Acórdão nº 4535/22.9T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 04-07-2024

Data de Julgamento04 Julho 2024
Número Acordão4535/22.9T8VNG.P1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 4525/22.9T8VNG.P1
(Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 3)

Relatora: Isabel Rebelo Ferreira
1ª Adjunta: Ana Vieira
2º Adjunto: Ernesto Nascimento
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I AA intentou, no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, acção declarativa, com processo comum, contra BB e marido, CC, indicando como valor da acção o de € 30.000,01 e pedindo a condenação destes:
a) a reconhecer o direito de propriedade da A. sob o prédio urbano sito na Rua ..., inscrito na matriz predial sob o nº ..., descrito no artigo 2º da petição inicial;
b) a restituir à A. a parte do prédio que ocupam, livre de pessoas e bens;
c) a pagar à A. uma quantia nunca inferior a € 15.000,00, a título de compensação pelo uso sistemático que fazem do imóvel.
Citados os RR., os mesmos não apresentaram contestação, não constituíram mandatário, nem intervieram por qualquer outra forma no processo.
Em 24/02/2023 foi proferido o seguinte despacho:
«Face à manifesta simplicidade do processo, dispensa-se o cumprimento do disposto no art. 567.º, n.º 2, do Código de Processo Civil».
E logo de seguida, no mesmo acto, foi proferida sentença, na qual se referiu, tabelarmente, que “regularmente citados os Réus não contestaram” e se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:
“a) Declara-se a Autora dona e legítima proprietária do prédio urbano sito em ..., descrito na Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ... e inscrito na matriz rústica sob o artigo ....
b) Condena-se os Réus a restituírem à Autora o referido prédio, livre de pessoas e bens;
c) Absolve-se os Réus do demais peticionado”.
Fixou-se ainda o valor da acção em € 49.810,00.
Desta decisão vieram os RR. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões (!!), que se transcrevem:
«A.- O douto DESPACHO SANEADOR-SENTENÇA tem necessariamente que revogar-se pois consubstancia a única solução que consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso "sub judice", das normas legais e dos princípios jurídicos competentes que melhor infra se expõe.
B.- Ao contrário do dado por provado na sentença aqui em crise o Tribunal a quo violou vários preceitos legais, sendo injustas e impertinentes a argumentação e as considerações em que se baseia,
C.- Por um lado, porquanto decorre directamente do texto do Saneador – mais concretamente do facto dado por provado em 1, contradição insanável que evidencia desde logo que não foram chamados à acção todos os interessados aqui proprietários confinantes pertencentes à massa da Herança e melhor identificados na referenciada escritura de partilha, donde foi o prédio aqui em desiderato desanexado, pelo que, sempre se dirá que há desde logo uma ilegitimidade passiva nos termos e para os efeitos do art.º 28.º e 33.º do CPC – no qual até para efeito de caso julgado sempre deveriam ter sido chamados à acção.
D.- Do DESPACHO SANEADOR-SENTENÇA foram dados como provados os seguintes factos:
(…)
E- Salvo o devido respeito por melhor opinião, os Recorrentes não vislumbram relevância nos argumentos aduzidos pela Exma. Senhora Juiz a quo na sua douta fundamentação, em clara violação do art.º 607.º, n.º 4 e 5, 608.º do CPC, bem como, omitiu pronúncia sobre questões que devia apreciar e em que os fundamentos de facto e de direito invocados estão em oposição com a prova carreada nos autos, que, por inerência de violação por parte do Julgador de regras de direito probatório material, impunham decisão diversa, e que como tal inquinam o processado, padecendo o douto despacho saneador sentença de nulidade, nos termos do art.º 615.º, n.º 1 alíneas c), d) e e) do CPC.
F- Por um lado, porque há lugar a nulidade de citação dos aqui RRs, levada a cabo pela secretaria, sem menção e junção dos elementos obrigatórios, vertidos no art.º 226. e 227. n.º 2 do CPC, induzindo os aqui Recorrentes que não era obrigatório a constituição de mandatário, em causa em que é obrigatória a sua constituição, não efectuando cominação de condenação, proibindo e coarctando o direito dos aqui Recorrentes em promover a sua defesa.
