Acórdão nº 4671/19.6T8VNG-C.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 09-03-2020
Data de Julgamento | 09 Março 2020 |
Número Acordão | 4671/19.6T8VNG-C.P1 |
Ano | 2020 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Processo nº 4671/19.6T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia – Juízo de Comércio, Juiz 2
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2º Adjunto Des. Pedro Damião e Cunha
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I- RELATÓRIO
B…, S.A. instaurou o presente processo especial requerendo a declaração de insolvência de C…, alegando, em síntese, ser titular de um crédito sobre a requerida no montante global de €60.519,67, sendo que desde 23 de janeiro de 2016 e até à data esta nada lhe pagou, não tendo a mesma meios para liquidar as suas diversas dívidas, encontrando-se em situação de insolvência.
A requerida, regularmente citada, deduziu oposição sustentando que o seu património tem um valor bastante superior ao do seu passivo; argumenta ainda que a requerente faz um uso indevido do processo de insolvência, posto que, por essa via, pretende unicamente cobrar o seu próprio crédito.
Procedeu-se a audiência de julgamento com observância das legais formalidades, vindo a ser proferida sentença que declarou a insolvência da requerida.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
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1. Definição do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1] ex vi do art. 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:
. das nulidade da sentença por falta de fundamentação e omissão de pronúncia;
. determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão da matéria de facto;
. saber se estão (ou não) reunidos os pressupostos para ser decretada a insolvência da requerida/apelante.
2.1. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
A apelante inicia as suas alegações recursórias sustentando que a sentença recorrida enferma do vício de nulidade previsto no art. 615º, nº 1 al. b), já que nela não se efetua qualquer análise crítica a respeito dos concretos meios probatórios que conduziram o decisor de 1ª instância a dar como provados os factos nºs 7 e 10, não revelando os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção.
Desde logo, afigura-se-nos existir por parte da apelante alguma confusão conceptual no que tange à alegada falta de análise crítica da prova enquanto vício gerador da nulidade da sentença.
Com efeito, uma coisa é a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, outra coisa é nulidade da sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando plasmado no nº 3 do art. 607.º, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista no citado artigo 615º, nº 1 al. b). A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade[2].
Ora, para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se mister que o juiz não concretize os factos que considera provados e os não coloque na base da decisão[3], coisa que, manifestamente não ocorre in casu, pois que o juiz a quo, como o evidencia a sentença recorrida, aí discriminou os factos que resultaram provados e não provados, como também especificou os fundamentos de direito que estiveram na base da decisão.
Portanto, ao contrário do que afirma a apelante, a sentença recorrida não enferma do apontado vício formal.
Todavia, diferente deste vício, é a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto.
Dispõe, a este respeito, o nº 4 do art. 607.º que “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Resulta deste normativo que a motivação não pode nem deve ser meramente formal, tabelar ou formatada, antes devendo expressar as verdadeiras razões que conduziram à decisão no culminar da audiência de discussão e julgamento.
O juízo probatório é a decisão judicativa pela qual se julgam provados ou não provados os factos relevantes, controvertidos e carecidos de prova, mediante a livre valoração dos meios probatórios apresentados pelas partes ou determinados oficiosamente.
O tribunal deve, assim, indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina pois a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correção da sua decisão, sendo que, como sublinha TEIXEIRA DE SOUSA[4], “através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente”.
Neste contexto, impondo-se, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, que se estabeleça o fio condutor entre os meios de prova usados na aquisição da convicção (fundamentos) e a decisão da matéria de facto (resultado), fazendo a apreciação crítica daqueles, nos seus aspetos mais relevantes, a decisão encontrar-se-á viciada quando não forem observadas as regras contidas no transcrito nº 4 do 607.º.
No entanto, apesar do juiz dever efetuar o exame crítico das provas respetivas, não é falta de tal exame que basta para preencher a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 615.º, posto que esse vício somente se verifica nos termos atrás referidos.
De facto, de acordo com o regime plasmado na lei adjetiva, a falta de motivação no julgamento da matéria de facto não gera a nulidade da sentença,...
