Acórdão nº 4720/04.2TBLRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 30-01-2007

Data de Julgamento30 Janeiro 2007
Número Acordão4720/04.2TBLRA.C1
Ano2007
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra
ACORDAM O SEGUINTE:

Relatório:

A... e mulher, B..., intentaram aos 23-9-2004 a presente acção ordinária contra:
- 1ºs réus: C... e mulher, D...;
- 2ºs réus: E... e mulher, F....
- pedindo:
a)- A declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre os 1ºs e os 2ºs RR;
b)- Se ordene o cancelamento dos registos efectuados com referência a esse contrato, incidentes sobre o imóvel urbano em causa;
c)- A execução específica do contrato-promessa celebrado entre os AA. e os 1ºs RR. quanto à propriedade sobre o prédio na matriz urbana sob o art. 2017 da freguesia de Milagres.

O contrato de compra e venda que em 8-10-1991 foi prometido celebrar por ambas as partes (AA. e 1ºs RR.) tinha por objecto não só o dito prédio 2017, como «ainda 2/6 partes indivisas do prédio inscrito na matriz rústica da mesma freguesia sob o art. 10 053», pelo preço global de 9400 contos, mas tal objecto era então alheio. A escritura de compra e venda deveria ser celebrada até 30-8-92. Os AA. logo entregaram aos 1ºs RR. a quantia de 5000 contos convencionada como sinal e como princípio de pagamento do preço. Vem alegado que aquela fracção de 2/6 estava demarcada no terreno e nela estava implantada a moradia a que se refere o art. 2017 (segundo as descrições[ Referimo-nos à descrição matricial do dito prédio rústico e à descrição do registo predial do urbano, pois que nos autos não consta a inscrição daquele no registo.] a área do rústico é muito superior à da implantação da moradia e seu logradouro).
Alegam os AA. que em 21-4-92 os 1ºs RR. compraram o prédio sob o artigo matricial 10 053 (não há doc no Pº).
Através da acção 129/93 os AA. demandaram os agora 1ºs RR. aí citados, exigindo apenas a restituição do sinal em dobro, com fundamento no incumprimento do contrato-promessa pelos réus. Mas os 1ºs RR. venderam aos AA. o prédio sob o artigo matricial 10 053 pelo preço de 5000 contos mediante escritura de 2-9-94 e os AA. desistiram do pedido, desistência que foi homologada por sentença de Outubro de 1994.
Na acção 111/94, intentada por C...(ora 1º R.) contra António de Jesus Rosa (casado com Clementina), foi proferida a sentença de 22-12-95 que condenou o R. a reconhecer resolvido desde 11-5-94, por seu incumprimento, o contrato-promessa de venda do U-2017 a C...e a pagar a este 5700 contos pelo aumento do valor da coisa. Foi instaurada execução. Em separação de meações do casal do R. e Clementina, o prédio foi adjudicado a esta, mas C...intentou pauliana que procedeu.
Por escritura de 3-7-98, Clementina vendeu o dito prédio U-2017 ao ora 1º R. pelo preço declarado de 5500 contos.
Invocando que os requeridos (ora 1ºs RR.) se preparavam para vender o U-2017 e o rústico aos ora 2ºs RR., os AA. intentaram o cautelar nº 606/98 contra aqueles para obstar à venda a 3ºs, tendo sido proferida decisão de 27-10-98 a ordenar a notificação dos requeridos (ora 1ºs RR.) para se absterem de vender os dois prédios aos ora 2ºs RR. ou a quem quer que fosse. (Destes autos não consta se houve ou não audição prévia dos RR). Essa decisão foi inscrita no registo aos 6-11-98 quanto ao U-2017 (dos autos não consta qualquer inscrição no registo quanto ao R- 10 053).
Antes desse registo de 6-11-98, foi registada provisoriamente a aquisição do U-2017 por compra pelos 2ºs RR. aos 1ºs RR., tendo tal registo sido convertido aos 9-11-98 em definitivo.
Na sequência do cautelar os AA. intentaram aos 5-11-98 a acção de execução específica do contrato-promessa (Pº 563/99), mas desistiram da instância em acta de 29-6-04, desistência logo homologada.
Aos 23-9-2004, foi proposta a presente acção, cujo registo foi efectuado aos 2-2-2006.

Alegam os AA:
Que desde 3-7-98 os 1ºs RR. estão em condições de cumprir a promessa celebrada mas recusam-se a celebrar a escritura;
Que a decisão do cautelar foi notificada à ré B... em 5-11-98 e então, embora não formalmente citado, o 1º R. terá tido dela conhecimento e por isso se apressou a marcar para 6-11-98 a escritura da compra e venda do U-2017 a celebrar com os 2ºs RR.;
Que a compra e venda do U-2017 de 6-11-98 foi celebrada com o objectivo de defraudar a providência decretada a 27-10-98 (art. 23º da petição), a compra e venda não foi acompanhada do empréstimo bancário a que o comprador tencionava recorrer, a sisa foi paga no mesmo dia da escritura e os RR. acordaram a celebração imediata com o fim de obstar a que fosse proferida sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial a que os 1ºs RR. se obrigaram para com os AA. (art. 24 e 25 da petição). O contrato é nulo por a sua celebração contrariar a ordem pública (art. 281º do CC). Sendo nulo o contrato, o prédio regressa ao património dos 1ºs RR. e a execução específica procede.

