Acórdão nº 463/16.2T8LAG.E2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 29-09-2022

Judgment Date29 September 2022
Case OutcomeNEGADA
Procedure TypeREVISTA
Acordao Number463/16.2T8LAG.E2.S1
CourtSupremo Tribunal de Justiça

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. RELATÓRIO


1. AA propôs acção de impugnação de paternidade pedindo a exclusão da paternidade em relação ao menor BB, devendo este ser considerado apenas filho de CC e ordenando-se a retificação do registo de nascimento quanto à menção de paternidade e da avoenga paterna.

Alega o autor que BB nasceu em .../.../2000, na ..., mas não é seu filho biológico, apesar de assim se encontrar registado, porquanto à data do nascimento, o autor era casado com a mãe CC desde 21.09.1996, assumindo a paternidade e reconhecendo o menor como seu filho.

Porém, a ré manteve relações sexuais com outro homem nos primeiros 180 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor, sendo este o resultado daquele relacionamento.

Deixou de agir como pai do menor logo que soube que não era pai biológico do mesmo, o que veio a confirmar por exame pericial efetuado em 2008, em que se concluiu que a probabilidade de paternidade do autor em relação ao menor é praticamente nula.

Alega que se encontra em tempo para impugnar a paternidade porque:

(i) de acordo com a legislação aplicável (ucraniana) ainda se encontra a correr o prazo para instaurar a presente acção pelo próprio menor e porque o autor deixou de o tratar como seu filho, assim que tomou conhecimento do resultado do exame (2008);

(ii) o menor nasceu na ... e, à data do nascimento, o autor e a ré viviam na ..., sendo de nacionalidade ucraniana e casados entre si, ao que acresce o facto de o menor continuar a ter a nacionalidade ucraniana, aplicando-se assim a lei ucraniana, donde, ao abrigo do disposto no artigo 136.º, n.º 3, do Código de Família da Ucrânia (CFU), a filiação paterna pode ser impugnada a todo o tempo até que a criança atinja a maioridade.


2. A contestação foi apresentada pelos dois réus DD e BB, sendo a contestação deste último réu apresentada pela curadora especial, a sua avó materna EE, entretanto nomeada.

Por excepção, invocaram eles a prescrição do direito de impugnação ao abrigo do artigo 1842.º, n.º 1, al. a), do CC, não se aplicando ao caso a lei ucraniana por os réus residirem em Portugal há cerca de 15 anos, tendo sido atribuída a nacionalidade portuguesa ao autor e à ré, estando em curso a aquisição de nacionalidade portuguesa por parte do menor.

No mais, impugnaram a alegação do autor sustentando que o mesmo desde a gravidez da ré sempre soube que o menor não era seu filho biológico.


2. Em 19.09.2018, foi proferido despacho saneador sentença que julgou procedente a excepção de caducidade e absolveu os réus do pedido.


3. Em 28.02.2019, na apreciação do recurso interposto pelo autor, foi a sentença revogada e ordenado o prosseguimento dos autos.

Neste acórdão foi decidido que “a lei pessoal aplicável à constituição da filiação nos termos do artigo 56.º do CC, é também a lei que rege a impugnação da paternidade e o prazo para a sua interposição, sendo o momento relevante para a determinar, o do nascimento do filho e não o da propositura da acção em que se pretende extinguir a filiação constituída, por estarmos em presença de uma conexão fixa”.


4. Devolvidos os autos à 1.ª instância, foi recolhida informação sobre a lei ucraniana quanto à matéria da filiação e da impugnação de paternidade, foi realizada audiência de discussão e julgamento e, em 9.07.2021, foi proferida sentença que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade do prazo para intentar a acção de impugnação e absolveu os Réus do pedido.


5. Inconformado, apelou o autor, pugnando pela revogação da sentença.


6. Em 28.04.2022, o Tribunal da Relação de Évora proferiu Acórdão em que se decidiu:

Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a sentença recorrida, declarando que BB não é filho biológico de AA, ordenando, consequentemente, que seja eliminado do assento de nascimento de BB (sendo que na Ucrânia a lei determina que seja lavrado um novo assento de nascimento) a menção de paternidade e a avoenga paterna.

Comunique à Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa (assento de nascimento n.º ... do ano de 2017) onde foi lavrado o assento de nascimento do Réu BB (cfr. fls. 166 do processo em papel)”.


7. Não se conformando, vem a ré CC, por sua vez, recorrer deste Acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça.

