ACÓRDÃO Nº 465/2018
Processo n.º 945/2017
3.ª Secção
Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), em 6 de junho de 2017, do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 25 de maio de 2017, que julgou improcedente o recurso interposto da sentença proferida pela Instância Central, 1ª Sec. F. Menores – J6, de Sintra, da Comarca de Lisboa Oeste, que declarou a menor B. filha do ora recorrente A. e ordenou o averbamento da respetiva paternidade e da avoenga paterna no assento de nascimento do menor.
2. Notificado para o efeito, o recorrente produziu alegações, concluindo nos termos seguintes:
«IV. DAS CONCLUSÕES:
A) Não se conformando com as decisões proferidas pela primeira e segunda instâncias, o recorrente A. vem interpor o presente recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, da decisão proferida, pois, no seu entender, a mesma padece do vício de inconstitucionalidade material, devendo, ser declarada a inconstitucionalidade dos artigos 1865.º, n.º 5, e 1869.º e seguintes do Código Civil, na interpretação de que é possível proceder ao reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor.
B) O recurso apresentado é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na medida em que no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 25 de maio de 2017 foi aplicada norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada em sede de alegações de recurso de apelação.
C) As normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada são os artigos 1865.º, n.º 5 e 1869.º e seguintes do Código Civil, na interpretação de que é possível proceder ao reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor.
D) Entende o recorrente que se considera violado o princípio da igualdade em razão do sexo, disposto no artigo 13.º, n.º 2 da CRP, na medida em que, tendo a interrupção voluntária da gravidez, por mera opção da mulher, sido introduzida no ordenamento jurídico e considerada compatível com o teor dos artigos 24.º (direito à vida), 25.º (direito à integridade pessoal) e 36.º (família, casamento e filiação) da CRP enquanto corolário do direito ao livre desenvolvimento da personalidade e do direito à reserva da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1 da CRP), ficou consagrada a tutela do direito à autodeterminação negativa em sede de procriação, para a mulher, discriminando o homem em razão do sexo atentos os artigos 1865.º, n.º 5 e 1869.º e seguintes do Código Civil, na interpretação de que é possível proceder ao reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor.
E) A questão da inconstitucionalidade supra referida foi suscitada pelo recorrente nas alegações de recurso de apelação apresentadas em 29 de setembro de 2016.
F) A decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa sobre o recurso apresentado pelo recorrente é, nos termos dos artigos 629.º, n.º 1, e 671.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, definitiva, porquanto confirma a sentença proferida pelo douto tribunal de primeira instância, não sendo, portanto, suscetível de recurso.
G) Assim sendo, com o mencionado recurso, o recorrente esgotou todas as vias de impugnação ordinárias, pelo que encontra agora a oportunidade para recorrer junto do Tribunal Constitucional, reunindo todos os pressupostos para o efeito.
H) A respeito da temática sub judice importa observar o teor do artigo 67.º, n.º 2, alínea d), da CRP.
I) A identidade de interesses e a semelhança das situações entre o direito da mulher à determinação do momento adequado para exercer a maternidade (ou não, ou mesmo nunca) e o aqui discutido direito do homem a determinar o momento adequado para exercer a paternidade (ou não, ou mesmo nunca), implicará que todos os argumentos aplicados à situação da mulher aquando dos referendos efetuados em Portugal em torno da I.V.G. e aquando da subsequente decisão do legislador de a despenalizar, nos termos referidos no artigo 142.º, n.º 1, al. e), do Código Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril, seja aplicável agora, de modo semelhante, ao homem.
J) Os interesses (ou critério de determinação da igualdade relativa) subjacentes à vontade de não procriar são substancialmente iguais para mulheres e homens – a autodeterminação e livre desenvolvimento da personalidade – sendo estes interesses que o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro RUI MOURA RAMOS referiu no seu voto de vencido no Acórdão n.º 75/2010, do TC.
K) E nem se invoque, em defesa da interpretação apresentada pela douta sentença, o "interesse do menor" ou o direito do mesmo à sua identidade/filiação.
L) A declaração de inconstitucionalidade das citadas normas não implica uma violação do direito ao nome, até por nada obrigar, atualmente, a que os apelidos da menor sejam, também, os do pai, pois a lei admite que a criança possa ter apelidos só da mãe, como resulta do artigo 1875.º, n.º 1 do CC.
M) Pelo Acórdão n.º 401/2011 do TC foi decidido que o direito a conhecer a paternidade biológica (ou direito ao conhecimento das origens genéticas) e o de estabelecer o respetivo vínculo jurídico, não são valores absolutos, tendo de ser compatibilizado com outros, como o da reserva da vida privada.
N) Note-se que mesmo no nosso ordenamento jurídico se prevê, em alguns casos, a relativização do vínculo genético: artigo 1839.º, n.º 3 do CC, não é permitida a impugnação da paternidade com fundamento em inseminação artificial ao cônjuge que nela consentiu, e, na Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho, o teor do artigo 10.º, n.º 2, os dadores não podem ser havidos como progenitores da criança que vai nascer e o do artigo 21.º, o dador de sémen não pode ser havido como pai da criança que vier a nascer, não lhe cabendo quaisquer poderes ou deveres em relação a ela.
O) Dúvidas não subsistirão de que, no nosso ordenamento jurídico, se mostra consagrada a autodeterminação parental da mulher, pois está legalmente consagrada a possibilidade de a mulher optar pela interrupção voluntária da gravidez até à décima semana - cf. Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, que alterou a redação do artigo 142.º, n.º 1, do Código Penal, aditando ainda ao mesmo a alínea e).
P) Sendo que a vontade do homem não é acautelada juridicamente nos casos em que este pretenda que o filho nasça e a mulher não, abortando.
Q) Não só a mulher é livre de não ter um filho que o homem quer, como também é livre de o ter quando o homem não o quer, como no caso dos autos.
R) No mencionado Acórdão n.º 75/2010 do TC foi tido em devida conta que para a mulher o respeito pela vida intrauterina não se traduz apenas, como para terceiros, num dever de omitir qualquer conduta que a ofenda, vindo também a implicar, após o nascimento, na vinculação, por largos anos, a deveres permanentes de manutenção e cuidado para com um outro, os quais oneram toda a sua esfera existencial.
S) Tendo a interrupção voluntária da gravidez, por mera opção da mulher, sido introduzida no ordenamento jurídico e considerada compatível com o teor dos artigos 24.º (direito à vida), 25.º (direito à integridade pessoal) e 36.º (família, casamento e filiação) da CRP enquanto corolário do direito ao livre desenvolvimento da personalidade e do direito à reserva da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º? 1, C.R.P.), ficou consagrada a tutela do direito à autodeterminação negativa em sede de procriação, para a mulher, discriminando o homem em razão do sexo atentos os artigos 1865.º, n.º 5 e 1869.º e seguintes do CC, na interpretação de que é possível proceder ao reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor.
T) De facto, resultou provado que apesar de não ser vontade do ora recorrente que a menor nascesse, tendo o...