Acórdão nº 4608/04.7TDLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 28-01-2015

Data de Julgamento28 Janeiro 2015
Case OutcomeREVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO
Classe processualRECURSO PENAL
Número Acordão4608/04.7TDLSB.L2.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 4608/04.7TDLSB, do então designado 5.º Juízo Criminal, 1.ª Secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foram submetidos a julgamento:
- A arguida “AA – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.”, com sede na Travessa do …, n.º 1, 2.º, Lisboa; e
- O arguido BB, casado, nascido em 26-06-1955, na freguesia de …, concelho de Lisboa, residente na Rua …, Apartado …, Porto de Mós.

O Ministério Público deduziu acusação em 17-03-2009, conforme fls. 459 a 471, imputando aos arguidos a prática de um crime continuado de abuso de confiança qualificado em relação à Segurança Social, p. e p. pelos artigos 6.º, 7.º, n.ºs 1 e 3, 107.º, n.ºs 1 e 2, 105.º, n.ºs 1, 2, 3, 4, 5 e 7, do R.G.I.T., aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, com a redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, com referência aos artigos 11.º e 12.º (estes quanto à sociedade arguida) e artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal.
O Instituto da Segurança Social, I.P., em 8-04-2009, conforme articulado peticional de fls. 486 a 493 (antes: de fls. 476 a 483), deduziu pedido de indemnização civil, pedindo a condenação dos arguidos no pagamento da quantia de 77.110,31 €, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, calculados de acordo com a legislação especial de que beneficia a Segurança Social, constante do artigo 3.º, n.º 1, do DL n.º 73/99, de 16 de Março.
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Em 24 de Maio de 2010, declarada aberta a audiência de julgamento, de imediato foi proferido despacho pela Exma. Juíza, conhecendo, após exercício do contraditório, de questões prévias, como alteração da qualificação jurídica constante da acusação, retirando a qualificação constante do n.º 5 do artigo 105.º do RGIT e introduzindo a descriminalização da conduta, face à aplicação do artigo 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, que alterou o n.º 1 do artigo 105.º do RGIT (prestações inferiores a 7.500,00 €), em consequência, declarando extinto o procedimento criminal, e no que toca ao pedido de indemnização civil, declarou a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, terminando por dar sem efeito a realização da audiência, tudo conforme acta de audiência de discussão e julgamento de fls. 576 a 582 do 3.º volume.

Inconformados com tal despacho, interpuseram recurso o Ministério Público, conforme fls. 591 a 596 e o demandante ISS, I.P., de acordo com o texto de fls. 616 a 628 (e antes de fls. 597 a 609).
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Por acórdão da Relação de Lisboa, de 21 de Outubro de 2010, constante de fls. 642 a 653, foi julgado procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, fazendo aplicação da doutrina do “Ac. n.º 8/2010-DR n.º 186-I.s. de 23/09/2010”, revogando o despacho recorrido, determinando a substituição “por outro que, nada obstando, ordene a normal tramitação processual, agendando e realizando o julgamento, ficando, por efeito desta decisão, prejudicada a apreciação do recurso interposto pelo Instituto de Segurança Social, IP”.
Abrir-se-á aqui um parêntesis para referir que incorre em equívoco o acórdão ora recorrido quando na nota de rodapé 13, a fls. 1121 verso, afirma que o acórdão da Relação foi prolatado em data anterior ao citado acórdão de fixação de jurisprudência.

Na verdade, o AFJ n.º 8/2010, proferido no processo n.º 6463/07.6TDLSB.L1.S1-3.ª, data de 14-07-2010 e foi publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 186, de 23-09-2010, ou seja, antes daquele, tanto que a Relação faz aplicação da jurisprudência fixada, referindo votos de vencido, entre os quais o nosso (cfr. fls. 651 e verso e 652).

Volvido o processo à primeira instância, na sessão da audiência de julgamento de 13 de Abril de 2011, conforme fls. 717/721, após prestação de declarações pelo arguido, por haver necessidade de obtenção de certidão de sentença de declaração de insolvência da sociedade arguida, foi a audiência de julgamento adiada sine die, em função das necessidades de diligências para assegurar a defesa da arguida.

Por despacho regulador de 8 de Março de 2013, de fls. 811 a 814, foi declarada perdida a eficácia da prova produzida na sessão de 13-4-2011, nos termos do artigo 328.º, n.º 6, do CPP, e face à declaração de insolvência da arguida, foram tomadas medidas com vista à sanação oficiosa de irregularidades processuais, determinando a notificação do representante legal da sociedade arguida do despacho de acusação e despachos subsequentes, ficando sem efeito as datas designadas por então estarem em curso os prazos para prática de actos processuais decorrentes do saneamento efectuado, sendo a final designado para julgamento o dia 5-2-2014.

