Acórdão nº 4504/19.3T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05-05-2022
Data de Julgamento | 05 Maio 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 4504/19.3T8BRG.G1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. Relatório
J. R., divorciada, na qualidade de herdeira e cabeça de casal da herança aberta por óbito de V. A., instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra: - a “X, Companhia de Seguros, S.A”, com sede na Largo … Lisboa, e, - a “Caixa ..., S.A.”, com a sede na Avenida … Lisboa, pedindo que, a final, se condene a 1.ª ré ao pagamento à 2.ª ré do capital seguro no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), bem como, juros vencidos apurados desde a interpelação (03.05.2019) à taxa de 4%, no valor de € 712,33 e, juros vincendos desde a citação até integral pagamento, e caso haja remanescente de capital seguro, que este seja ainda pago aos herdeiros do falecido V. A..
Para tal alegou, em suma, que a 8 de Abril de 2009 V. A. contratou com o banco réu um mútuo com hipoteca e fiança, destinado à reconstrução de um prédio urbano sito em Lugar de …, Ponte de Barca, sendo que para a sua aceitação por parte do banco teve ainda aquele de celebrar um contrato de seguro do ramo vida, que foi apresentado pelo banco como mediador e ao qual aquele aderiu. A cobrança do prémio estava incluída na prestação mensal do crédito, sendo cobrados o prémio e a prestação através de débito bancário na conta do aderente e mutuário, à ordem das aqui rés.
O aludido V. A. faleceu a .. de Maio de 2014.
Na sequência dos procedimentos encetados pela autora para tratar da herança do filho, a mesma foi informada de que a apólice n.º 11/5001202/51084 havia sido anulada por falta de pagamento, a partir de 1.10.2012.
Sustenta que, nem a conta bancária onde era efectuado o débito da prestação e do prémio esteve a descoberto, mormente no período de Outubro a Dezembro de 2012, pelo que não havia motivo para não cobrar os prémios de Outubro e Novembro de 2012 (vencidos a 11.11.2012 e a 1.12.2012), nem o falecido recebeu a carta datada de 17.12.2012 de anulação da adesão, nem foi informado pelo banco dessa situação, muito menos a seguradora avisou o banco de que se poderia substituir ao segurado/aderente.
Ademais, a aludida carta foi enviada com registo postal simples, por mero depósito, o que não confere à mesma a natureza de interpelação exigida pelo ponto 8.2 al. a) das condições particulares conjugado com o art. 203.º, n.º 1 do D.L n.º 72/2008, de 16.04, o que torna inválida e ineficaz a anulação do contrato de seguro.
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A ré seguradora contestou a 14.10.2019 (cfr. fls. 48 e seguintes), alegando, por excepção: que a autora é parte ilegítima uma vez que o falecido V. A. deixou como herdeiros os pais, que são a autora e J. G., pelo que existindo preterição de litisconsórcio necessário activo, uma vez que o eventual direito tem de ser exercido pelos dois progenitores, devem já ser as rés absolvidas da instância; que o direito se mostra prescrito, visto que V. A. faleceu a 20.05.2014, tendo a acção sido proposta a 10.09.2019 e a ré citada a 12.09.2019, no entanto, a autora tinha conhecimento dos direitos que visa exercer como herdeira desde o óbito do filho, ou pelo menos desde a participação feita à seguradora a 17.06.2014, pelo que aplicando-se ao caso o prazo prescricional previsto no art. 121.º da Lei do contrato de seguro, mostra-se ultrapassado o prazo legal previsto para o exercício do direito contra a seguradora.Mais alegou que o aderente V. A. estava obrigado a proceder ao pagamento do prémio do seguro, mensalmente, por débito na conta de que era titular na CAIXA ..., porém, não liquidou os prémios vencidos a 1.10.2012 a 1.11.2012 e a 1.12.2012, cada um no valor de 6,50 Eur., ao não provisionar a conta com saldo suficiente a tal liquidação.
Por esse motivo a ré enviou para a pessoa segura, e para o domicílio indicado no contrato, uma carta registada com data de 17.12.2012, registada com o n.º RP…….PT, remetida a 21.12.2012, que o destinatário recepcionou e onde lhe foi dado a conhecer o incumprimento no pagamento daqueles prémios, concedendo-se-lhe prazo até 3.02.2013 para a sua liquidação, sob pena de anulação do contrato de seguro, com efeito reportado a 1.10.2012, junto com destacável (após recorte) com envelope endereçado à remessa livre, para envio de cheque ou vale postal para regularização dos prémios. Porém, o V. A. nada fez, pelo que foi o seguro declarado anulado, resolvido. Também a seguradora remeteu ao banco a 17.12.2012 uma comunicação por carta, a informar da situação e da faculdade de o banco se substituir à pessoa segura, querendo, mas também a CAIXA ... nada fez.
Conclui que à data do óbito de V. A., a 20 de Maio de 2014, o contrato de seguro estava resolvido, por falta de pagamento de prémios, resolução essa válida e eficaz, e caso o Tribunal assim não entenda, sempre deveria a seguradora receber os prémios de seguro devidos até à ocorrência do óbito do segurado/aderente V. A., mormente os vencidos entre 1.12.2012 e 20.05.2014, valor que peticiona dever ser-lhe pago, em reconvenção.
