Acórdão nº 4454/10.9TAVNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 18-04-2012
Data de Julgamento | 18 Abril 2012 |
Número Acordão | 4454/10.9TAVNG.P1 |
Ano | 2012 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
(proc. n º 4454/10.9TAVNG.P1)
No 1º Juízo-A do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, nos autos de instrução nº 4454/10.9TAVNG, foi proferida, em 30.9.2011, a decisão instrutória que consta de fls. 187 a 195, na qual se concluiu pela não pronúncia dos arguidos B… e C…, Lda, quanto aos crimes de burla, sendo, no entanto, pronunciados pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. no art. 256º, nº 1, alínea b), do CP.
I- Por douta decisão de fls…., foram os recorridos pronunciados pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º, nº 1, do Código Penal,
II- Tendo sido dado como assente que o arguido, por si e em representação da sociedade arguida, veio a adquirir à recorrente diversas mercadorias, em momentos temporais distintos, para pagamento dos quais, entregou os cheques de fls….
III- Sendo que estes, quando apresentados a pagamento, não vieram a ser pagos em virtude daquele mesmo arguido ter comunicado à entidade sacada que os mesmos se haviam extraviado.
IV- Resultando demonstrado que, por missiva cuja cópia consta de fls. 163, enviada pelo arguido B… ao banco sacado, este pediu a anulação dos mencionados cheques, por motivo de roubo.
V- E, concluindo o douto aresto ter-se apurado não ter havido roubo/extravio dos cheques, os quais foram por si entregues à assistente, entendeu – e bem – dar como preenchidos os elementos constitutivos, objectivo e subjectivo, do crime de falsificação de documento, consubstanciando-se o dolo do arguido “no facto de este ter dado tal indicação à entidade sacada, com intenção de não serem os referidos cheques pagos, causando dessa forma o inerente e respectivo prejuízo à assistente.”
VI- Porém, não pronunciando os arguidos pelo crime de burla p. e p. pelo art. 217º do Código Penal, no entendimento de não se ter apurado qualquer comportamento que o arguido tivesse tomado, com a intenção de a enganar e a levar em erro, a entregar-lhe as respectivas mercadorias e a aceitar os cheques como pagamento.
VII- Tal conclusão traduz manifesto erro na apreciação da prova produzida, já que da sua conjugação, nomeadamente do documento de fls. 162 a 170, se imporia conclusão diversa, já que
VIII- Resulta daquele documento que o arguido, na data de 10.2.2010 veio participar o furto do seu veículo;
IX- Referindo nessa participação o furto de diversos cheques, quer em seu nome pessoal, quer em nome da sociedade unipessoal sua representada;
X- Com base nessa participação, veio o mesmo a declarar diversos cheques como extraviados, neles se incluindo aqueles que deram origem aos presentes autos; e
XI- Tal como resulta dos autos, nos dias 3 e 17 de Março de 2010 o arguido preencheu e entregou à assistente os referidos cheques para pagamento de mercadoria que adquiriu à assistente.
XII- Ou seja, apesar de ter dado tais títulos como extraviados, o certo é que os mesmos estiveram sempre na sua posse – verificando-se não só ter emitido falsa declaração, cometendo o imputado crime de falsificação de documento – pelo que, quando, por duas vezes, se dirigiu à assistente para adquirir diversas mercadorias, entregando-lhe os cheques para pagamento, tinha a perfeita noção e consciência de que a sua declaração de extravio despira os títulos da sua característica de meio de pagamento” Daí decorrendo que, quando se dirigiu às instalações da assistente para aquisição de diversas mercadorias, nunca teve intenção de pagar o respectivo preço, porque já sabia que os cheques que entregou nunca iriam ser pagos pela entidade sacada, atenta a sua prévia e premeditada declaração!
XIII- Tendo ambos os cheques sido preenchidos, assinados e entregues pelo arguido – e aparentemente usados como título cambiário – nenhuma razão teria a assistente para, sequer, por em crise o princípio da confiança do título, nenhum motivo a levou a supor que aqueles cheques não eram válidos como meio de pagamento.
XIV- E, como resulta evidente, foi tão só pela confiança na validade do título que a assistente entregou as mercadorias aos arguidos, na convicção de que os mesmos traduziam pagamento do preço das compras e vendas celebradas.
XV- O documento de fls. 162 a 163, em conjugação com os cheques e as facturas de fls….,revelam em si o plano urdido pelo arguido, traduzido no comportamento que este tomou, com intenção de enganar a assistente e a levar em erro, a entregar-lhe as respectivas mercadorias e a aceitar os cheques como meio de pagamento.
