Acórdão nº 4583/21.3T8VNF-B.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 26-10-2022
Data de Julgamento | 26 Outubro 2022 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA. |
Classe processual | REVISTA (COMÉRCIO) |
Número Acordão | 4583/21.3T8VNF-B.G1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Processo: 4583/21.3T8VNF-B.G1.S1
6.ª Secção
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I – Relatório
AA, residente na rua ..., ..., ..., intentou, na Instância Central da Comarca de Braga, mais exatamente na Seção Especializada do Juízo de Comércio ..., ação declarativa contra Seara, SA, com sede na rua ..., ..., ..., ..., pedindo que:
a) Seja declarada a invalidade da deliberação social tomada na assembleia de 15 de julho de 2021 e, em consequência, ordenado o cancelamento da respetiva inscrição na Conservatória do Registo Comercial;
b) Sem prescindir, caso assim não se entenda, deverá ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia global de € 435.266,24, a título de indemnização em virtude da inexistência de justa causa para a destituição, nos termos do n.º 5 do artigo 403º CSC.
Alegou (no que interessa para o objeto da presente revista) que, caso a deliberação social impugnada (que o destitui de vogal do Conselho de Administração da R.) não seja declarada inválida, inexiste qualquer justa causa para a sua destituição, razão por que lhe assiste e formulou, subsidiariamente, o pedido indemnizatório de € 435.266,24.
A R. contestou, articulado em que pugnou pela validade da deliberação tomada na AG de 15 de julho de 2021 e em que, sem prejuízo de invocar a incompetência material dos Juízos de Comércio, sustentou existir justa causa na destituição do A., não havendo por isso lugar a qualquer indemnização.
Finda a fase dos articulados, foi realizada audiência prévia, na qual as partes foram notificadas de que o Tribunal pretendia conhecer, de imediato, da exceção de incompetência material dos Juízos do Comércio para conhecer do pedido de indemnização formulado.
Nesse seguimento, foi proferido, em 13/12/2021, despacho saneador que conheceu de tal questão da incompetência em razão da matéria, tendo sido proferida a seguinte decisão:
“ (…) com os fundamentos expostos, julgo procedente, por provada, a ajuizada exceção da cumulação ilegal de pedidos decorrente da incompetência em razão da matéria deste Juízo do Comércio para conhecer do pedido subsidiário relativo à destituição com/sem justa causa do Autor e ao apuramento e fixação de indemnização a que alude o artigo 257.º do CSC e, em consequência, absolvo da instância, quanto a ele, a Ré”[1] .
Não se conformando com tal decisão[2], apresentou o A. recurso de apelação, tendo a Relação de Guimarães, por acórdão de 05/05/2022, revogado a decisão recorrida na parte em que julgou verificada a incompetência em razão da matéria do Juízo de Comércio para apreciar o pedido subsidiário – de condenação da Ré a pagar ao A. a quantia global de € 435.266,24, a título de indemnização em virtude da inexistência de justa causa para a destituição, nos termos do n.º 5 do artigo 403º CSC – que se substituiu por outra que julgou competente o Juízo de Comércio para apreciar o referido pedido subsidiário e em consequência determina-se o prosseguimento dos autos quanto ao mesmo[3].
Agora inconformada a R., interpõe o presente recurso de revista, visando a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que julgue procedente a exceção de incompetência em razão da matéria do Juízo de Comércio ... para conhecer do pedido subsidiário de indemnização por destituição do recorrido, assim se repristinando o decidido na sentença da 1.ª Instância.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso recai sobre a decisão vertida na alínea a) do trecho decisório do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, que revogou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e que substituiu por outra que julga o Juízo de Comércio competente para apreciar o pedido subsidiário de indemnização em virtude de (alegada) destituição sem causa do Recorrido e, em consequência, determina o prosseguimento dos autos quanto ao mesmo.
B. O presente recurso de revista deve ser admitido ao abrigo dos artigos 629º, n.º 2, alínea a), e 671º, n.º 2, alínea a), ambos do CPC.
C. O Tribunal a quo afastou erradamente e por equívoco a exceção de incompetência material do Juízo de Comércio, interpretando erradamente o art. 128.º da LOSJ e não mobilizando os cânones interpretativos postulados pelo art. 9.º do CC para a interpretação desta norma, que assim vai violado, ele próprio mal interpretado e aplicado.
D. O Tribunal a quo principia a sua interpretação partindo do elemento histórico da norma – e não do elemento literal, como dita o art. 9.º do CC – e interpreta este elemento erradamente e como se do único elemento interpretativo mobilizável se tratasse.
E. A Proposta de Lei n.º 182/VII/3, que originou a Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro (LOFTJ), ao referir que os tribunais de comércio passam a ser competentes “para as ações relativas ao contencioso das sociedades comerciais” não pretendia imputar o “contencioso das sociedades comerciais” à previsão normativa relativa às “ações relativas ao exercício de direitos sociais”.
