Acórdão nº 452/14.1T8PVZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 17-06-2021

Data de Julgamento17 Junho 2021
Número Acordão452/14.1T8PVZ.P1
Ano2021
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2021:452.14.1T8PVZ.P1
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Sumário:
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
B…, contribuinte fiscal n.º ………, residente em Matosinhos, instaurou acção judicial contra C…, S.A., pessoa colectiva n.º ………4, com sede no Porto, e contra D…, com domicilio profissional na sede da sociedade demandada, pedindo a condenação dos réus, solidariamente, a devolverem à autora os custos da intervenção cirúrgica e a pagarem a indemnização pelos danos morais de €100.000,00, acrescidos de juros legais desde a citação até integral pagamento.
Para o efeito alegou que em 18.10.2012 nas instalações da 1ª ré foi submetida a uma cirurgia plástica realizada pelo 2º réu visando corrigir efeitos indesejados provocados por anterior cirurgia efectuada por este, também nas instalações da 1ª ré e por conta e em benefício também desta. Na primeira intervenção, realizada em Fevereiro de 2011, além de ter sido sujeita a uma cirúrgica plástica ao abdómen, a autora sujeitou-se ainda a uma cirurgia plástica ao rosto (uma blefaroplastia) para correcção da pálpebra direita e retirar as bolsas existentes nas pálpebras inferiores dos olhos. O resultado final da blefaroplastia foi insatisfatório para a autora, porquanto ficou nos seus olhos com um aspecto encovado, com as pálpebras quase a bater na abertura do olho, com sobra de pele nos cantos internos dos olhos, com os olhos arredondados quando sempre os teve amendoados, e com a pálpebra do olho direito do lado externo sem ir até baixo como a do esquerdo. Como a blefaroplastia alterou as feições da autora de forma não desejada, não obstante as promessas do 2º réu de que com o tempo tudo ficaria bem, cerca de um ano e meio após tal cirurgia a autora foi convencida a sujeitar-se a nova intervenção, a qual iria corrigir os efeitos indesejados provocados pela primeira e, assegurava o 2º réu, iria corrigir tudo. Tratar-se-ia de um lifting que consistiria, disse o 2º réu, “em se cortar desde o cimo da testa até às orelhas, para levantar a sobrancelhas de lado”. A autora disse de imediato que o seu problema não era “de lado”, mas sim entre os olhos e o nariz, parte do rosto onde as suas feições se tinham alterado com a primeira cirurgia, dizendo que então não estava interessada em lhe mexerem mais no rosto. O 2º réu serenou a autora e explicou-lhe que iria fazer no centro da testa um pequeno furo para levantar parte da sobrancelha, que estava descaída, ficando perfeita. Apesar dos seus receios iniciais, a autora ficou convencida e confiou no 2º réu. Porém, por manifesta incapacidade e incompetência do 2º réu, os resultados foram catastróficos para o rosto da autora que perdeu todos os seus traços de identidade. Acresce que a autora deu autorização para o 2º réu praticar actos cirúrgicos no seu rosto, desconhecendo que este não se encontra inscrito como médico-cirurgião plástico no colégio de especialidade da Ordem dos Médicos Portuguesa, mas sim como um mero cirurgião geral, não possuindo por isso legitimidade científica e deontológica para a realização de uma cirurgia destas. O 2º réu cortou a autora desde o cimo da testa até às orelhas de uma forma que revela uma total incapacidade e falta de conhecimentos técnicos de cirurgia plástica, pois a autora ficou com enormes cicatrizes em toda a dimensão do seu rosto nas referidas zonas. Os seus olhos foram também cortados, para ficarem mais pequenos, coisa que nunca a autora tinha. A autora ignora o que lhe fizeram no rosto, pois se o 2º réu lhe disse que ia fazer um lifting temporal a verdade é que o seu consentimento foi de um lifting cervico-facial. Após esta segunda cirurgia a autora ficou com os seus traços completamente alterados, deixando de se reconhecer, mas o 2º réu disse-lhe para não se angustiar “que dentro de meses todo o rosto voltava ao normal”, situação que nunca se verificou já que dois anos depois a autora tem o seu rosto cada vez mais desfigurado, face àquilo que sempre foi. Deixou de ter a expressão no seu olhar que sempre teve, deixou de ter olhos naturalmente amendoados e passou a ter olhos profundos, rasgados, mais pequenos, estando permanentemente com olheiras. Deixou de ter expressão facial de sorrir, pois perdeu qualquer músculo ou tecido para tal, e passou a ter uma expressão somente de riso, de boca aberta. Nas têmporas e parte da raiz do cabelo dessa zona passou a ter severas cicatrizes dos cortes que lhe infligiram, as quais deveriam ser muito mais discretas e naturalmente escondidas pela raiz dos cabelos, tendo agora um aspecto de zona acidentada. Posteriormente, as cicatrizes dos cantos dos olhos ficaram brancas, o olho direito ficou encurtado e o esquerdo ficou descaído. Depois dos cortes nos olhos toda a área em volta das pálpebras ficou escura e as sobrancelhas ficaram assimétricas e