Acórdão nº 443/14.2T8PVZ-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 19-10-2015
Data de Julgamento | 19 Outubro 2015 |
Número Acordão | 443/14.2T8PVZ-A.P1 |
Ano | 2015 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Processo nº 443/14.2T8PVZ-A.P1
Origem: Comarca do Porto-Póvoa de Varzim-Inst. Local-Secção Cível-J3
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Rita Romeira
2º Adjunto Des. Caimoto Jácome
5ª Secção
Sumário
I- A herança indivisa ou não partilhada apenas goza de personalidade judiciária enquanto se mantiver na situação de jacente.
II- A partir da cessação daquela situação, operada mediante a sua aceitação por parte dos sucessíveis chamados, passa a não dispor de tal prerrogativa processual pelo que não poderá, em seu próprio nome, desempenhar o papel de parte processual em lide forense, demandar e ser demandada.
III- Enquanto a herança permanecer na situação de indivisão, os seus herdeiros não têm qualquer direito próprio a qualquer dos bens que a integram, pelo que, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nos termos prescritos no artigo 2091.º, n.º 1, do Código Civil.
IV- Da aceitação do cargo de cabeça-de-casal, não decorre aceitação da herança e os actos de administração praticados por ele também não implicam a sua aceitação tácita (artigo 2056.º, nº 3 do CPCivil).
V- Os mecanismos administrativos especiais nos casos de herança jacente ou, ainda, de herança abandonada (artigos 2047.º e 2048.º do Civil e 409.º, nº 2 do CPCivil) justificam-se pela específica situação de falta de titularidade subjectiva de certas situações de jacência e não importam a impossibilidade da existência de cabeça-de-casal nessas situações.
VI- Não existindo nos autos elementos que permitam ao julgador concluir, com certeza, que a herança foi aceite, não pode este considerá-la com falta de personalidade judiciária.
B… e mulher C…, residentes na Rua …, n° .., intentaram contra, Herança de D…, representada pela cabeça de casal E…, residente na …, n.° …, ….-… Póvoa de Varzim, acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré:
a) a proceder à reparação do telhado na residência dos autores, mais concretamente remoção das telhas existentes e sua substituição por novas;
b) na reparação das divisões danificadas no interior da residência dos Autores, cujos danos derivaram, das infiltrações de água ou em alternativa;
c) a pagar aos autores o valor do custo da reparação do telhado e partes do imóvel afectadas com as infiltrações, em montante a liquidar em execução de sentença.
“O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e apresenta-se isento de nulidades que invalidem todo o processado.
As partes gozam de capacidade judiciária e encontram-se devidamente patrocinadas em juízo.
Da excepção dilatória de falta de personalidade judiciária e ilegitimidade passiva Alega a Ré, em sede de contestação, que a presente acção foi proposta contra a herança de D…, representada pela cabeça de casal, alegando que a referida herança, porque conhecidos os seus herdeiros, carece de personalidade judiciária sendo que, ainda, que se considere que a cabeça de casal foi demandada na qualidade de herdeira a acção sempre deveria ter sido proposta contra todos os herdeiros, verificando-se ilegitimidade passiva da mesma.
À matéria da excepção responderam os Autores alegando que a acção é proposta não contra a herança ilíquida e indivisa por óbito de D…, mas sim contra a herança jacente já que desconhecem os sucessores do autor da herança e que tenha havido aceitação da mesma.
Concluem, assim, pela improcedência das excepções invocadas requerendo, caso se decida o contrário, a intervenção principal provocada dos restantes herdeiros.
Cumpre apreciar e decidir.
A personalidade judiciária, nos termos do artigo 11º, nº 1, do Código de Processo Civil, traduz-se, essencialmente, na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida alguma providência de tutela jurisdicional.
Em consonância com o princípio da coincidência entre a personalidade judiciária e a personalidade jurídica, a lei estabelece, no artigo 11º, nº 2, do citado diploma, que quem a última tiver também dispõe da primeira.
A lei atribui, excepcionalmente, personalidade judiciária a entidades que não têm personalidade jurídica.
Assim sucede, nos termos do artigo 12º, alínea a), do citado diploma, com a herança jacente e os patrimónios autónomos cujo titular não estiver determinado.
O referido normativo atribui, assim, excepcionalmente, personalidade judiciária, por um lado, à herança jacente e, por outro, aos patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não esteja determinado.
O conceito de herança jacente, oriundo da lei civil, significa a herança aberta ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado, ou seja, o património da pessoa falecida entre o chamamento dos sucessíveis e a sua aceitação, nos termos do artigo 2046º, do Código Civil.
Assim, enquanto os sucessores não aceitarem tácita ou expressamente a herança, ou esta não houver sido declarada vaga para o Estado, ocorre a referida situação de jacência.
Isso significa, a contrario sensu, que a herança ainda não partilhada, mas cujos titulares quinhoantes estejam determinados por a terem aceite expressa ou tacitamente, não tem personalidade judiciária.
Acresce que a herança indivisa não se subsume, para efeito de lhe ser atribuída personalidade judiciária, ao conceito legal de património autónomo semelhante cujo titular não esteja determinado.