F. Com efeito, e conforme melhor e mais pormenorizadamente desenvolvido no corpo das alegações, tanto no art. 89.º da LOFTJ como no atual art. 128.º da LOSJ são incluídos na competência dos tribunais de comércio vários tipo de ações relacionados com o contencioso das sociedades comerciais, mas que não se subsumem na previsão de exercício de direitos sociais (a saber, o previsto nos art. 89.º, n.º 1, al. b), d) e e) da LOFTJ e art. 128.º, n.º1, al. b), d), e), f) e g) da LOSJ).
G. Assim, o Tribunal a quo interpretou erradamente o elemento histórico (e, simultaneamente, o elemento sistemático) da norma, porquanto o legislador, quando se referia ao “contencioso das sociedades comerciais” referia-se a todas as ações previstas no art. 89.º da LOFTJ (e, bem assim, hoje, no art. 128.º da LOSJ) e não apenas às ações de exercício de direitos sociais. Por este motivo, a atribuição de competência aos Juízos de Comércio para conhecer de ações relativas ao exercício de direitos sociais não pode ser lida como uma cláusula de atribuição de competência material geral relativa às sociedades comerciais (contrariamente ao que entende o Tribunal recorrido).
H. Quanto ao elemento teleológico da norma, é necessário ter em consideração que o legislador não pretendeu que os juízos de comércio passassem a conhecer de todo o contencioso das sociedades comerciais, mas apenas das ações discriminadas no art. 128.º da LOSJ (anterior art. 89.º da ROFTJ), enquanto norma especial de atribuição de competência.
I. Os juízos de competência especializada apenas detêm competência para conhecer das matérias fixadas (no caso, das matérias previstas no art. 128.º da LOSJ e, anteriormente, no art. 89.º da LOFTJ).
J. O Tribunal a quo, ao invés de partir do elemento literal da norma (como prescreve o art. 9.º do CC), baseou-seno seu elemento histórico. Este errado ponto departida determinou que toda a operação interpretativa levada a cabo tenha conduzido a resultados contrários à lei.
K. O conceito de “direitos sociais” constitui, simultaneamente, o ponto de partida da interpretação a realizar e o seu limite, devendo existir correspondência entre o pensamento legislativo e a letra da lei.
L. Ora, os direitos sociais são todos aqueles que os sócios de uma determinada sociedade têm pelo facto de o serem, enquanto titulares dessa mesma qualidade jurídica, dirigidos à proteção dos seus interesses sociais, ou seja, são direitos que nascem na esfera jurídica do sócio, enquanto tal, por força do contrato de sociedade, baseados nessa particular titularidade. Encontram-se excluídos do conceito todos aqueles direitos que os sócios são igualmente titulares, independentemente da sua qualidade de sócios, aqueles em que essa qualidade não releva para o exercício do direito.
M. No caso que nos ocupa, e analisando o pedido subsidiário formulado pelo Recorrido, verifica-se que este visa, apenas e tão-só, o arbitramento de uma indemnização pelos danos sofridos originados pela destituição (no seu entendimento) sem justa causa para o efeito, não colocando em causa a deliberação tomada.
N. O pedido de arbitramento de uma indemnização por força da destituição de administrador não constitui o exercício de um direito social (dado que este pedido em nada se relaciona com o estatuto de sócio, nascendo independentemente da posição social do administrador destituído), mas sim um direito de crédito.
O. A indemnização peticionada é independente do estatuto de sócio e trata-se de um direito de crédito, extrassocial, para o conhecimento da qual não são competentes os Juízos deComércio, mas sim os tribunais cíveis (art. 128.º, n. 1, al. d), daLOSJ, a contrario).
P. Assim sendo, atentando no modo como o ora Recorrido configurou a relação material controvertida subjacente ao pedido subsidiário formulado (não colocando em causa, neste pedido, a validade da deliberação), e atenta a matéria peticionada (eventual indemnização por responsabilidade civil da sociedade), conclui-se pela incompetência absoluta do Juízo do Comércio para dirimir a dita questão.
Q. A interpretação do art. 128.º, n.º 1, al. c), da LOSJ, de acordo com os cânones previstos no art. 9.º do CC, determina, assim, que o Juízo de Comércio ... deva ser declarado incompetente para conhecer do pedido subsidiário de indemnização por destituição do Recorrido, na medida em que não está em causa o exercício de um direito social e, portanto, tal ação não compete ao Juízo de Comércio, e, bem assim, deve ser revogado o Acórdão proferido quanto a esta decisão – o que expressamente se requer.
O A. respondeu, sustentando, em síntese, que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.
Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
II. Fundamentação de facto
II – A – Os elementos factuais relevantes são os que já constam/resultam do relatório.
II – B – Fundamentação de Direito
A única questão a que importa dar...
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