Acórdão nº 4564/17.1T8CBR-B.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 05-11-2019

Judgment Date05 November 2019
Acordao Number4564/17.1T8CBR-B.C1
Year2019
CourtCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)















Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A (…) já identificada nos autos, intentou, em 21 de Agosto de 2018, a presente acção de alteração das responsabilidades parentais, contra V (…) relativamente à filha de ambos, J (…), também, já identificados nos autos.

Alega para tal que a J(…) nasceu no dia 21 de Junho de 2015, sempre tendo vivido com os progenitores e com um filho da requerente, de nome T (…), com 8 anos de idade.

Mais alega que requerente e requerido, acordaram em fixar o regime de responsabilidades parentais, homologado por sentença de 13 de Julho de 2008, nos termos do qual a J (…) passaria a viver em Inglaterra com o pai, a partir do início do mês de Setembro de 2018.

No entanto, segundo refere, após a celebração deste acordo, a requerente “não se conseguindo conformar com a ideia de ver a filha ir embora” (cf. artigo 5.º), veio a deparar-se com “problemas que não representou quando celebrou aquele acordo, e apercebeu-se que o regime homologado não só não acautela os superiores interesses da menor, como é susceptível de despoletar traumas irreparáveis na pessoa menor Juliana” (cf. artigo 7.º).

Mais refere que toda a família da menor e seus amigos se encontram em Portugal, com excepção do pai, tendo a mesma frequentado a creche em Portugal durante cerca de um ano, aqui estando integrada.

Em face do que requer que se determine que a menor passe a residir a mãe, ora requerente e que passe o regime de visitas aí estipulado a ser praticado pelo pai.

Teve lugar conferência de pais (cf. acta de fl.s 31/33), em que cada um dos progenitores manteve o seu ponto de vista, não acordando quanto ao requerido, tendo-se determinado a realização de audição técnica especializada dos progenitores, a efectuar por técnicos do ISS.

Mais se decidiu que existindo regime fixado, com um mês de vigência, não se determinou nenhuma alteração, quanto a tal.

Junta a Informação da determinada Audição (cf. fl.s 86 a 88) e depois da entrada de requerimentos com vista à visita da menor a Portugal e regresso da mesma a Inglaterra, depois do Natal de 2018, para o que teve lugar a conferência retratada na acta de fl.s 108/9, teve lugar nova conferência de pais (cf. acta de fl.s 120/1), no decurso da qual, os progenitores da J(…), não acordaram quanto ao requerido, em face do que foram os mesmos notificados para apresentarem alegações e juntarem prova.

Após o que – e no que ao presente recurso interessa – o requerido, V (…), veio arguir a incompetência internacional do Tribunal a quo para conhecer do pedido formulado nestes autos, com o fundamento em que o regresso da menor a Inglaterra, foi resultado do acordo de ambos os progenitores e homologado, nos termos acima expostos, em 13 de Julho de 2018, residindo a menor em Inglaterra, pelo que, nos termos do disposto no artigo 8.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, serão competentes os tribunais ingleses.

Respondendo, a requerente, A (…), alega que quando foram intentados os presentes autos, em 21 de Agosto de 2018, a menor ainda residia consigo, pelo que defende a competência do Tribunal a quo, para o conhecimento dos mesmos, cf. artigo 9.º, n.º 1, do RGCP e 8.º, n.º 1 do citado Regulamento (CE).

O MP (cf. fl.s 173), promoveu se julgasse improcedente a referida excepção, com o fundamento em que, aquando da instauração dos presentes autos, a menor ainda se encontrava a residir em Portugal.

Conforme despacho de fl.s 174/5, a M.ma Juiz, notificou as partes para que se pronunciassem acerca da referida excepção, à luz do disposto nos artigos 2.º, 10.º e 11.º do citado Regulamento, uma vez que o apenso A, foi instaurado ao abrigo da Convenção de Haia, de 25 de Outubro de 1980, Sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças.

Na sequência do que o requerido (cf. fl.s 177/181), defendeu a aplicação destes preceitos, atenta a deslocação ilícita da menor de Inglaterra para Portugal, perpetrada pela requerente, reforçando-se a competência dos tribunais ingleses.

Por seu turno, a requerente (cf. 182 a 185 v.º), defende a competência dos tribunais portugueses, porque a menor residiu cerca de um ano em Portugal, tendo vindo a ser acordada a regulação das responsabilidades parentais, convencionando-se que a menor regressaria a Inglaterra em Setembro de 2018, pelo que o tribunal a quo está mais próximo da menor e, por isso, mais habilitado a decidir a questão em apreço, visando o requerido afastar a mãe da sua filha.