Com efeito, embora a herança indivisa funcione para variados efeitos como património autónomo, este só tem personalidade judiciária se os respectivos titulares não estiverem determinados. No caso dos presentes autos afigura-se-nos que a herança deve ser qualificada como jacente porquanto não existem elementos que permitam concluir que a mesma foi aceite pelos respectivos herdeiros os quais de resto de desconhecem.
Com efeito, não obstante invocar a excepção a Ré não identifica os herdeiros nem alega tão pouco que os mesmos aceitaram a herança ainda que tacitamente.
Face ao exposto improcedem as excepções invocadas porquanto consistindo a personalidade judiciária na susceptibilidade de ser parte a acção teria de ser proposta contra a herança jacente e não contra os herdeiros.
1ª)- Os AA intentam a presente lide contra a Herança de D…, representada pela cabeça de casal E….
2ª)- Face à contestação desta, pretendem ver classificada a herança como jacente (que goza de personalidade judiciária nos termos da al. a) do art. 12 do CPC) por desconhecerem se os herdeiros aceitaram ou não a herança, no que foram seguidos pelo despacho saneador em crise.
3ª)- Reconhecem contudo a existência de outros herdeiros para além da cabeça de casal, facto que esta corrobora.
4ª)- “Diz- se jacente a herança aberta, mas ainda não aceita nem declarada vaga para o Estado”–art. 2046 do CC.
5ª)- Contudo, uma herança jacente não tem cabeça-de casal-assumir o cargo de cabeça- de-casal pressupõe aceitar a herança. Aceite a herança pelo menos por um herdeiro, esta deixa de ser jacente.
6ª)- E… contestou afirmando ter aceite tal cargo de cabeça de casal da R. Como se referiu, é inconcebível o herdeiro assumir o cargo de cabeça de casal sem aceitar a herança. Melhor dizendo, aceitar e assumir o cargo de cabeça de casal é um ato tácito de aceitação da herança.
7ª)- Mais, E… está por si, com procuração passada em seu nome próprio e em defesa dos direitos da herança. Que melhor sinal se pretende de aceitação tácita da herança?
8ª)- A herdeira E… na sua contestação alegou mais factos dos quais resulta tacitamente ter aceite a herança, nomeadamente nos itens 17.º-“ A cabeça de casal, como administradora da herança solicitou à Engª. F… para ir atestar da situação do imóvel.” E no item 32.º - “Acresce referir que a herança não dispõe de condições financeiras para arcar com qualquer obra”.
9ª)- Caso os AA entendessem ab initio que a herança de D… se encontrava jacente (entendimento que, como se referiu, só os iluminou após a contestação da cabeça de casal) outros procedimentos deveriam ter observado.
10ª)- Não vinga igualmente a fundamentação ínsita no despacho em crise de que a Ré (leia-se a representante da Ré mal indigitada pelos AA) não obstante invocar a excepção, não identifica os herdeiros.
Desde logo a cabeça de casal sequer foi interpelado para o efeito.
11ª)- Considerando os AA a herança jacente nos moldes supra referidos e...
Origem: Comarca do Porto-Póvoa de Varzim-Inst. Local-Secção Cível-J3
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Rita Romeira
2º Adjunto Des. Caimoto Jácome
5ª Secção
Sumário
I- A herança indivisa ou não partilhada apenas goza de personalidade judiciária enquanto se mantiver na situação de jacente.
II- A partir da cessação daquela situação, operada mediante a sua aceitação por parte dos sucessíveis chamados, passa a não dispor de tal prerrogativa processual pelo que não poderá, em seu próprio nome, desempenhar o papel de parte processual em lide forense, demandar e ser demandada.
III- Enquanto a herança permanecer na situação de indivisão, os seus herdeiros não têm qualquer direito próprio a qualquer dos bens que a integram, pelo que, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nos termos prescritos no artigo 2091.º, n.º 1, do Código Civil.
IV- Da aceitação do cargo de cabeça-de-casal, não decorre aceitação da herança e os actos de administração praticados por ele também não implicam a sua aceitação tácita (artigo 2056.º, nº 3 do CPCivil).
V- Os mecanismos administrativos especiais nos casos de herança jacente ou, ainda, de herança abandonada (artigos 2047.º e 2048.º do Civil e 409.º, nº 2 do CPCivil) justificam-se pela específica situação de falta de titularidade subjectiva de certas situações de jacência e não importam a impossibilidade da existência de cabeça-de-casal nessas situações.
VI- Não existindo nos autos elementos que permitam ao julgador concluir, com certeza, que a herança foi aceite, não pode este considerá-la com falta de personalidade judiciária.
*
I- RELATÓRIOB… e mulher C…, residentes na Rua …, n° .., intentaram contra, Herança de D…, representada pela cabeça de casal E…, residente na …, n.° …, ….-… Póvoa de Varzim, acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré:
a) a proceder à reparação do telhado na residência dos autores, mais concretamente remoção das telhas existentes e sua substituição por novas;
b) na reparação das divisões danificadas no interior da residência dos Autores, cujos danos derivaram, das infiltrações de água ou em alternativa;
c) a pagar aos autores o valor do custo da reparação do telhado e partes do imóvel afectadas com as infiltrações, em montante a liquidar em execução de sentença.