sem o seu arco natural. Os vincos entre as sobrancelhas no cimo do nariz passaram a ser constantes e não somente quando o rosto muda de expressão, o que dá um ar de “sempre zangada” à autora. Na boca, o lábio do lado esquerdo descaiu, o do lado direito entra nos dentes quando fala e os vincos da pele, nos cantos da boca, prolongam-se até ao fim do queixo que assumiu um aspecto quadrado, tudo feições e traços que a autora jamais teve. Tal situação criou uma tensão permanente na boca da autora que lhe força os maxilares, tendo sempre os dentes constantemente cerrados e em tensão. A intervenção cirúrgica realizada afectou a autora de tal forma, física e emocionalmente, que determinou que passasse a sofrer de acentuada perda de cabelo devido ao sofrimento psicológico em que se encontra. Como consequência da acção negligente e incompetente do réu, na segunda intervenção cirúrgica a autora perdeu toda a sua qualidade de vida e estabilidade emocional, estando em profunda depressão, encontrando-se, desde Fevereiro de 2014, sob vigilância médico-psiquiátrica no Hospital …. A autora pagou à 1ª ré 3.250,00€ pela cirurgia. A autora começou a sentir dores repetidas e reiteradas nas têmporas e cabeça dias depois da cirurgia, dores que actualmente são quotidianas, perdendo inclusive sensibilidade nas maçãs do rosto. Mais, deixou de se reconhecer, o que a fez cair numa depressão e crise emocional profundíssimas. Era uma mulher de enorme auto estima consigo própria, vistosa, alegre e comunicativa que tinha uma vida social com amigos e familiares intensa e uma feliz vida familiar e íntima com seu marido. Devido ao que o 2º réu fez no seu rosto deixou de conseguir olhar-se ao espelho e o seu sofrimento emocional é constante. E, com o passar do tempo, tudo se agrava, cada vez mais a pele do seu rosto fica em tensão, esticada, cada vez mais o seu rosto fica diferente daquilo que era. A autora está fortemente medicada para evitar cair numa espiral depressiva que pode levar a consequências imprevisíveis. Perdeu todo o gosto pela vida, deixou de sair com amigos, de receber pessoas em casa ou de frequentar a casa de familiares e amigos. Só consegue andar na rua com óculos escuros, pois não consegue emocionalmente mostrar-se tal como ficou. Desde que foi operada, e sobretudo no último ano, em que as consequências da intervenção se tornaram cada vez mais patentes e definitivas, a autora passa os seus dias em casa, sem ver e conviver com ninguém. A sua libido foi afectada devido à sua perda de auto estima, o que vem provocando um desgaste emocional intenso no casal.
Os réus contestaram por excepção e por impugnação, defendendo a improcedência da acção.
Por excepção arguiram a prescrição do direito da autora, uma vez que na responsabilidade extracontratual o prazo de prescrição é de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, prazo já decorrido.
Impugnando, alegam que o procedimento cirúrgico de mini-lifting temporal ocorrido em 18.10.2012 teve por único objectivo o levantamento das sobrancelhas e diminuição de rugas frontais superiores, conforme a autora pretendia. Essa cirurgia teve como objectivo o aperfeiçoamento da zona das pálpebras que se encontravam descaídas e não a correcção da blefaroplastia uma vez que em termos médicos é impossível corrigir uma blefaroplastia com um mini-lifting facial temporal. Acresce que a autora se submeteu a um mini-lifting facial temporal um ano e oito meses depois de ter sido submetida à blefaroplastia quando o período normal de estabilização e de obtenção de resultados definitivos desta é de aproximadamente seis meses. A autora mostrou-se totalmente satisfeita com os resultados obtidos e após a segunda intervenção não deu mais notícias nem sinais de insatisfação, apenas se tendo queixado, da última vez que esteve nas instalações da 1ª ré, de uma pequena cicatriz que não quis corrigir.
Impugnam na sua generalidade as queixas da autora na petição inicial, nenhuma das quais está relacionada com as cirurgias realizadas (blefaroplastia e mini lifting temporal). A autora não foi convencida a sujeitar-se a nova cirurgia; antes da cirurgia foi realizada uma consulta em 08.02.2012, onde foram explicados os procedimentos cirúrgicos que se iriam realizar, as suas implicações e onde foi assinado pela autora o consentimento informado. Depois da cirurgia, a autora dirigiu-se às instalações da 1ª ré, em 13.02.2013, para uma consulta de diagnóstico e tratamento do envelhecimento geral e não se queixou da cirurgia, tendo-se mostrado satisfeita com os seus resultados. Só em 28.10.2013, um ano e oito meses após a última cirurgia, é que se queixou numa consulta de uma cicatriz do lado direito da face que era facilmente retocável com um simples laser, procedimento que aceitou mas que acabou por não fazer. Desde a primeira cirurgia passaram mais de quatro anos pelo que a autora teve necessariamente de envelhecer e é possível que tenham surgido olheiras, a prega no meio das sobrancelhas e
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