Acórdão nº 451/04.1BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 02-07-2020
Data de Julgamento | 02 Julho 2020 |
Número Acordão | 451/04.1BELRS |
Ano | 2020 |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
I. Relatório
B... – Construções, Lda., intentou no então TAF de Loures (Lisboa-2) contra o MUNICÍPIO DE VILA FRANCA DE XIRA, uma acção administrativa especial de impugnação dos despachos do Vereador da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Sr. R..., de 21.04.2004, de 28.04.2004, de 06.05.2004 e de 08.06.2004. Peticionou:
“- A condenação da Entidade Demandada a praticar os actos devidos em consequência da referida declaração de nulidade ou anulação, procedendo ao imediato levantamento da suspensão dos processos pendentes, emitindo os competentes alvarás de licenças de construção e utilização para os prédios da A. e autorizando o início das obras de construção que foram paralisadas;
- A condenação da Entidade Demandada no pagamento à A. das quantias a liquidar em execução de sentença, correspondentes aos prejuízos e encargos que alega nos arts. 59.º a 84.º da PI, e dos juros legais relativos às quantias peticionadas, acrescidos, a partir do trânsito em julgado da sentença de condenação que vier a ser proferida, de juros à taxa anual de 5%, nos termos do disposto no art. 829°-A/4 do Código Civil”.
Em 14.12.2004, foi proferido despacho no tribunal a quo declarando parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de “declaração de nulidade ou a anulação dos despachos do vereador da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, R..., datados de 2004.04.21, 2004.04.28, 2004.05.06 e de 2004.06.08”, prosseguindo a presente acção em relação aos restantes pedidos formulados na p.i. (pedido de condenação da Entidade Demandada à prática de actos devidos e pedido de indemnização por danos emergentes de responsabilidade civil extracontratual).
Por sentença do TAC de Lisboa de 28.06.2019, foi decidido julgar:
“Extinta a presente instância:
i) por impossibilidade superveniente quanto ao pedido de condenação à condenação à prática de acto devido quanto aos Lotes 8, 9 e 37;
ii) por inutilidade superveniente da lide quanto aos lotes 12, 13, 22, 23, 24, 28, 29 e 38;
b) Procedente o pedido de condenação da Entidade Demandada a pagar à Autora a quantia que se apurar em execução de sentença, correspondente aos danos emergentes e aos lucros cessantes incorridos, com juros de mora, desde data de trânsito em julgado da presente sentença, à taxa legal”.
Com aquela não se conformando, o Município de Vila Franca de Xira, interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo, culminando a sua alegação com as seguintes conclusões:
«Imagem no original»
Foram apresentadas contra-alegações, nas quais a Recorrida pugna pela manutenção do decidido e onde conclui como segue:
1ª – O recorrente, citado da petição inicial, não a contestou, não se alcançando como, volvidos mais de 15 anos sobre a entrada dos autos em juízo, assaca vícios ao processo e agora à sentença recorrida;
2ª - O recorrente não impugna os factos dados como provados na Sentença recorrida, não obstante, por mais do que uma vez afirmar, que na «fixação dos danos que são alegados» estes não ficaram demonstrados nem provados.
3ª - As alíneas O), R), S), UUU), VVV), WWW), XXX), YYY), ZZZ, AAAA), BBBB), CCCC), DDDD), EEEE), FFFF), GGGG), HHHH), IIII), JJJJ), KKKK), LLLL), MMMM), NNNN), OOOO), PPPP), QQQQ), RRRR), SSSS), TTTT), UUUU), VVVV), WWWW), XXXX), ZZZZ), AAAAA), BBBBB), CCCCC), DDDDD), EEEEE), FFFFF), GGGGG), HHHHH), OOOOO), PPPPP), QQQQQ), RRRRR), SSSSS), TTTTT), UUUUU, VVVVV, WWWWW), XXXXX, YYYYY, ZZZZZ, AAAAAA), BBBBBB), CCCCCC), DDDDDD e EEEEEE) dos factos provados demonstram que a afirmação do recorrente materializa simples e singela, mas inconsequente, discordância sobre a forma como a autora da Sentença recorrida avaliou as provas constantes dos autos e produzidas em audiência de julgamento.
4ª – Caso quisesse impugnar a matéria de facto, impunha-se ao recorrente que indicasse os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da Sentença recorrida ( art. 640, nº 1, b) do CPC ) e sendo que tal indicação é obrigatória, não o fez.
5ª – O recorrente afirmar que não há contra si um pedido de condenação a título de responsabilidade extracontratual causa estupefacção mas não surpresa porque, se volvidos mais de 15 anos sobre os actos praticados pelo recorrente, este ainda não se deu conta da monstruosidade dos prejuízos causados, aconselha-se uma visita pelos seus representantes à urbanização para ver o que lá está: prédio inteiros ao abandono, em tosco, moradias vandalizadas e lotes com mato, ratos e cobras a céu aberto.