As conclusões enunciadas são as seguintes:

1. O presente recurso de revista vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 28.04.2022 que decidiu “Julgar procedente a apelação e, consequentemente revogam a sentença recorrida, declarando que BB não é filho biológico de AA, ordenando consequentemente, que seja eliminado do assento de nascimento de BB (sendo que na Ucrânia a lei determina que seja lavrado um assento de nascimento) a menção da paternidade e a avoenga paterna. Comunique à Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa (assento de nascimento n.º ... do ano de 2017) onde foi lavrado o assento de nascimento do Réu BB (cfr. fls. 166 do processo em papel);

2. Em sentido contrário, o Tribunal da Primeira Instância decidiu, a nosso ver, bem o seguinte: “Julgar procedente a excepção peremtória de caducidade do prazo para intentar a presente acção e, em consequência, absolvo os réus do pedido”;

3. O acórdão da Relação que revogou a sentença do Tribunal da Primeira Instância e, que pôs termo ao processo, como sucede no caso vertente, comporta recurso de revista nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil (doravante CPC);

4. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 674.º, n.º 1, alínea a) do CPC entendemos que houve erro na determinação da aplicação da norma aplicável ao caso vertente;

5. Em nossa opinião não é aplicável a norma constante ao artigo 34.º do Código Civil da Ucrânia, mas antes a norma constante no artigo 6.º do Código da Família da Ucrânia (doravante CFU);

6. Enquanto o artigo 34.º do Código Civil da Ucrânia prevê que a maioridade é atingida aos dezoito anos de idade, o CFU, no seu artigo 6.º, n.º 2 determina que, até aos catorze anos a criança é considerada menor o que significa, a contrario que a criança ao completar os catorze anos atinge a maioridade;

7. A norma constante do artigo 6.º do CFU, determina que a maioridade é atingida quando a criança completar catorze anos e, sendo esta a lei que regula, entre outras, a matéria respeitante à impugnação da paternidade, deve aplicar-se esta esta norma ao caso vertente;

8. Conforme resulta dos artigos 122.º, n.º 1, do CFU “Uma criança concebida e ou nascida dentro do matrimónio é filiada ao casal”;

9. Por seu turno, prevê o artigo 136.º do CFU:

“1. A pessoa que tenha sido registada como pai da criança em conformidade com os artigos 122º, 124º, 126º e 127º do presente código, tem o direito de contestar a sua afiliação paternal, movendo uma acção judicial para retirar o seu nome como pai da criança do registo de nascimento.

2. Se a ausência de relação de sangue entre a pessoa registada como sendo o pai e a criança for provada, o Tribunal tomar decisão de retirar o nome da pessoa com o pai da criança, a partir do registo nascimento da criança.

3. A afiliação paterna pode ser impugnada, mas após o nascimento da criança e a menos que a criança tenha atingido a maioridade.

4. No caso de morte criança, não é permitida a contestação de afiliação paternal.

5. A afiliação paternal não pode ser contestada pela pessoa registada como pai da criança se, após o seu registo como pai da criança ele estava plenamente consciente que não era o pai, bem como a pessoa que deu o seu consentimento para a utilização de técnicas de procriação artificial em relação à sua esposa.

6. O estatuto limitações não se aplica à alegação do homem para retirar o seu nome do registo nascimento como pai da criança.”

10. Da conjugação dos mencionados preceitos legais – artigo 122.º, n.º 1 e 136.º do CFU resulta que o marido da mãe pode impugnar a paternidade até que a criança atinja a maioridade;

11. Salvo melhor opinião, caso a maioridade fosse atingida aos dezoito anos, o legislador não teria previsto uma norma especial no CFU sobre esta matéria, conforme resulta dos números 1 e 2 do artigo 6.º do CFU, no sentido da criança, ao completar os catorze anos de idade, atinge a maioridade;

12. Deve, portanto, salvo melhor entendimento, entender-se que, as normas legais constantes do CFU são especiais em relação às normas gerais constantes do Código Civil da Ucrânia e, por conseguinte, aquelas são aplicáveis ao caso vertente.

13. À data do nascimento do Réu, BB, o Recorrido e a ora Recorrente eram casados entre si, tendo o menor sido registado como filho do Recorrente;

14. Na data em que foi proposta a presente ação, em 20.09.2016, o Réu BB tinha 16 anos de idade, ou seja, já havia caducado o prazo legal para o ora Recorrido impugnar a paternidade, visto que o Réu BB já havia completado há muito os 14 anos de idade;

15. Logo, andou bem a nosso ver, o douto Tribunal a quo, ao decidir julgar procedente a excepção peremptória de caducidade do direito invocado pelo Autor, absolvendo os réus do pedido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil”.

No seu entender, em suma:

é aplicável a norma prevista no artigo 6.º do CFU, interpretada no sentido em que a criança que completa os catorze anos de idade atinge a maioridade e, da conjugação desta norma, com as constantes do artigo 122.º e 136.º todas do CFU conclui-se que, na data em que foi proposta a presente ação (20.09.2016), o prazo legal para impugnação da paternidade já havido sido ultrapassado, em virtude do Réu BB ter, nessa data, dezasseis anos de idade, decidindo-se assim pela procedência da exceção perentória de caducidade do prazo para intentar a presente ação e absolvendo-se os Réus do pedido”.


8. Em 3.06.2022 proferiu a Exma. Desembargadora...

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