Acórdão nº 473/09.6TCGMR.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18-05-2017

Data de Julgamento18 Maio 2017
Número Acordão473/09.6TCGMR.G2
Ano2017
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: AA.

Recorrido: BB.

Tribunal Judicial de Guimarães – Juízo Central Cível, J4.

BB instaurou a presente acção com processo comum contra AA, peticionando:

- Que seja declarado o incumprimento definitivo do contrato promessa pelo réu e tal falta suprida mediante sentença que efective o contrato prometido, com a condenação deste a ver transferida para a herança aberta por óbito do marido da autora, quanto a metade e para a própria, quanto à sua meação; subsidiariamente, se tal não for possível, a condenação no pagamento da quantia referente à diferença do preço do contrato promessa e o actual valor do prédio, acrescido da quantia entregue a título de sinal e princípio de pagamento, a liquidar em execução de sentença, mas nunca inferior a €270.000.

- Subsidiariamente, que seja declarado que, desde Janeiro de 2000, o casal formado pela autora e seu falecido marido são os donos e legítimos possuidores dos referidos imóveis exercendo assim sobre os mesmos uma posse pública, pacífica, continuada e de boa-fé, na convicção de que são os seus únicos e exclusivos possuidores e, simultaneamente, de que sobre o dito imóvel têm o animus de virem a tornar-se proprietários;

- Que seja o réu condenado a reconhecer que a autora goza do direito de retenção sobre os imóveis que identifica.

Para o efeito, alega que é cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu marido CC, sendo o réu titular inscrito de dois prédios que identifica como Lote 56 e Lote 57.

Por contrato celebrado em 14 de Janeiro de 2000, o réu, enquanto solteiro, prometeu vender ao marido da autora aqueles imóveis, pelo preço total de 6.000.000$00, ali ficando também acordado que a escritura pública de compra e venda se realizaria em data e lugar a designar pelo segundo outorgante, promitente comprador.

Ainda antes da formalização deste contrato, a autora e seu então marido entraram na posse do imóvel (dois lotes) para o qual planearam e projectaram as construções das respectivas moradias, consultando arquitectos, engenheiros para esse efeito, e aferindo os custos e tipos de construção, bem como materiais a utilizar.

Após a morte de seu marido, a autora, como cabeça de casal, exigiu o cumprimento daquele contrato promessa, através de notificação judicial avulsa, tendo sido agendada escritura pública para o dia 1 de Março de 2006, não obstante o que o réu se recusou a outorgar a mesma; posteriormente e não obstante as tentativas da autora, sempre o réu se negou a realizar a escritura pública daqueles lotes.

Actualmente, os terrenos em causa têm um valor de €270.000, pelo que, a não proceder o pedido de execução específica, deve a autora ser paga da diferença entre o preço estipulado e o actual valor dos imóveis, em relação aos quais, por ter entrado na respectiva posse, goza também do direito de retenção. Devidamente citado, o réu veio apresentar articulado de contestação, onde, depois de arguir a ilegitimidade activa, defendeu a propriedade dos prédios em causa, quer por estarem registados a seu favor, quer por os haver adquirido por usucapião.

Afirmando que jamais aceitará transmitir a propriedade daqueles imóveis para a autora ou para a herança, prossegue impugnando a versão carreada pela autora, no que inclui a invocada posse.

O interesse da autora e seu falecido marido, ao realizar os vários contratos sobre os lotes em causa, foi o de anteciparem as partilhas dos bens do casal com os filhos, garantindo, através do contrato promessa – apenas isso – o direito de, querendo e podendo, fazerem reverter a transmissão apenas enquanto o pai do réu fosse vivo.

De resto, o réu não recebeu de seu pai qualquer importância, nem se comprometeu com ele a transmitir-lhe a propriedade de quaisquer imóveis.

Replicando à contestação, a autora impugnou a versão carreada pelo réu e pugnou pela improcedência das excepções invocadas.

Por decisão de fls. 124 e ss, foi admitida a intervenção principal provocada activa de B. Barroso, a qual não apresentou qualquer articulado ou requerimento.

Concluso o processo, foi proferido despacho saneador e organizada a matéria de facto assente e base instrutória, objecto de reclamação decidida a fls. 224 a 229.

Sublinho aqui que parte das razões de discordância da autora na organização da matéria de facto se prendiam com o facto de não ter ficado exarado nos factos assentes o teor do documento particular que incorpora o contrato-promessa, designadamente na parte em que refere que no âmbito desse contrato “o réu recebeu a totalidade do preço, ficando acordado que a escritura definitiva de compra e venda se realizaria em data e lugar a designar pelo segundo outorgante, CC” (vd. fls. 169).

Isto porque, no seu entender, não tendo sido invocada a falsidade do documento, o mesmo faz prova plena do respectivo conteúdo, do qual consta aquela factualidade que a autora pretendia ver levada aos factos assentes.