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Realizado o julgamento, em 5 de Fevereiro e 3 de Março de 2014, por sentença de 26 de Março de 2014, constante de fls. 1021 a 1059, depositada no mesmo dia, ut fls. 1062, foi decidido:
Parte Criminal

Condenar os arguidos AA - Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, e BB, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança em relação à Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 6.°, 7.°, n.º 3, 105.º, n.ºs 1, 2, 3, 4 e 7, e 107.º do R.G.I.T., aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, em conjugação com os artigos 30.°, n.º 2 e 79.°, do Código Penal, nas penas de:

- 180 dias de multa, à taxa diária de 2 €, perfazendo o total de 360 €, a que correspondem 120 dias de prisão subsidiária, nos termos previstos no art.º 49.º do Código Penal, para o arguido BB;

- 180 dias de multa, à taxa diária de 5 €, perfazendo o total de 900 € , para a sociedade arguida;

Parte Cível

Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido contra os demandados, e consequentemente, condená-los a pagar à demandante a quantia de 74.667,95€, (setenta e quatro mil seiscentos e sessenta e sete euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida dos juros vencidos e vincendos, calculados, à taxa legal prevista, respectivamente, nas Portarias n.º 263/99, de 12.04 e n.º 291/03, de 08.04 – desde a data da notificação dos demandados para contestarem o pedido de indemnização civil, até efectivo e integral pagamento.


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Não se conformando, o demandante Instituto da Segurança Social, I.P. interpôs recurso da referida decisão, restrita à questão dos juros de mora vencidos e vincendos, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 1066 a 1069 e fls. 1071 a 1074, admitido por despacho de fls. 1075., com resposta do arguido a fls. 1082/3.

Por despacho de fls. 1090, o recorrente foi convidado a apresentar conclusões, sob pena de rejeição, tendo sido apresentada nova motivação de fls. 1101 a 1106.

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Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Setembro de 2014, constante de fls.1112 a 1122, foi determinada a extinção da instância, na parte cível, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no art. 277.º, alínea e), do CPC (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06).

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Inconformado, o demandante ISS, I. P. interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls. 1141 a 1150, que remata com as seguintes conclusões:

1 - O Recorrido não aceita o entendimento sufragado no Acórdão de que Recorre no que tange à absolvição dos arguidos do pagamento do pedido de indemnização cível, correspondente a cotizações em divida e juros, deduzido pelo ISS.IP., no montante de € 74 667,95, e juros calculados nos termos do DL 73/99, de 16.03. À luz do Acórdão de que se recorre, tal condenação não se justificaria na medida em que não é admissível a apreciação da responsabilidade civil pela prática de ilícito criminal atento a situação de insolvência dos arguidos, absolvendo os arguidos do pagamento do capital e respectivos juros.

2 - Com o devido respeito, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência citado no Acórdão de que se recorre, nada tem a ver com a questão de fundo objecto do presente recurso, ou pelo menos a interpretação que se faz do mesmo é errada, e nesse sentido versa o Acórdão de fixação de Jurisprudência 1/2013.

3 - A responsabilidade civil emergente para os demandados cíveis deriva, tem sua causa pretendi (SIC), na prática de um facto penalmente ilícito.

4 - Fundando-se o pedido de indemnização na prática de crime, teria de ser deduzido por dependência da acção penal, como decorre do princípio da adesão estabelecido no art° 71 do CPP.

5 - Pelo que o Recorrente, ora demandante Cível, sempre teria que lançar mão do enxerto cível, obtendo uma sentença condenatória que responsabilize solidariamente, a Sociedade Arguida e seu Administrador, pelo pagamento das mesmas prestações, o demandante pode accioná-lo imediatamente e a título principal e executar desde lodo o seu património individual

6 - Mais, o facto do arguido, Administrador da Sociedade ter sido declarado insolvente, no âmbito de um processo de insolvência não é impeditivo por todo o vertido da procedência do pedido cível contra ele deduzido no processo criminal nem seria determinativo de condenação condicional, pois a qualificação como crime do acto do agente confere uma substancial especificidade à causa de pedir do enxerto cível, o facto jurídico concreto que a enforma não se identifica com o mero incumprimento de uma obrigação fiscal, mas com o incumprimento portador dos elementos objectivo-subjectivos do crime de Abuso de Confiança contra a Segurança Social.

7 - A qualificação como crime do acto do agente, que não cumprindo a obrigação da entrega à Segurança Social dos valores apurados e efectivamente percebidos, desvia e passa a agir uti dominus relativamente ao que recebera uti alieno, confere uma substancial especificidade à causa de pedir do enxerto cível: o facto jurídico concreto que enforma, não se identifica com o mero incumprimento de uma obrigação fiscal, antes com o incumprimento enquanto portador dos elementos objectivo-subjectivos de um determinado tipo-do-ilícito, o abuso de confiança...

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