Por fim, alega que a autora apenas participou o óbito do filho à ré, sem indicar as circunstâncias e as causas da morte, não juntando os documentos que contratualmente estava obrigada para análise do sinistro, o que impede a ré de saber se existem exclusões, mormente decorrendo a morte de doença, se havia patologias pré-existentes, se sendo por acidente, derivou do consumo de álcool ou estupefacientes, ou se aplicam outras das exclusões previstas no ponto 5 das condições gerais da apólice.
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O banco contestou a 16.10.2019 (cfr. fls. 74 e seguintes), alegando, por excepção, que o réu contestante é parte ilegítima uma vez que, por força de cessão de créditos operada a 30.01.2019, cedeu o crédito que detinha sobre o falecido V. A. à Y Designated Activity Company, pelo que não será o banco a receber o eventual montante que a ré seguradora seja condenada a pagar.Por impugnação alegou ainda a subscrição do seguro de vida não foi imposta ao mutuário, mas decorre do regime geral do crédito à habitação, para o que o falecido subscreveu o boletim adesão ao seguro de vida de grupo a 17.02.2009 e se obrigou a pagar, por débito bancário, os respectivos prémios, a par da prestação bancária, sendo ambos os valores debitados na mesma conta, o que só ocorre caso a conta bancária tenha fundos para tal efeito. Os prémios são descontados por ordem do mutuário, que a isso autorizou o banco, e não por iniciativa do banco. Caso o prémio não seja debitado o banco só tem conhecimento disso se a seguradora o comunicar.
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Na sequência dos despachos proferidos a 14 e a 19.11.2019 veio a autora apresentar réplica na qual se pronunciou sobre a alegada ilegitimidade activa; cessão de créditos; invocada prescrição. Quanto à reconvenção impugnou a matéria de facto alegada, mais defendendo que caso sejam devidos os prémios já se mostra prescrito o direito de a seguradora os reclamar, atento o prazo previsto no art. 121.º do RCS, vindo ainda ampliar o pedido deduzido, peticionando para além da condenação da seguradora no pagamento do capital seguro ao banco ou ao seu cessionário, que seja o banco condenado a pagar aos herdeiros do falecido o eventual remanescente.*
A ré seguradora respondeu à excepção de prescrição dos prémios de seguro vencidos até ao óbito do segurado/aderente.Foi admitida a ampliação do pedido, bem como a intervenção principal provocada do pai do falecido, J. L..
No âmbito do apenso “A” julgou-se habilitado a intervir nos autos a Y Designated Activity Company, reconhecendo-se a ilegitimidade substantiva da “Caixa ..., S.A” na causa.
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Realizado o julgamento da causa, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, absolveu ambas as rés dos pedidos deduzidos pelo autor.*
Inconformada com a sentença, a autora interpôs recurso, finalizando com as seguintes conclusões, que se transcrevem:«I - Por contrato de mútuo, realizado com a Credora, Caixa ..., S.A, V. A., aderiu em 17 de fevereiro de 2009, mediante preenchimento e apresentação de um boletim de adesão, a um contrato de seguro, do ramo vida, titulado pela apólice n.º ......02. X, Companhia de Seguros, S.A, com o NIPC e matrícula ………, com sede na Largo … Lisboa.
II - Torna-se claro que a Caixa ..., S.A, como condição para conceder o mútuo, neste caso concreto, obrigou V. A., a aderir ao seguro de vida através do pack Caixa.
III - Caso o mutuário viesse a anular, revogar ou desistir, ou por qualquer outra forma extinguir o Pack Caixa por norma existiria um agravamento do Spread e, em consequência, da prestação mensal do crédito concedido.
IV - Vide a testemunha, M. E., no seu depoimento prestado no dia 16.09.2021, com início às 15h07m e fim15h33.
V - V. A., nunca teve conhecimento que tais prémios estavam em mora, nem tao pouco que havia a Ré seguradora resolvido a sua adesão ao seguro de vida por falta de pagamento dos prémios, porquanto, nem Caixa ..., avisada da resolução / anulação do aludido seguro contratualizado.
VI - Concomitantemente, desde a data de 03.02.2013, prazo concedido para a liquidação dos prémios vencidos, até à data do falecimento do mutuário V. A., em 20.05.2014, a Caixa ..., não agravou a prestação conforme é usual / normal em casos idênticos em que o mutuário anula, revoga ou desiste, ou por qualquer outra forma extingue o Pack ligação (Pack Caixa).
VII - O Mutuário V. A., sempre depositou na conta bancária n.º ..........52, sediada naquela delegação, a prestação do mútuo contratado à ordem da CAIXA ... e o valor do prémio (€ 6,50) à ordem da X, contudo, provisionava a conta com a soma dos dois valores.
VIII - Pelo que, deveria o facto 1) ser dado como provado, que era condição para a subscrição do empréstimo realizado, a parte devedora obrigava-se a tê-lo seguro à vontade da credora e só por seu intermédio, o referido seguro.
IX - Vide, o depoimento prestado no dia 16.09.2021, com inicio às 15h48m54s e fim16h25m31s d a testemunha, M....
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