XVI- Ou seja, resulta daqueles que o arguido, na execução de um plano previamente elaborado, declarou os cheques como extraviados para, em momento posterior, os utilizar como aparente meio de pagamento, obtendo para si e para a sociedade arguida um enriquecimento ilegítimo, levando, de forma astuciosa, a que a assistente lhe entregasse diversas mercadorias, na errada convicção que, em troca, estava a aceitar um meio de pagamento.
XVII- Plano que não traduz mera conclusão da recorrente, antes se infere da conduta dos arguidos que se apurou em sede de instrução.
XVIII- Porque o arguido sabia que, aquando das entregas dos cheques à assistente, os mesmos não consubstanciavam qualquer meio de pagamento, face à prévia declaração de extravio.
XIX- Não se coibindo de utilizá-los para obter para si um enriquecimento ilegítimo, à custa do património da assistente e para prejuízo desta, através da situação de erro em que, deliberada e astuciosamente, a colocou.
XX- Aproveitando-se dolosamente da confiança pública dos títulos cambiários para, assim, criar na assistente a convicção de que lhe entregara mercadorias mediante o pagamento de um preço.
XXI- Conduta que assume particular gravidade na medida em que os arguidos a reiteraram.
XXIII- Pelo que, porque demonstrado que o arguido, na execução de um plano previamente elaborado, na data constante da declaração de fls. 163, veio a dar os cheques identificados nos autos como extraviados para, em momento posterior, nas datas constantes das facturas de fls…., os utilizar como aparente meio de pagamento, obtendo para si e para a sociedade arguida um enriquecimento ilegítimo, levando, de forma astuciosa, a que a assistente lhe entregasse diversas mercadorias, na errada convicção que, em troca, estava a aceitar um meio de pagamento, causando-lhe um prejuízo total de € 6.235,85.
XXIV- Impõe-se a revogação do despacho em crise, na parte em que promoveu o arquivamento doa autos,
XXV- Pronunciando-se os arguidos pela prática de dois crimes de burla p. e p. pelo art. 217º do Código Penal, com as agravantes que se vierem a apurar em sede do julgamento que se impõem.
Termina pedindo a procedência do recurso e a consequente pronuncia dos arguidos pela prática de dois crimes de burla p. e p. no art. 217º do CP, com as agravantes que se vierem a apurar em sede de julgamento.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
O Tribunal é o competente.
O Mº Pº tem legitimidade para exercer a acção penal.
Não existem nulidades, excepções ou questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.
Requereu diligências de prova, concretamente, a solicitação de documentação bancária, que entretanto foi junta aos autos.
A seu tempo foi realizado o debate instrutório, com todas as formalidades legais, conforme se constata da respectiva acta.
Concluindo, pela não pronúncia dos arguidos;
O Ilustre Mandatário da Assistente: Discorda da posição do Sr. Procurador, reiterou na íntegra as suas considerações constantes no RAI de fls. 77 e ss, quer relativamente ao crime de burla quer ao crime de falsificação, entendendo que, atendendo à prova documental junta nesta fase, a conduta dos arguidos é susceptível da prática pelos mesmos dos crimes que lhe são imputados e nesta conformidade, deve ser proferido despacho de pronúncia;
O Ilustre Defensor do arguido, concordou inteiramente com a posição do Sr. Procurador, reiterando as suas considerações, por também entender que não se verificam os pressupostos de qualquer um dos crimes e nessa conformidade, deve ser proferido despacho de não pronuncia e determinado o arquivamento dos autos;
O Ilustre Defensor da Sociedade co-arguida, concordou inteiramente com a posição do Sr. Procurador, reiterou as suas...
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:*
I- RELATÓRIONo 1º Juízo-A do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, nos autos de instrução nº 4454/10.9TAVNG, foi proferida, em 30.9.2011, a decisão instrutória que consta de fls. 187 a 195, na qual se concluiu pela não pronúncia dos arguidos B… e C…, Lda, quanto aos crimes de burla, sendo, no entanto, pronunciados pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. no art. 256º, nº 1, alínea b), do CP.
*
Inconformada com a decisão de não pronúncia pelos crimes de burla, a assistente D…, SA, interpôs recurso (fls. 204 a 213), concluindo a sua motivação nos seguintes termos:I- Por douta decisão de fls…., foram os recorridos pronunciados pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º, nº 1, do Código Penal,
II- Tendo sido dado como assente que o arguido, por si e em representação da sociedade arguida, veio a adquirir à recorrente diversas mercadorias, em momentos temporais distintos, para pagamento dos quais, entregou os cheques de fls….