Os RR. contestaram separadamente.
Os 1ºs RR. defenderam-se por impugnação e além disso invocaram:
- a caducidade da providência cautelar, pelo prazo decorrido;
- a desistência do pedido na acção 129/93, com a consequente extinção do direito;
- beneficiam do registo de 11-9-98, convertido em definitivo;
- a litigância de má fé por parte dos AA.
Os 2ºs RR. defenderam-se por impugnação e reconvieram pedindo, para o caso de a acção proceder, a condenação dos AA. a pagar-lhes a quantia de € 6 444,40 como valor actualizado das benfeitorias úteis que realizaram no prédio que compraram, mais juros desde a notificação.
Os AA. replicaram.

A 1ª instância, considerando a simplicidade da causa, dispensou a audiência preliminar. Fixou expressamente o valor da causa, considerou inadmissível a réplica quanto ao alegado nos art. 20 a 23, 31 a 41 e 44 e decidiu que este processo não é o competente para apreciação da questão da caducidade da providência cautelar. E, considerando constarem dos autos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, decidiu do mérito da causa, julgando a acção improcedente.
Desta última decisão apelam os AA., apresentando a sua alegação as seguintes conclusões:

1ª- Os AA invocam um contrato promessa de compra e venda celebrado entre os próprios e os 1ºs. RR, contrato que estes não cumpriram, tendo vendido o prédio prometido aos 2ºs. RR, mau grado a decisão proferida em sede de providência cautelar que os notificou no sentido de se absterem da venda do imóvel em causa.
2ª- A compra e venda, na medida em que outorgada em violação daquela decisão, consubstancia um negócio nulo, nos termos do art. 281 do Cód. Civil pois, visando defraudar a providência cautelar decretada, contraria claramente a ordem pública.
3ª- Estes os factos e o direito que, ainda que sumariamente, consubstanciaram a causa de pedir na acção instaurada pelos ora recorrentes e conduziram aos pedidos de declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre os 1ºs. e os 2ºs. RR e execução específica do contrato promessa.
4ª- O Tribunal a quo decidiu pela improcedência da nulidade do contrato de compra e venda, defendendo, no essencial, o seguinte: que a ordem jurídica prevê no art. 391 do CPC as consequências da violação das providências cautelares, resultando que incorre na pena de crime de desobediência qualificada todo aquele que infrinja a providência cautelar decretada, sem prejuízo das medidas adequadas à sua execução coerciva, não prevendo a nulidade dos negócios jurídicos celebrados em contradição com a providência decretada, por não configurar-se tal hipótese contrária à ordem pública.
5ª- A tal propósito e reportando-se a hipótese perfeitamente idêntica à dos presentes autos, refere-se no Ac. da Rel. de Évora de 26-5-88, CJ Ano XIII – Tomo 3, pág. 289 que “ não pode a justiça privada substituir a pública, dado que a possibilidade de acesso de qualquer cidadão aos Tribunais para defesa dos seus direitos se configura como principio fundamental do nosso ordenamento jurídico (art. 20, nº 2 da CRP).
6ª- Em matéria cível essa possibilidade resulta do art. 2 do C. P. Civil: A todo o direito, excepto quando a Lei determine o contrário, corresponde uma acção, destinada a fazê-lo reconhecer em juízo ou a realizá-lo coercivamente, bem como as providências necessárias para acautelar o efeito útil da acção.

7ª- Da parte final deste normativo resulta claramente que a realização do princípio fundamental de acesso aos tribunais importa não só a faculdade de promover a acção mas também a garantia da utilidade desta.
8ª- Consequentemente, violará esse princípio aquela conduta que obste a que uma providência cautelar, destinada a garantir o efeito útil de determinada acção, atinja o seu objectivo.
9ª- Essa conduta será contrária à ordem pública.
10ª- Assim, a conduta dos RR tal como é configurada na acção, tem como consequência, inevitável, a nulidade da compra e venda outorgada entre aqueles.
11ª- Sendo, portanto, indispensável a elaboração de Base Instrutória e posterior julgamento com vista ao apuramento do objectivo dos RR quando celebraram a escritura de compra e venda.
12ª- Por outro lado, na presente acção e tal como é configurada a causa de pedir e formulado o pedido, o que está em causa e em termos mais imediatos é a validade do contrato de compra e venda celebrado entre 1ºs e 2ºs RR, cuja nulidade se pretende ver declarada.
13ª- Com a declaração de nulidade, deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado – art. 289 C. Civil.
14ª- Ou seja, no caso concreto, o imóvel objecto do contrato de compra e venda cuja validade é posta em causa voltará à esfera jurídica dos 1ºs. RR, se reconhecido o vício arguido.
15ª- Só então será possível a execução específica do contrato promessa, face ao incumprimento por parte dos 1ºs. RR.
16ª-Não se colocando, em consequência, a questão da eficácia do contrato promessa em relação aos 2ºs. RR.
17ª- Acresce que, declarada a nulidade do contrato de compra e venda, tudo se passa como se o negócio não tivesse sido realizado.
18ª- Sendo que a invalidade do titulo tem como consequência a nulidade do registo feito com base nele.
19ª-
...

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