Acórdão nº 4685/14.2T8FNC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 01-03-2018

Data de Julgamento01 Março 2018
Case OutcomeCONCEDIDA PARCIALMENTE E BAIXA DO PROCESSO À RELAÇÃO
Classe processualREVISTA
Número Acordão4685/14.2T8FNC.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL



I - As heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de AA e BB, representadas por todas as suas herdeiras, propuseram contra CC e DD a presente ação declarativa, pedindo que:

- se declare que o prédio que os réus ocupam é propriedade das autoras;

- se condenem os réus a reconhecer o direito de propriedade das autoras;

- se declare que a ocupação por parte dos réus é ilícita, ilegítima e insubsistente;

- se condenem os réus a restituir às autoras, imediatamente, livre de pessoas e bens, o identificado prédio;

- se condenem os réus no pagamento de indemnização no valor de €132,00 mensais, desde o mês de Julho de 2014, até à restituição efetiva do prédio.

Alegaram, em síntese nossa, que:

- os falecidos AA e mulher BB construíram um prédio urbano num terreno próprio, tendo depois esse prédio urbano sido dado de arrendamento pelo primeiro a EE, pai dos réus, para habitação;

- tendo falecido o arrendatário, primeiro, e sua mulher FF, depois, caducou o dito arrendamento;

- os réus ficaram a residir no referido prédio, que não entregam apesar de a tal instados; ao assim procederem, os réus privam as autoras de usar e fruir o prédio, perdendo o valor da renda que receberiam dando-o de arrendamento, de montante não inferior a € 132,00 mensais.


Contestou o réu DD.

Alegou, em resumo, que o arrendamento se transmitiu para si e para seu irmão no seguimento do óbito de sua mãe, para quem antes se havia transmitido dado o falecimento de seu marido, disto extraindo a improcedência da acção com a absolvição dos réus dos pedidos formulados.

E deduziu reconvenção pedindo que, a ser julgada procedente a ação, as reconvindas sejam condenados a pagar aos reconvintes:

- € 10.500,00, correspondentes à indemnização a que se refere a al. a) do nº 5 do art. 33º do NRAU;

- € 23.970,76, com juros à taxa legal desde a notificação da reconvenção até integral pagamento, pelas benfeitorias feitas no locado.


O réu CC também contestou pedindo a absolvição do pedido, fundado na alegação de factos essencialmente idênticos aos invocados pelo réu DD.


Veio a ser proferida sentença que:

a) condenou os réus a reconhecerem o direito de propriedade das autoras sobre o prédio urbano, localizado nas …, atualmente caminho …, 1…8-A, Entrada …, .., freguesia de São Gonçalo, concelho do Funchal, inscrito na matriz predial sob o art. 1829°, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal, sob o n°3041, da freguesia de São Gonçalo;

b) declarou que a ocupação daquele imóvel por parte dos réus é ilícita, condenando-os a restitui-lo às autoras, livre de pessoas e bens;

c) condenou os réus no pagamento de indemnização no valor de € 132,00 mensais, desde Julho de 2014 até à restituição efetiva do imóvel;

d) condenou as autoras no pagamento da quantia de € 8.470,76 a título de indemnização pelo valor dos materiais aplicados nas obras de conservação do imóvel, acrescida de juros à taxa legal, desde a notificação da reconvenção, até efetivo pagamento;

e) condenou as autoras a pagarem a quantia que venha a ser liquidada em sede de execução de sentença, correspondente às despesas “com a mão de obra que efetuou as benfeitorias no imóvel” (sic), com o limite máximo de €15.500,00, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, deste a notificação da reconvenção, até efetivo pagamento;

f) absolveu as autoras do restante pedido reconvencional.


Apelaram os réus, impugnando a decisão proferida sobre alguns dos factos julgados como provados, pedindo se julgue ser legítima a ocupação que vêm fazendo do prédio e a sua absolvição do pedido indemnizatório de € 132,00 mensais e, ainda, a condenação das autoras a pagarem-lhes, além de € 8.470,76 de valor aplicado nas obras de conservação, a quantia de € 15.500,00 referente a despesas tidas com a mão-de-obra.

Também as autoras apelaram, pedindo igualmente a alteração da decisão proferida sobre alguns dos factos e que se julgue improcedente a reconvenção.

Foi proferido no Tribunal da Relação de … acórdão que julgou procedente a apelação dos réus e:

- revogou a sentença relativamente às condenações constantes das als. b) e c);

- condenou os réus no reconhecimento do direito de propriedade das autoras sobre o prédio urbano, localizado nas …, atualmente caminho …, 1…8-A, Entrada …, …, freguesia de São Gonçalo, concelho do Funchal, inscrito na matriz predial sob o art. 1829º, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal, sob o nº3041, da freguesia de São Gonçalo;

- absolveu os réus do mais que lhes era pedido.

E, na parte final da respectiva fundamentação, considerou prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional, dizendo assim:

“A transmissão do arrendamento ao Réu DD legitima a ocupação que os Réus vêm fazendo do locado e faz improceder a pretensão de restituição do imóvel e de serem ressarcidas dos prejuízos decorrentes da ilicitude da ocupação. Consequentemente, mostra-se prejudicada reconvenção e, bem assim, o conhecimento das demais questões suscitadas pelas Autoras no recurso interposto.”