G.- Não houve lugar à discussão de matéria de facto e de direito que permitiriam a normal e justa composição do litígio, havendo manifesto excesso de pronúncia, quando não há cumprimento da verificação de nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa, e que o sejam de conhecimento oficioso, como sejam a nulidade de citação, a ausência de constituição de mandatário em acção cuja intervenção o obriga, a ilegitimidade passiva dos mais interessados na relação controvertida quando pela própria natureza da relação jurídica seja necessária para a decisão obter o seu efeito útil normal por preterição de litisconsórcio necessário passivo, que decorre directamente do facto dado por provado em 1. e, bem assim, pelos documentos autênticos juntos pela Autora sob doc. n.º 1 e 7, que infirmam tal relação e da qual resulta que beneficia a A. e os mais interessados da presunção de registo de propriedade e cujo conhecimento sempre se imporia no Saneamento do Despacho Saneador Sentença, em clara violação do Art.º 6.º, n.º 2 do CPC,
H.- Por outro lado, foi proferido Saneador sentença, sem que tenham sido prescritas todas as formalidades legais para que os RRs. pudessem estar em juízo que prejudicam de forma intolerável a defesa dos mesmos, e sem que o Tribunal dispusesse de elementos cabais para aferir motivação da matéria de facto dada por provada, muito menos pudesse dar por provado em caso de revelia absoluta com recurso à confissão ficta, nos termos do art.º 567.º, n.º 1 do CPC sobretudo face ao facto de que tais factos só poderiam ser provados por documento escrito nos termos e para os efeitos do art.º 568.º alínea d) do CPC e que pertencem à documentação carreada nos presentes autos pela própria Autora.
I.- E, nessa medida, foram impedidos os Recorrentes, de exercer o seu direito à defesa e contraditório, não lhes tendo sido admitido até à presente data de participar no processo, bem como, requerer todas as diligências probatórias adicionais necessárias à justa composição do litígio.
J.- E, em consequência, ao não admitir as partes a fazê-lo, estamos perante violação do contraditório legal e constitucionalmente consagrado, tendo sido proferida decisão final com preterição de tal princípio, violando dessa forma os mais elementares direitos constitucionalmente consagrados, com sentido e alcance constitucionais por violação dos princípios e das normas contidas nos art.ºs 2.º, 20.º, n.º 1, 4 e 5, e 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
L.- Pois que, não foi realizada a prova requerida pelas partes e não foi admitida aos Recorrentes o exercício do contraditório, nem a realização de prova cabal, em clara violação do estipulado no art.ºs 2.º, 3.º, n.º 3, 4.º, 5.º, 6.º, n.º 2, 28.º, 33.º, 226.º ex vi 278.º, n.º 1 alíneas c) e d), 547.º, 566.º, n.º 1 do CPC, violando dessa forma os mais elementares direitos constitucionalmente consagrados, com sentido e alcance constitucionais por violação dos princípios e das normas contidas nos art.ºs 2.º, 20.º, n.º 1, 4 e 5, e 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e a proibição das decisões surpresa.
M.- Ferindo de nulidade o despacho saneador sentença por excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do art.º 615.º, n.º 1 alínea d) do CPC
N.- Ora o artigo 227.º, n.º 2 do CPC, estipula que no acto de citação, indica-se ainda ao destinatário o prazo dentro do qual pode oferecer defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia.
O.- Situação essa que como decorre da simples leitura da citação remetida e aqui junta sob doc. n.º 1, não foram cumpridas e dela não constam, pelo contrário a informação contida na citação produzida pela secretaria induz em erro os citandos, aqui Recorrentes.
P.- Veja-se que compulsada a citação levada a cabo pela secretaria aos aqui RRs que aqui se anexa sob doc. n.º 1, decorre directamente a informação contrária:
“Pode procurar o apoio de um/uma advogado/a
Pode ter um /uma advogado/a para tratar deste assunto por si, mas não é obrigatório. (…) - negrito e sublinhado nosso
Q- Sendo que os aqui Réus, são pessoas simples, têm a 4.ª classe e não têm escolaridade obrigatória, não tendo percebido, nem conseguiram alcançar o sentido da mesma, até porque decorre directamente da citação que não tinham que constituir advogado, muito menos eram capazes de aferir as consequências dos seus actos, pois do expediente de citação não consta de cominação na condenação.
R.- Até porque, no final de tal citação consta expressamente que irão ser contactados pelo Tribunal acerca dos passos seguintes, que não são especificados, nem esclarecedores a ponto de que seja perceptível o risco da sua não constituição de advogado – conforme se transcreve dos dizeres constantes de tal citação:
“(…)
O que vai acontecer a seguir?
Depois de terminar o seu prazo para responder o tribunal vai decidir quais os passos seguintes. Nessa altura, voltaremos a entrar em contacto consigo.”
S.- Pelo que, os Recorrentes apenas e só percepcionaram que iriam ser contactados pelo Tribunal e sempre iriam poder fazer valer a sua posição quando presentes junto do juiz do processo, sendo certo que seriam também chamados ao processo os mais herdeiros e interessados na presente lide, e que se encontram melhor identificados na escritura de partilha e habilitação de Herdeiros melhor identificadas na PI dos AA. sob documentos n.ºs 1 e Doc. n.º 7;
T.- Ora, de acordo com o art.º 41.º, n.º 1 do CPC, a falta de constituição de mandatário, sendo obrigatória a sua constituição determina que o juiz oficiosamente determine a sua notificação para a constituir dentro de prazo certo, sob pena de o R. ser
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