O réu opôs-se, rejeitando que o teor do documento corresponda à realidade dos factos e pugnando pela improcedência da reclamação.

O despacho que decidiu das reclamações acatou a tese da autora e, considerando que o documento particular fazia efectivamente prova plena das declarações, consignou nos factos assentes que «[d]o escrito intitulado "Contrato Promessa de Compra e Venda", datado de 14 de Janeiro de 2000, assinado por AA, como 1.º outorgante, e por CC, como 2.º outorgante, constam os seguintes dizeres: "E DECLAROU PRIMEIRO OUTORGANTE: Que, pelo presente contrato, pelo preço de 6 000 000$00 (…), que dele já recebeu, promete vender a seu pai, aqui segundo outorgante ou á pessoa ou pessoas que este vier a indicar, livre de qualquer ónus ou encargos, os seguintes prédios urbanos, situados no lugar LL, do Concelho de Guimarães: a) o inscrito na matriz sob o artº XXXX e descrito na C.R.P. sob o nº xxxx/Selho (S.Jorge); b) o inscrito na matriz sob o artº YYYY e descrito na C.R.P. sob o nº yyyy/Selho (S.Jorge). Que a escritura definitiva de compra e venda da qual o presente contrato é promessa, terá lugar em data e cartório a designar pelo segundo outorgante.

Entretanto, por requerimento datado de 12.09.2013, já na vigência da Lei nº 41/2013, de 26.06 (NCPC), veio o réu requerer que fosse incluído nos temas de prova o facto constante do artigo 36º da contestação, cujo teor é o seguinte: “De resto, o réu não recebeu de seu pai qualquer importância – que, aliás, não tinha – nem se comprometeu com ele a transmitir-lhe a propriedade de quaisquer imóveis”.

A autora opôs-se, defendendo que essa questão fora já discutida no processo, nos termos acima mencionados, vindo a ser proferida decisão nesse sentido, no dia 13.12.2013 (acta com a ref. 1658610, ps. 259 ss.), na qual se refere, entre o demais, que “[o] art. 36º da contestação diz respeito ao recebimento da importância alegadamente paga pela subscrição do contrato promessa, o que já foi, portanto, objecto da decisão expressa que, quanto a essa questão, constitui caso julgado formal em primeira instância”.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu nos seguintes termos:

- Julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, reconhecendo o direito da herança aberta por óbito de CC à execução específica do contrato promessa referido no artigo 4º dos factos provados, declaro celebrado o contrato de compra e venda dos seguintes prédios urbanos situados no lugar LL, do Concelho de Guimarães:

a) prédio urbano inscrito na matriz sob o art. XXXX e descrito na C. R. P. sob o nº xxxx/Selho (São Jorge);

b) prédio urbano inscrito na matriz sob o art. YYYY e descrito na C. R. P. sob o nº yyyy/Selho (S. Jorge).

No mais, vai a acção julgada improcedente.

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso o Réu, e a Autora, sendo o deste último subordinado, e de cujas alegações extraíram as seguintes conclusões:

- Recurso interposto pelo Réu AA:

– Nos presentes autos, por sentença de 15 de Julho de 2014, em julgamento realizado pelo magistrado judicial Dr. Porfírio Moreno Vale, o réu, ora recorrente, foi absolvido do pedido formulado pala autora, mãe do réu, de ver para ela transmitida, como viúva e cônjuge meeira de uma herança ilíquida indivisa, aberta por óbito de seu pai, a propriedade de metade de dois lotes de terreno prometidos vender pelo réu ao pai, em vida deste, através de contrato promessa de compra e venda, e a propriedade de outra metade dos mesmos bens para a herança, nos termos do artigo 830º nº 1 do Código Civil, por entender que o pedido era ilegal, já porque pressupunha tivesse sido feita uma partilha, que não ocorreu, já porque a recusa peremptória do réu em cumprir o contrato tornava inviável a utilização do mecanismo prescrito por aquele normativo, conforme decidido, por exemplo pelos acórdãos do STJ de 13/09/2012 e de 15/03/2012, in http://www.dgsi.pt, citados pela sentença.

– Essa sentença, considerando a recusa peremptória do réu em cumprir o contrato, e, por isso, o incumprimento definitivo do contrato-promessa, e não obstante se ter provado que o réu promitente vendedor não recebeu qualquer preço, condenou o réu, nos termos do pedido subsidiário “adaptado” a pagar à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai, a quantia que se liquidasse em execução, referente ao valor dos imóveis, determinado objectivamente à data de 14 de Janeiro de 2010, subtraído da importância de €29.927,87.

– Em recurso interposto por ambas as partes dessa sentença, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu que, tendo a sentença dado como provado um facto – o 9º - segundo o qual “o réu não recebeu de seu pai a quantia aludida no contrato-promessa a título de preço”, mas que esse facto, apesar de resultar da discussão, não fora previamente inserido na base instrutória, julgando-o, no...

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