Contra esta decisão as autoras interpuseram a presente revista, pedindo a sua revogação e formulando, para tanto, as conclusões que passamos a transcrever:

I – O regime legal aplicável ao caso dos autos, cuja matéria factual, por razões de economia, se dá aqui por integralmente reproduzida, é o que resulta do regime transitório previsto no art. 57° da Lei 6/2006 (NRAU) na redação dada pela Lei 31/2012 de 14 de Agosto, (arts. 26 n° 2, 27° e 28° n°1 do NRAU).

II - Ainda que se entenda, tal como defende o Douto acórdão recorrido, e ao contrário do decidido em 1a instância, que a mãe do R. DD, FF, tenha ocupado o imóvel como co-arrendatária, por efeito da comunicabilidade da posição de arrendatário, prevista no art. 1068° do C.C., afigura-se que o recorrido, DD, não estava dispensado de comunicar o óbito da sua mãe, bem como demonstrar que reunia os requisitos legais para lhe ser transmitido o contrato.

III – Aliás, neste aspecto afigura-se ser também este o posicionamento do Acórdão recorrido, quando, V.g., refere "verífíca-se pois que o NRAU se aplica, globalmente, aos contratos de arrendamento celebrados antes da sua entrada em vigor, apenas com excepção de alguns aspectos de regime para os quais existem normas transitórias, como é o caso da norma constante do art. 57° da Lei 6/2006:'(Vd. 1°§, 1a parte pag.40 do Acórdão recorrido).

IV – O R. não logrou provar os pressupostos constitutivos do seu direito de forma a operar a transmissão no arrendamento após o falecimento de sua mãe, FF, designadamente que era portador, à data do óbito da progenitora, de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.

V – Tal como resulta da factualidade provada nos pontos 2.1.10 a 2.1.18, que se deixou transcrita no corpo das alegações, as AA., ora recorrentes, tomaram conhecimento dos óbitos do primitivo arrendatário, EE e da sua esposa, FF, por carta/resposta enviada pelo R. CC, através da mandatária nomeada - a qual foi rececionada a 07/03/2014 -, ao procedimento de transição do contrato para o NRAU e atualização da renda, iniciado pelas AA., ora recorrentes, em 27/01/2014.

VI – A Exma. Sra. Advogada, subscritora das referidas cartas, atuou no âmbito do apoio judiciário, em representação, na qualidade de Advogada nomeada, na modalidade de consulta jurídica a prestar ao CC, único requerente do apoio judiciário. (Cfr. cartas junto aos autos a fls 19 e 20; 23; 27v. e 28 e facto provado em 2.1.13), e não já ou também ao R. DD;

VII – Jamais o R., DD, se dirigiu por ele, ou por outrem em sua representação (não estando a Sra. Advogada legitimada para agir por si), ao senhorio a comunicar o óbito da mãe e a alegar e provar que reunia os requisitos legais para lhe ser transmitido o contrato de arrendamento.

VIII – A alusão, na carta rececionada em 07/03/2014, ao seu nome bem como a uma alegada deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%, desacompanhada da respetiva prova documental, (Cfr. facto provado em 2.1.14), é irrelevante e inócua, não podendo, salvo o devido respeito e melhor opinião, produzir quaisquer efeitos legais, nomeadamente para operar a transmissão do arrendamento a seu favor.

IX – O documento intitulado de declaração, emitido pelo SESARAM, do qual apenas resulta que DD, esteve presente no Hospital Dr. GG, no dia 03/03/2014 a "fim de solicitar relatório clinico da médica assistente, Dra. HH, para entregar a advogada'. (Cfr. declaração, junta à carta que constitui o doe. 7), não é documento idóneo, nem tem a virtualidade de demonstrar uma alegada deficiência.

X – Tal como consignado no Douto acórdão recorrido, "para a integração da situação na al. e) do n° 1 do art. 57° do NRAU, bastaria que o grau de incapacidade fosse reportado à data do óbito da mãe dos RR." (Vd. último paragrafo de fls. 24 do acórdão recorrido).

XI – Na verdade, o R. deveria ter alegado e provado além da vivência com a mãe, há mais de um ano, que era, à data da sua morte, portador de deficiência com grau de incapacidade superior a 60%.

XII – O R. não logrou fazer prova que à data do falecimento da mãe, ocorrido em 24/01/2014 {cfr. facto 2.1.7) já sofria de uma incapacidade de grau comprovado superior a 60%, a qual, conforme resulta da factualidade provada, só sobreveio em 28/03/2014, ou seja em data muito posterior à data do óbito. (Cfr. facto provado em 2.1.24)

XIII – Pelo que, o Douto acórdão recorrido ao decidir pela transmissão do arrendamento a favor de DD, violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no art. 57° n°1 al. e) do NRAU.

XIV – O falecimento de FF, ocorrido em 24/01/2014, determinou a caducidade do contrato de arrendamento, nos termos da al. d) do art. 1051° do C.C, não existindo qualquer título que justifique a ocupação do imóvel em casa pelo R. DD.

XV – Consequentemente deverão as...

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