III- Sendo que estes, quando apresentados a pagamento, não vieram a ser pagos em virtude daquele mesmo arguido ter comunicado à entidade sacada que os mesmos se haviam extraviado.
IV- Resultando demonstrado que, por missiva cuja cópia consta de fls. 163, enviada pelo arguido B… ao banco sacado, este pediu a anulação dos mencionados cheques, por motivo de roubo.
V- E, concluindo o douto aresto ter-se apurado não ter havido roubo/extravio dos cheques, os quais foram por si entregues à assistente, entendeu – e bem – dar como preenchidos os elementos constitutivos, objectivo e subjectivo, do crime de falsificação de documento, consubstanciando-se o dolo do arguido “no facto de este ter dado tal indicação à entidade sacada, com intenção de não serem os referidos cheques pagos, causando dessa forma o inerente e respectivo prejuízo à assistente.”
VI- Porém, não pronunciando os arguidos pelo crime de burla p. e p. pelo art. 217º do Código Penal, no entendimento de não se ter apurado qualquer comportamento que o arguido tivesse tomado, com a intenção de a enganar e a levar em erro, a entregar-lhe as respectivas mercadorias e a aceitar os cheques como pagamento.
VII- Tal conclusão traduz manifesto erro na apreciação da prova produzida, já que da sua conjugação, nomeadamente do documento de fls. 162 a 170, se imporia conclusão diversa, já que
VIII- Resulta daquele documento que o arguido, na data de 10.2.2010 veio participar o furto do seu veículo;
IX- Referindo nessa participação o furto de diversos cheques, quer em seu nome pessoal, quer em nome da sociedade unipessoal sua representada;
X- Com base nessa participação, veio o mesmo a declarar diversos cheques como extraviados, neles se incluindo aqueles que deram origem aos presentes autos; e
XI- Tal como resulta dos autos, nos dias 3 e 17 de Março de 2010 o arguido preencheu e entregou à assistente os referidos cheques para pagamento de mercadoria que adquiriu à assistente.
XII- Ou seja, apesar de ter dado tais títulos como extraviados, o certo é que os mesmos estiveram sempre na sua posse – verificando-se não só ter emitido falsa declaração, cometendo o imputado crime de falsificação de documento – pelo que, quando, por duas vezes, se dirigiu à assistente para adquirir diversas mercadorias, entregando-lhe os cheques para pagamento, tinha a perfeita noção e consciência de que a sua declaração de extravio despira os títulos da sua característica de meio de pagamento” Daí decorrendo que, quando se dirigiu às instalações da assistente para aquisição de diversas mercadorias, nunca teve intenção de pagar o respectivo preço, porque já sabia que os cheques que entregou nunca iriam ser pagos pela entidade sacada, atenta a sua prévia e premeditada declaração!
XIII- Tendo ambos os cheques sido preenchidos, assinados e entregues pelo arguido – e aparentemente usados como título cambiário – nenhuma razão teria a assistente para, sequer, por em crise o princípio da confiança do título, nenhum motivo a levou a supor que aqueles cheques não eram válidos como meio de pagamento.
XIV- E, como resulta evidente, foi tão só pela confiança na validade do título que a assistente entregou as mercadorias aos arguidos, na convicção de que os mesmos traduziam pagamento do preço das compras e vendas celebradas.
XV- O documento de fls. 162 a 163, em conjugação com os cheques e as facturas de fls….,revelam em si o plano urdido pelo arguido, traduzido no comportamento que este tomou, com intenção de enganar a assistente e a levar em erro, a entregar-lhe as respectivas mercadorias e a aceitar os cheques como meio de pagamento.
XVI- Ou seja, resulta daqueles que o arguido, na execução de um plano previamente elaborado, declarou os cheques como extraviados para, em momento posterior, os utilizar como aparente meio de pagamento, obtendo para si e para a sociedade arguida um enriquecimento ilegítimo, levando, de forma astuciosa, a que a assistente lhe entregasse diversas mercadorias, na errada convicção que, em troca, estava a aceitar um meio de pagamento.
XVII- Plano que não traduz mera conclusão da recorrente, antes se infere da conduta dos arguidos que se apurou em sede de instrução.
XVIII- Porque o arguido sabia que, aquando das entregas dos cheques à assistente, os mesmos não consubstanciavam qualquer meio de pagamento, face à prévia declaração de extravio.
