrente, valorizados no conjunto global da prova produzida, se verificar que, em concreto, se revelam inequívocos no sentido por si pretendido.
O controlo da Relação sobre a convicção que se formou no tribunal a quo deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, reconhecidamente, mais falível que qualquer outra, e quanto à avaliação da respectiva credibilidade também o tribunal recorrido está em melhor posição para a fazer.
Quer dizer, a admissibilidade da respectiva alteração por parte do tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará, assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
Deve aceitar-se que a convicção do julgador da 1ª instância resulta da experiência, prudência e saber daquele, sendo certo que é no contacto pessoal e directo com as provas, designadamente com a testemunhal e no depoimento de parte, que aquelas qualidades de julgador mais são necessárias, pois é com base nelas que determinado depoimento pode ou não convencer quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recai, constituindo uma das manifestações dos princípios da oralidade e da imediação, por via das quais o julgador tem a oportunidade de se aperceber da frontalidade, tibieza, lucidez, rigor e firmeza com que os depoimentos são produzidos, mesmo do confronto imediato entre os vários depoimentos, do contraditório formado pelos intervenientes, advogados e juízes, do interrogatório do advogado que a apresenta, do contraditório do outro mandatário e das dúvidas do próprio tribunal, melhor ajuizando e aquilatando desta forma da sua validade.
Importa distinguir os casos em que os meios de prova, designadamente determinados documentos juntos aos autos, têm força probatória...
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