Acórdão nº 46/16.7YFLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 13-07-2016
Data de Julgamento | 13 Julho 2016 |
Case Outcome | INDEFERIDO |
Classe processual | HABEAS CORPUS |
Número Acordão | 46/16.7YFLSB.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
O cidadão nacional AA, recluso no Estabelecimento Prisional do …, em cumprimento de pena à ordem do processo n.º 33/04.8TCPRT da Instância Central - ...ª Secção Criminal da Comarca do ..., não se conformando com a situação privativa da liberdade em que se encontra, em petição manuscrita vem requerer a providência de “Habeas Corpus” ao abrigo do artigo 222.°, n.º 2, alínea c), do CPP, nos termos e seguintes fundamentos (em transcrição integral):
“A al. c do artº. 222 do C.P.P., proíbe expressamente a prisão além dos prazos estabelecidos por lei.
No presente caso, o peticionante ora requerente atingiu os 5/6 da pena em 28/01/2015 no âmbito do Proc. Nº 33/04.8TCPRT da 4.ª Vara Criminal do Porto, havendo por tal motivo a obrigação legal de conceder a liberdade condicional, consagrada no n.º 4 do artº 61 do C. Penal.
O que não sucedeu efectivamente, levando a efeitos a prisão ilegal, por desrespeito pelas normas vigentes e com aplicação em processo penal.
Com efeito, o legislador ao criar o nº 4 do art.º 61 do C. Penal, não deixou margem de dúvidas que o condenado a pena de prisão superior a 6 anos – “é colocado em liberdade condicional obrigatória logo que atingidos os 5/6 do cumprimento”.
O único requesito prévio é o decurso do tempo e o consentimento do condenado.
De salientar, que o facto de existir outra pena a cumprir resulta de a pena resultante da revogação da liberdade condicional não entrar no cúmulo jurídico e ter de ser cumprida autonamente, isto é não entra na pena única aplicada em outros processos que existiram obrigatoriamente.
Note-se que o legislador já havia deixado claro que a pena a cumprir em resultado da revogação da L.C. não é uma nova pena, mas a execução da parcela da pena inicial que não foi cumprida por força da L.C., com efeito, o art.º 486, n.º 1, manda que os períodos de privação da liberdade sejam descontados por inteiro no cumprimento da pena de prisão.
Segundo o Prof. Figueiredo Dias – Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Notícias Editorial, pág. 297, “o intituto do desconto, regulado nos arts. 80.º a 82.º, assenta na ideia básica segundo a qual privações de liberdade de qualquer tipo que o agente tenha sofrido em razão do facto ou dos factos que integrem ou deveriam integrar o objecto de um processo penal, devem, por imperativos de justiça material, ser imputados ou descontados na pena a que, naquele processo, o agente venha a ser condenado.”
Termos em que sua Ex.ª, provirá a presente providência e considerará que o peticionante já cumpriu os 5/6 da pena do proc. n.º 33/04.8TCPRT em 28/01/2015, havendo por tal de ser concedida a L.C. obrigatória a que se refere o n.º 4 do art.º 61 do C.P.
Existindo uma outra pena por cumprir, o peticionante ficará em situação de prisão referente a esse processo, sendo desligado do proc. 33/04.8TCPRT com efeitos desde 28/01/2015, que é a data relevante para a concessão obrigatória, consignada no n.º 4 do art.º 61.º do C.P.
Os 5/6 da pena é um prazo legal do cumprimento de pena de prisão superior a 6 anos, entre outros.
Assim decidiu a jurisprudência do proc. 3/2006 do S.T.J. e defendo a mesma posição”.
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A Exma. Juíza da Instância Central – 1.ª Secção Criminal - J3 da Comarca do Porto exarou a informação a que alude o artigo 223.º, n.º 1, do CPP, a fls. 51/2 dos presentes autos, nestes termos:
“AA, arguido no âmbito dos autos de Processo Comum nº 33/04.8TCPRT desta 1a Secção Criminal/J3 da Instancia Central da Comarca do Porto, vem nos termos e ao abrigo do disposto no art 222, nº 1 do Código de Processo Penal, requerer a sua imediata libertação por considerar que já deveria ter sido ordenada a respectiva libertação face ao tempo de prisão já sofrida.
Vistos os termos precisos do acórdão proferido naqueles autos -um acórdão cumulatório - verificamos que são elencados os processos-crime cujas penas parcelares o Tribunal Colectivo entendeu estarem em concurso, nos termos considerados no art. 78º do Código Penal e bem assim, depois da consideração dos factos pessoais relativos à pessoa do arguido, foi cominado na pena única de 12 anos de prisão e 100 dias de multa à taxa diária de €3,00 ou na prisão subsidiária de 66 dias.
Tal acórdão veio a transitar em julgado a 13/10/2004 e liquidada a pena nos termos do despacho de fls. 407, que homologou a promoção de fls. 406, tendo o arguido sido ligado e colocado a cumprir a pena aplicada nestes autos a partir de 28/09/2004, conforme decorre de fls. 414v.
Liquidada a multa em que o arguido foi condenado, veio o mesmo a proceder ao respectivo pagamento, como decorre de fls. 451.
Por mandado datado de 22/09/2008 foi ao arguido concedida liberdade condicional referente à condenação sofrida no âmbito dos presentes autos, segundo as condições que se acham vertidas na decisão de fls 465 e seguintes.