XIX- Não se coibindo de utilizá-los para obter para si um enriquecimento ilegítimo, à custa do património da assistente e para prejuízo desta, através da situação de erro em que, deliberada e astuciosamente, a colocou.
XX- Aproveitando-se dolosamente da confiança pública dos títulos cambiários para, assim, criar na assistente a convicção de que lhe entregara mercadorias mediante o pagamento de um preço.
XXI- Conduta que assume particular gravidade na medida em que os arguidos a reiteraram.
XXIII- Pelo que, porque demonstrado que o arguido, na execução de um plano previamente elaborado, na data constante da declaração de fls. 163, veio a dar os cheques identificados nos autos como extraviados para, em momento posterior, nas datas constantes das facturas de fls…., os utilizar como aparente meio de pagamento, obtendo para si e para a sociedade arguida um enriquecimento ilegítimo, levando, de forma astuciosa, a que a assistente lhe entregasse diversas mercadorias, na errada convicção que, em troca, estava a aceitar um meio de pagamento, causando-lhe um prejuízo total de € 6.235,85.
XXIV- Impõe-se a revogação do despacho em crise, na parte em que promoveu o arquivamento doa autos,
XXV- Pronunciando-se os arguidos pela prática de dois crimes de burla p. e p. pelo art. 217º do Código Penal, com as agravantes que se vierem a apurar em sede do julgamento que se impõem.
Termina pedindo a procedência do recurso e a consequente pronuncia dos arguidos pela prática de dois crimes de burla p. e p. no art. 217º do CP, com as agravantes que se vierem a apurar em sede de julgamento.
*
O Ministério Público na 1ª instância respondeu ao recurso (fls. 227 a 233), concluindo pela improcedência. *
Também a sociedade arguida respondeu ao recurso (fls. 234 a 240), concluindo pela improcedência e pela manutenção da decisão de não pronuncia pelos crimes de burla. *
Nesta Relação, no seu parecer (fls. 250 e 251), o Sr. Procurador-Geral Adjunto concluiu pela procedência do recurso.*
Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, tendo a sociedade arguida respondido ao parecer do Sr. PGA nos termos que constam de fls. 256 a 261, mantendo a sua argumentação e concluindo pela improcedência do recurso.*
Colhidos os vistos legais realizou-se a conferência.Cumpre, assim, apreciar e decidir.
*
É o seguinte o teor da decisão instrutória proferida em 30.9.2011:O Tribunal é o competente.
O Mº Pº tem legitimidade para exercer a acção penal.
Não existem nulidades, excepções ou questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.
*
A participante e agora Assistente, “D…, S.A.”, inconformada com o douto despacho de arquivamento proferido no final do inquérito a fls. 45 e ss., veio requerer a abertura de instrução, por no seu entender os autos conterem indícios da prática pelos arguidos de, dois crimes de falsificação de documento e dois crimes de Burla, p. e p. pelo art. 256º, nº 1 alínea a) e 217º, nº 1, ambos do C. Penal, tudo conforme melhor se alcança do seu RAI de fls. 77 e ss..Requereu diligências de prova, concretamente, a solicitação de documentação bancária, que entretanto foi junta aos autos.
A seu tempo foi realizado o debate instrutório, com todas as formalidades legais, conforme se constata da respectiva acta.
*
Em conclusões, o Sr. Procurador junto deste TIC, referiu, aderindo à decisão tomada no inquérito, opinando pela inexistência do crime de burla, bem como, do crime de falsificação, pela não verificação da indiciação do elemento constitutivo de tais crimes – o prejuízo. Concluindo, pela não pronúncia dos arguidos;
O Ilustre Mandatário da Assistente: Discorda da posição do Sr. Procurador, reiterou na íntegra as suas considerações constantes no RAI de fls. 77 e ss, quer relativamente ao crime de burla quer ao crime de falsificação, entendendo que, atendendo à prova documental junta nesta fase, a conduta dos arguidos é susceptível da prática pelos mesmos dos crimes que lhe são imputados e nesta conformidade, deve ser proferido despacho de pronúncia;
O Ilustre Defensor do arguido, concordou inteiramente com a posição do Sr. Procurador, reiterando as suas considerações, por também entender que não se verificam os pressupostos de qualquer um dos crimes e nessa conformidade, deve ser proferido despacho de não pronuncia e determinado o arquivamento dos autos;
O Ilustre Defensor da Sociedade co-arguida, concordou inteiramente com a posição do Sr. Procurador, reiterou as suas...
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