Aberta vista ao MP, este (cf. promoção de fl.s 188), defendeu a incompetência dos tribunais portugueses, com o fundamento em que a menor não viveu sempre em Portugal e aquando da instauração da alteração das responsabilidades parentais, se encontrava em Portugal sem autorização do pai, pelo que a competência pertence aos tribunais ingleses, cf. artigo 8.º, n.º 2, do Regulamento (CE) 2201/2003.

Conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, foi proferida a decisão de fl.s 189 a 192 (aqui recorrida), que se passa a transcrever:

Na sequência do despacho que antecede, importa apreciar a competência deste Tribunal à luz da situação concreta da J (…) em particular a sua deslocação ilícita para Portugal.

O requerido e o Ex.mo Magistrado do Ministério Público pronunciaram-se no sentido da incompetência internacional deste Tribunal, nos termos do despacho anteriormente proferido.

A requerente pugnou pela competência deste Tribunal alegando, em apertada síntese, que a J (…) permaneceu mais de um ano em Portugal ao abrigo de uma decisão que fixou provisoriamente a sua residência neste país, pelo que, no momento em que a presente alteração foi proposta, a menina residia em Portugal há mais de um ano; e que não tem recursos linguísticos nem financeiros para litigar em Inglaterra, não podendo defender o superior interesse da filha nesse país.

Apreciando.

Retomando o despacho de 2 de maio de 2019, importa atender aos elementos factuais e jurídicos que a seguir se enunciam.

O artigo 8.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro dispõe o seguinte:

(…)

E o artigo 10.º tem o seguinte conteúdo:

(…)

O processo tutelar comum designado por apenso A foi instaurado ao abrigo da Convenção Sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças concluída em Haia em 25 de outubro de 1980 e dos artigos 2.º, 10.º e 11.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, na sequência da notícia da deslocação ilícita da menina com a progenitora da sua residência habitual, no Reino Unido, para Portugal, em 23 de maio de 2017, tendo o pai formulado pedido de regresso da menor a 30 de maio de 2017.

O facto de ter sido fixada provisoriamente a residência da menor com a mãe em Portugal (em 26 de junho de 2017) não altera a natureza da deslocação da J(…) para Portugal, ou seja, pese embora a residência tenha sido fixada provisoriamente com a mãe em Portugal, mantém-se o carácter ilícito da deslocação de Inglaterra para Portugal.

Os pais chegaram a acordo no apenso A, no sentido de a menor regressar a Inglaterra para junto do pai.

Resumindo, a deslocação da J(…) de Inglaterra e retenção da J(…) em Portugal são consideradas ilícitas ao abrigo da mencionada convenção; a criança esteve a residir em Portugal por mais de um ano, porém foi apresentado pedido de regresso pelo pai às autoridades inglesas 7 dias depois de a menina ter saído com a mãe para Portugal, pelo que, aplicando o artigo 10.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, a competência para apreciar a alteração da regulação das responsabilidades parentais pretendida pela mãe continua a ser dos tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, ou seja, dos Tribunais do Reino Unido.

A incompetência internacional constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso e suscitável a todo o tempo enquanto não houver sentença com trânsito em julgado (artigos 96.º, a), e 97.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Face ao exposto e com os fundamentos invocados, julgo este Juízo de Família e Menores internacionalmente incompetente e, consequentemente e ao abrigo do disposto nos artigos 96.º, al. a), e 99.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, absolvo o requerido da instância.

Custas pela requerente (artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).”.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a requerente A (…), recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fl.s 259), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1) Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou o Juízo de Família e Menores de Coimbra, Juiz 1, internacionalmente incompetente para conhecer da acção de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais da menor J (…), e, consequentemente, ao abrigo do disposto nos artigos 96.º, al. a), e 99.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, absolveu o requerido da instância.

2) A recorrente não se conforma com a decisão recorrida porque não acautela os interesses da menor J (…), deixa esta criança portuguesa à mercê da justiça de outro país, à qual a mãe da menor não tem acesso pelas razões esplanadas nos autos e que infra se aduzirão.

3) Por outro lado, esta decisão é violadora dos mais elementares princípios normativos e constitucionais, bem como convencionais do direito da criança! É flagrante e incompreensivelmente violado o princípio do superior interesse da criança!

4) É vedado à requerente, ora recorrente, e também à menor J(…) o direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (cfr. arts. 2.º, 18.º e 20.º da CRP).

5) A sentença padece erro de julgamento, pois o tribunal português é internacionalmente competente para conhecer da presente acção, conforme lograremos demonstrar.

6) Esta acção de alteração da regulação de responsabilidades parentais (Apenso B) foi proposta no...

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