Atentos os motivos constantes da decisão de fls. 489 e seguintes foi instaurado incidente de revogação de liberdade condicional ao arguido, no âmbito do qual foi ordenada a execução pelo mesmo da pena privativa de liberdade não cumprida que lhe havia sido aplicada estes autos, decisão esta datada de 14/11/2012, tudo conforme se acha na informação e liquidação de pena adicional de fls. 496, que veio a ser homologada por despacho de fls. 497, que transitou em julgado.
Com vista ao cumprimento da decisão proferida no dito incidente de revogação de liberdade condicional e cumprindo os ditames da liquidação de pena a que alude a promoção de fls. 496 que foi homologada por despacho de fls. 497, veio o arguido a ser colocado a cumprir a pena remanescente a partir de 18/02/2013, vindo, na sequencia, a ser levada a efeito nova liquidação de pena, que foi homologada a fls. 523.
Por tal, tendo em consideração todos os factos aludidos, entendemos que o arguido AA não cumpriu, na íntegra, o remanescente da pena de 3 anos, 11 meses e 11 dias de prisão que lhe faltava cumprir quando foi revogada a liberdade condicional que lhe havia sido concedida”.
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Os autos foram instruídos com os elementos indicados pela Exma. Juíza, como certidão do acórdão cumulatório, decisão de concessão de liberdade condicional de 22-09-2008, decisão de incidente de incumprimento de liberdade condicional, de 14-11-2012, revogando a liberdade condicional, promoção relativa a cômputo de execução de pena de 10-11-2004 e despacho de 11-11-2004, a homologar tal cômputo, promoção de liquidação do remanescente de 7-01-2013 e homologação de 9-01-2013, nova liquidação, com promoção de 25-02-2013 e homologação de 27-02-2013 e decisão proferida no 1.º Juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto de 15-03-2013 (processo n.º 710/12.0TXPRT-B).
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Convocada a Secção Criminal e notificado o Ministério Público e o Defensor, teve lugar a audiência.
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Cumpre apreciar e decidir.
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Constam dos autos – documentos juntos e teor da informação prestada – os seguintes elementos fácticos que interessam para a decisão da providência requerida:
I – Por acórdão proferido no processo comum colectivo n.º 102/2004=33/04.8TCPRT, da então 4.ª Vara Criminal do Porto, datado de 28-09-2004, transitado em julgado em 13-10-2004, foi realizado cúmulo jurídico de penas aplicadas em quatro processos, sendo fixada a pena única de 12 anos de prisão e 100 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, ou na prisão subsidiária de 66 dias. [A multa foi paga].
II – O arguido encontrava-se detido, ininterruptamente, desde 4 de Setembro de 2000, à ordem de um dos processos englobados no cúmulo, o processo n.º 1684/00.5PAVNG, tendo sido desligado deste processo para ficar à ordem do processo n.º 33/04.8TCPRT, em virtude do cúmulo jurídico, assim ficando desde 28-09-2004.
III – Na liquidação da pena homologada em 11-11-2004 ficou a constar:
Meio da pena: Ocorrerá a 3-09-2006; os 2/3, a 03-09-2008; os 5/6 a 3-09-2010 e fim da pena em 3-09-2012.
IV – Por sentença proferida a 22-09-2008 pelo 1.º Juízo do TEP do Porto no processo gracioso de liberdade condicional n.º 623/02.3TXPRT, o ora peticionante foi colocado em liberdade condicional em sede de dois terços de pena, durante o período de tempo decorrente até 03-09-2012.
V – O arguido foi libertado no dia 22-09-2008.
VI – Por acórdão proferido no processo n.º 17/11.0PFGDM, da 3.ª Vara Criminal do Porto, por factos cometidos em 12 de Maio de 2011, foi o peticionante condenado por prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado pela reincidência, na pena de 6 anos de prisão.
VII – No incidente de incumprimento da liberdade condicional concedida ao arguido - processo n.º 710/12.0TXPRT-C - foi proferida decisão em 14-11-2012 a revogar a liberdade condicional aplicada em 22-09-2008, sendo determinada a execução da pena de prisão ainda não cumprida no processo n.º 33/04.8TCPRT.
VIII – O arguido foi desligado do processo n.º 17/11.0PFGDM da 3.ª Vara Criminal do Porto e colocado à ordem do processo n.º 33/04.8TCPRT em 18-02-2013.
IX – Restavam cumprir 3 anos, 11 meses e 11 dias de prisão da pena em que foi condenado no processo n.º 33/04.8TCPRT.
X – Procedeu-se a nova liquidação em 25-02-2013, homologada em 27-02-2013, considerando que entre os dias 23-09-2008 e 17-02-2013 decorreram 4 anos, 4 meses e 25 dias a adicionar aos prazos anteriormente fixados, relativos ao 5/6 e fim da pena, estabelecendo:
Os 5/6 da pena ocorrerão em 28-01-2015; e termina o cumprimento da pena em 28-01-2017.
XI – Na decisão proferida no 1.º Juízo do TEP do Porto em 15-03-2013 (processo n.º 710/12.0TXPRT-B), foi considerado que a pena em execução por força da revogação da liberdade condicional e a pena da nova condenação são alvo de tratamento separado (ou autónomo), o que configura uma situação distinta do cumprimento sucessivo de penas tratado nos n.º 1 a 3 do artigo 63.º do Código Penal, previsto para os casos de sucessão de penas em que a execução...
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