Acórdão nº 447/18.6T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09-06-2022

Data de Julgamento09 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão447/18.6T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I Relatório

V. N. e mulher, M. M., intentaram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A. F. e mulher, O. F., E. M. e M. P., estes últimos por si e em representação, na qualidade de sócios, da extinta sociedade X–Imobiliária, L.da, pedindo:

a) se declare e condene os RR. a reconhecer que é nulo e de nenhum efeito, por ser simulado, o contrato de mútuo com hipoteca a que se alude no art.º 12º da petição inicial e que teve por objecto o prédio referido no art. 1º do mesmo articulado;
b) na hipótese de se entender que o contrato de mútuo com hipoteca referido na alínea anterior é válido, que os RR. sejam condenados a reconhecer que esse mesmo empréstimo foi pago aos 1ºs RR. através dos bens e valores que o 2º R. lhes entregou, tal como se alega no art.º 29º e 35º da petição;
c) no caso da al. a) e b) procederem, condenar os RR. a restituir aos AA. o prédio melhor identificado no anterior art. 1º, totalmente livre de pessoas e bens, nomeadamente, quanto à situação jurídica e ao respetivo registo que foi objecto daquele contrato nulo e simulado, cancelando os registos efectuados, nomeadamente, repondo o mesmo (registo) em nome dos autores e cancelando a respectiva hipoteca;
d) no caso das als. a) e b) procederem, condenar os RR. a absterem-se da prática de quaisquer actos lesivos do direito de propriedade e posse dos AA. sobre o prédio identificado no art. 1º da petição inicial;
e) se assim não se entender, que os RR. sejam condenados a reconhecer que o mútuo com hipoteca referido na alínea a) deve ser reduzido para a quantia de cento e setenta e cinco mil euros, por ter sido esse o valor efetivamente entregue pelos 1ºs RR. ao 2º R. E. M., como representante da X, no acto da respectiva escritura.
Alegam para tanto, e em síntese, que, em 10 de Novembro de 2003, foi outorgada uma escritura de mútuo com hipoteca, através da qual os 1ºs RR. declararam emprestar à X 350.000,00 euros, a pagar no prazo de cinco anos, sem juros, fazendo os RR. constar que a referida sociedade tinha recebido, no acto e naquela data, a totalidade do empréstimo, o que não era verdade, simulando, em conluio, os RR. dificuldades económicas (que na altura não existiam) para convencer os AA. a outorgar a hipoteca do prédio de que são proprietários, como o fizeram.
Referem que, por outro lado, o que pretendiam era garantir a quota parte que o 1º R. A. F. pretendia pagar para entrar na sociedade civil que formou com o 2º R. E. M. para investir e vender os lotes do prédio dos AA., como tinham combinado fazer e que a X não recebeu qualquer montante desse intitulado empréstimo.
Mencionaram, ainda, que entre 20 de Novembro de 2003 e 27 de Julho de 2005, o 2º R. E. M. pagou aos 1ºs RR. cerca de 650.958,00 € para pagamento dos empréstimos existentes, incluindo o mútuo com hipoteca referido, mencionando ter apenas entregue a quantia de 175.000,00 €, correspondente a metade do valor que hipoteca constituída.
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Os RR. A. F. e mulher, O. F., contestaram, excepcionando a ilegitimidade dos 2ºs RR., e impugnando os factos alegados pelos AA.
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Os AA. requereram a condenação dos RR. como litigantes de má fé.
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O R. E. M., pessoalmente citado, não contestou a acção.
A R. M. P. foi citada por editais e não contestou nem se fez representar por advogado.
Foi citado o Ministério Público, em sua representação.
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Dispensou-se a realização da audiência prévia; proferiu-se despacho saneador, declarando-se a ilegitimidade dos RR. E. M. e M. P., enquanto demandados a título pessoal, tendo sido absolvidos da instância; foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
A R. M. P. e o R. E. M., entretanto, juntaram procuração forense, constituindo mandatário.
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Foi realizada a audiência final, julgando-se a acção parcialmente procedente, tendo-se, consequentemente:

- declarado a nulidade, por simulação, do contrato de mútuo com hipoteca pelo valor declarado de 350.000,00 €, e válido o contrato dissimulado de mútuo com hipoteca pelo valor de 175.000,00 €;
- condenado os RR. a reconhecer que esse empréstimo foi pago;
-ordenado o cancelamento da inscrição registal da hipoteca realizada pela Apresentação 36 de 2004/04/07 sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …/20130305, freguesia de ..., inscrito na matriz no art.º …º da união de freguesias de …, ... e Outiz;
- absolvido os RR. do demais peticionado.
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II- Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida vieram os 1.ºs RR. A. F. e O. F., interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