6ª - Afirmar que a Sentença recorrida tem os fundamentos em contradição com a decisão assente na afirmação de falta de pedido é outra vez ainda não ter alcançado a dimensão da inconsciência de quem agiu totalmente indiferente aos direitos da recorrida e de muitos outros terceiros afectados.
7ª - Perante as ilegalidades cometidas pelo recorrente com as, repete-se, monstruosas consequências causadas na vida pessoal e patrimonial da A/recorrida, seus sócios gerentes e muitos outros terceiros, a que título, do ponto de vista da sua responsabilização, acha que deveria ser demandado?
8ª - O recorrente destruiu a recorrida e os seus sócios gerentes, um casal actualmente à beira dos 80 anos que, em CONSEQUÊNCIA da IRRESPONSABILIDADE e ILICITUDE do recorrente perdeu tudo o que levou uma vida a amealhar.
9ª - Mas não foi só a recorrida e os seus sócios gerentes que foram destruídos pela actuação do recorrente, foram também todos aqueles que confiaram, como é normal que aconteça, na idoneidade e legalidade das decisões do recorrente, e viram as suas construções não poderem ser objecto de escrituras públicas a favor de terceiros por falta de atempada emissão das licenças de utilização ou que aplicaram milhares de euros em sinais na compra de lotes onde não puderam construir … ou, no limite, todos quantos compraram as suas moradias na urbanização por centenas de milhares de euros e passaram a ter como «vizinhos» prédios inacabados, moradias vandalizadas e lotes pejados de ratos, cobras e mato.
10ª - Afirmar a nulidade da sentença recorrida com esta ordem de argumentação é, com o devido respeito, alimentar a convicção que esse Tribunal Superior seja indiferente à tragédia que representam estes autos e que use um qualquer formalismo para, mais de 15 anos depois, se continuar sem fazer um mínimo de justiça a quem perdeu TUDO.
11ª - O despudor do recorrente vai ao ponto de citar a sentença recorrida na parte em que lhe aponta responsabilidade no atraso na tramitação dos autos, sendo certo que foi por causa das suas vãs promessas de se encontrar uma solução para o conflito que tais pedidos de suspensão foram apresentados.
12ª - A sentença recorrida está muito bem fundamentada relativamente à existência dos factos provados que viabilizam o preenchimento de TODOS os pressupostos da necessidade do recorrente indemnizar a recorrida a título de responsabilidade civil extracontratual.
13ª – Os autos dispõem de todos os elementos para se tramitar a liquidação da Sentença evitando-se uma delonga judicial para tão breve quanto possível a recorrida começar a ser indemnizada.
14ª – A recorrida é de parecer que nenhum reparo merece a douta sentença recorrida, a qual deve ser mantida qua tale.
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Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, nada disse.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
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I. 2. Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:
- Se a sentença recorrida é nula por ter condenado a Recorrente em objecto diverso do pedido (art. 615.º, nº 1, al. e), do CPC);
- Se o tribunal a quo errou, de facto e de direito, ao ter considerado provados os pressupostos determinativos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, sendo que a sua prova deve ser feita na fase declarativa e não na fase executiva.
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II. Fundamentação
II.1. De facto
Pelo TAC de Lisboa foi julgada provada a seguinte matéria de facto:
A) A Autora é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, que tem por objecto “a compra e venda de imóveis, construção civil para revenda, loteamentos, urbanizações e reparações de edifícios” (fls. 40-41 do proc. físico);
B) A A. era proprietária dos seguintes prédios, todos sitos em Barroquinha na freguesia de Castanheira do Ribatejo, município de Vila Franca Xira:
a) Prédio com a área de 61.280m2, inscrito na matriz respectivo sob o artigo 3… da Secção H;
b) Prédio com a área de 2.839 m2, inscrito na matriz respectiva, sob o artigo 1… da secção H;
c) Prédio com a área de 4.028m2, inscrito na matriz respectiva, sob o artigo 1… da Secção H;
d) Prédio com a área de 3.620m2, inscrito na matriz respectiva, sob o artigo 1… da Secção H (cfr. fls, 42-46 do proc. físico);
C) O prédio identificado na alínea a) do artigo anterior encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob o n.º 6..., da freguesia de Castanheira do Ribatejo e os prédios identificados nas alíneas b) a d) encontram-se todos descritos na mesma Conservatória, sob o n.º 5.., da mesma freguesia (idem);
D) Os anteriores proprietários dos prédios referidos na alínea anterior apresentaram um pedido de informação prévia relativo à viabilidade de construção de um loteamento de moradias, o qual tinha como antecedente um anterior pedido efectuado em 15/09/1994, tendo, em 03/12/1996, recaído sobre aquele Informação do DHU da Entidade Demandada e do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:
“(…...
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