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia – Juízo de Comércio, Juiz 2
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2º Adjunto Des. Pedro Damião e Cunha
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Sumário……………………………
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:I- RELATÓRIO
B…, S.A. instaurou o presente processo especial requerendo a declaração de insolvência de C…, alegando, em síntese, ser titular de um crédito sobre a requerida no montante global de €60.519,67, sendo que desde 23 de janeiro de 2016 e até à data esta nada lhe pagou, não tendo a mesma meios para liquidar as suas diversas dívidas, encontrando-se em situação de insolvência.
A requerida, regularmente citada, deduziu oposição sustentando que o seu património tem um valor bastante superior ao do seu passivo; argumenta ainda que a requerente faz um uso indevido do processo de insolvência, posto que, por essa via, pretende unicamente cobrar o seu próprio crédito.
Procedeu-se a audiência de julgamento com observância das legais formalidades, vindo a ser proferida sentença que declarou a insolvência da requerida.
*
Não se conformando com o assim decidido, veio a requerida interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo.Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
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A requerente apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.*
Após os vistos legais, cumpre decidir.***
II- DO MÉRITO DO RECURSO1. Definição do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1] ex vi do art. 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:
. das nulidade da sentença por falta de fundamentação e omissão de pronúncia;
. determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão da matéria de facto;
. saber se estão (ou não) reunidos os pressupostos para ser decretada a insolvência da requerida/apelante.
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2. Das nulidades da sentença2.1. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
A apelante inicia as suas alegações recursórias sustentando que a sentença recorrida enferma do vício de nulidade previsto no art. 615º, nº 1 al. b), já que nela não se efetua qualquer análise crítica a respeito dos concretos meios probatórios que conduziram o decisor de 1ª instância a dar como provados os factos nºs 7 e 10, não revelando os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção.
Desde logo, afigura-se-nos existir por parte da apelante alguma confusão conceptual no que tange à alegada falta de análise crítica da prova enquanto vício gerador da nulidade da sentença.
Com efeito, uma coisa é a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, outra coisa é nulidade da sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando plasmado no nº 3 do art. 607.º, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista no citado artigo 615º, nº 1 al. b). A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade[2].
Ora, para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se mister que o juiz não concretize os factos que considera provados e os não coloque na base da decisão[3], coisa que, manifestamente não ocorre in casu, pois que o juiz a quo, como o evidencia a sentença recorrida, aí discriminou os factos que resultaram provados e não provados, como também especificou os fundamentos de direito que estiveram na base da decisão.
Portanto, ao contrário do que afirma a apelante, a sentença recorrida não enferma do apontado vício formal.
Todavia, diferente deste vício, é a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto.
Dispõe, a este respeito, o nº 4 do art. 607.º que “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
Resulta deste normativo que a motivação não pode nem deve ser meramente formal, tabelar ou formatada, antes devendo expressar as verdadeiras razões que conduziram à decisão no culminar da audiência de discussão e julgamento.
O juízo probatório é a decisão judicativa pela qual se julgam provados ou não provados os factos relevantes, controvertidos e carecidos de prova, mediante a livre valoração dos meios probatórios apresentados pelas partes ou determinados oficiosamente.
O tribunal deve, assim, indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina pois a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correção da sua decisão, sendo que, como sublinha TEIXEIRA DE SOUSA[4], “através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente”.
Neste contexto, impondo-se, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, que se estabeleça o fio condutor entre os meios de prova usados na aquisição da convicção (fundamentos) e a decisão da matéria de facto (resultado), fazendo a apreciação crítica daqueles, nos seus aspetos mais relevantes, a decisão encontrar-se-á viciada quando não forem observadas as regras contidas no transcrito nº 4 do 607.º.
No entanto, apesar do juiz dever efetuar o exame crítico das provas respetivas, não é falta de tal exame que basta para preencher a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 615.º, posto que esse vício somente se verifica nos termos atrás referidos.
De facto, de acordo com o regime plasmado na lei adjetiva, a falta de motivação no julgamento da matéria de facto não gera a nulidade da sentença,...
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