1. Por douta Sentença proferida em 14 de Janeiro de 2022 pelo Juízo Central Cível de Guimarães, no Processo n.º 447/18.6T8GMR, o Julgador de 1ª Instância decidiu:
1.1. declarar a nulidade, por simulação, do contrato de mútuo com hipoteca pelo valor declarado de 350.000,00 €, e válido o contrato dissimulado de mútuo com hipoteca pelo valor de 175.000,00 €;
1.2.condenar os RR. a reconhecer que esse empréstimo foi pago;
1.3.ordenar o cancelamento da inscrição registral da hipoteca realizada pela Apresentação 36 de 2004/04/07 sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ……/20130305,freguesiade..., inscrito na matriz no art.º …º da união de freguesias de …, ... e …;
1.4. absolver os RR. dos demais peticionado.
2. Ora, desta decisão recorrem os Réus, ora Recorrentes, por dela não concordarem, tendo o presente Recurso como objeto o teor da douta Sentença acima identificada.
3. As questões que o Tribunal a quo apreciou e decidiu são as seguintes:
3.1. Da nulidade, por simulação, do contrato de mútuo com hipoteca;
3.2. Da realização do negócio dissimulado e da sua validade;
3.3. Do apuramento do montante do valor mutuado e do seu pagamento;
3.4. Da litigância de má-fé dos 1ºs Réus (ora Recorrentes).
4. Ora, salvo o devido respeito, e atendendo aos depoimentos de parte dos Réus, à prova documental e à prova testemunhal, pensa-se que o Tribunal a quo (A) faz uma incorreta apreciação da prova documental, (B) julga erradamente verificados os elementos constitutivos da simulação e (C) contradiz os factos.
5. Do valor probatório da prova documental:
5.1. Conforme referido, o Tribunal a quo, na douta Sentença recorrida, decidiu declarar “a nulidade, por simulação, do contrato de mútuo com hipoteca pelo valor declarado de 350.000,00 €, e válido o contrato dissimulado de mútuo com hipoteca pelo valor de 175.000,00 €” e condenar “os RR. a reconhecer que esse empréstimo foi pago”.
5.2. Tal decisão parece ser tomada com recurso ao único documento que permitiria essas conclusões.
5.3. Sumariamente, conforme douta Sentença recorrida, o Tribunal de 1ª Instância deu como provado o facto G), O), S), U) e V) da douta Sentença recorrida.
5.4. Neste enquadramento, e em síntese, considerou o Tribunal a quo – no entender dos Recorrentes – valorizar a “Declaração” em detrimento do “Confissão de dívida e dação em pagamento”.
5.5. Pese embora seja reconhecido na “Declaração” que apenas foi entregue a quantia de € 175.000,00, ao invés de € 350.000,00, tal declaração não pode ter a força probatória que o Julgador de 1ª Instância quer extrair dela.
5.6. Ora, uma vez que todos os documentos acima referidos foram dados como provados, salvo o devido respeito, pensa-se que o Tribunal a quo apenas valorou o que permitiria concluir pela verificação dos elementos constitutivos do conceito de simulação relativa e ainda, o que determinaria o empréstimo como pago.
5.7. Mas na verdade, foi outorgada uma escritura de confissão de dívida e dação em pagamento entre os Réus, em 26 de Janeiro de 2006, e sendo a escritura pública um documento autêntico, está investido de força probatória plena, ou seja, a sua força probatória só pode ser ilidida com a demonstração da falsidade do documento (artigos 371.º n.º 1 e 372.º nºs 1 e 2 do Código Civil), o que limita a liberdade de apreciação do juiz sobre os factos documentados. Assim, as proposições de facto contidas no documento gozam de uma presunção legal de veracidade.
5.8. Nestes termos, uma vez que não foi impugnado o teor da escritura, nem arguida a sua falsidade ou nulidade ou qualquer erro/vício da vontade, a escritura de mútuo com hipoteca faz prova plena das declarações nela contidas.
5.9. De facto, não suscita dúvidas o teor do artigo 371.º n.º 1 do CC: “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora”.
5.10. Consequentemente, resulta do facto S) da douta sentença que, “Em 27 de Janeiro de 2006, o 1º R. A. F. e o 2º R. E. M. outorgam uma escritura de “Confissão de Dívida e Dação em Cumprimento” pela qual o 2º R., por si e na qualidade de sócio e gerente da X, declara que ele e a sociedade que representa devem ao 1º R. a quantia de 330.000,00 €, e para pagamento parcial do crédito, a X dá (dação pro solvendo) os quatro prédios aí descritos, correspondem aos bens que constam das alíneas a), c) e d) da cláusula segunda do Protocolo.”provado I) da douta Sentença que “Os RR. fizeram constar nessa escritura que a referida sociedade tinha recebido, no acto e naquela data, a totalidade do empréstimo”.
5.11. Ora, se são os devedores que fazem tais afirmações, perante o notário, que se confessam devedores do montante de € 330.000,00, estas suas declarações de dívida implicam o reconhecimento de um facto que lhe são desfavoráveis e beneficiam os Recorrentes, o que a qualifica como confissão, nos termos do artigo 352.º do CC.
5.12. Trata-se de uma confissão extrajudicial em documento autêntico, feita à parte contrária, admissível pela sua própria essência, que goza de força probatória plena contra o confitente, nos termos das...

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