*
O processo seguiu os seus regulares termos com apresentação de contestação e resposta às excepções deduzidas.*
Datado de 24/04/2015 o tribunal recorrido proferiu despacho saneador do seguinte teor:“O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e apresenta-se isento de nulidades que invalidem todo o processado.
As partes gozam de capacidade judiciária e encontram-se devidamente patrocinadas em juízo.
Da excepção dilatória de falta de personalidade judiciária e ilegitimidade passiva Alega a Ré, em sede de contestação, que a presente acção foi proposta contra a herança de D…, representada pela cabeça de casal, alegando que a referida herança, porque conhecidos os seus herdeiros, carece de personalidade judiciária sendo que, ainda, que se considere que a cabeça de casal foi demandada na qualidade de herdeira a acção sempre deveria ter sido proposta contra todos os herdeiros, verificando-se ilegitimidade passiva da mesma.
À matéria da excepção responderam os Autores alegando que a acção é proposta não contra a herança ilíquida e indivisa por óbito de D…, mas sim contra a herança jacente já que desconhecem os sucessores do autor da herança e que tenha havido aceitação da mesma.
Concluem, assim, pela improcedência das excepções invocadas requerendo, caso se decida o contrário, a intervenção principal provocada dos restantes herdeiros.
Cumpre apreciar e decidir.
A personalidade judiciária, nos termos do artigo 11º, nº 1, do Código de Processo Civil, traduz-se, essencialmente, na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida alguma providência de tutela jurisdicional.
Em consonância com o princípio da coincidência entre a personalidade judiciária e a personalidade jurídica, a lei estabelece, no artigo 11º, nº 2, do citado diploma, que quem a última tiver também dispõe da primeira.
A lei atribui, excepcionalmente, personalidade judiciária a entidades que não têm personalidade jurídica.
Assim sucede, nos termos do artigo 12º, alínea a), do citado diploma, com a herança jacente e os patrimónios autónomos cujo titular não estiver determinado.
O referido normativo atribui, assim, excepcionalmente, personalidade judiciária, por um lado, à herança jacente e, por outro, aos patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não esteja determinado.
O conceito de herança jacente, oriundo da lei civil, significa a herança aberta ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado, ou seja, o património da pessoa falecida entre o chamamento dos sucessíveis e a sua aceitação, nos termos do artigo 2046º, do Código Civil.
Assim, enquanto os sucessores não aceitarem tácita ou expressamente a herança, ou esta não houver sido declarada vaga para o Estado, ocorre a referida situação de jacência.
Isso significa, a contrario sensu, que a herança ainda não partilhada, mas cujos titulares quinhoantes estejam determinados por a terem aceite expressa ou tacitamente, não tem personalidade judiciária.
Acresce que a herança indivisa não se subsume, para efeito de lhe ser atribuída personalidade judiciária, ao conceito legal de património autónomo semelhante cujo titular não esteja determinado.
Com efeito, embora a herança indivisa funcione para variados efeitos como património autónomo, este só tem personalidade judiciária se os respectivos titulares não estiverem determinados. No caso dos presentes autos afigura-se-nos que a herança deve ser qualificada como jacente porquanto não existem elementos que permitam concluir que a mesma foi aceite pelos respectivos herdeiros os quais de resto de desconhecem.
Com efeito, não obstante invocar a excepção a Ré não identifica os herdeiros nem alega tão pouco que os mesmos aceitaram a herança ainda que tacitamente.
Face ao exposto improcedem as excepções invocadas porquanto consistindo a personalidade judiciária na susceptibilidade de ser parte a acção teria de ser proposta contra a herança jacente e não contra os herdeiros.
*
Não existem quaisquer nulidades, outras excepções dilatórias nem peremptórias, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.*
Atento o valor da causa e a simplicidade da matéria controvertida, nos termos do artigo 597º, nº 1, do Código de Processo Civil, determino a simplificação processual designando o dia 11 de Outubro de 2015, às 9h30, neste Tribunal, para realização da audiência de discussão e julgamento, sem prejuízo do disposto no artigo 151º, do Código de Processo Civil”. *
Não se conformando com o assim veio a Ré interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela seguinte forma:1ª)- Os AA intentam a presente lide contra a Herança de D…, representada pela cabeça de casal E….
2ª)- Face à contestação desta, pretendem ver classificada a herança como jacente (que goza de personalidade judiciária nos termos da al. a) do art. 12 do CPC) por desconhecerem se os herdeiros aceitaram ou não a herança, no que foram seguidos pelo despacho saneador em crise.
3ª)- Reconhecem contudo a existência de outros herdeiros para além da cabeça de casal, facto que esta corrobora.
4ª)- “Diz- se jacente a herança aberta, mas ainda não aceita nem declarada vaga para o Estado”–art. 2046 do CC.
5ª)- Contudo, uma herança jacente não tem cabeça-de casal-assumir o cargo de cabeça- de-casal pressupõe aceitar a herança. Aceite a herança pelo menos por um herdeiro, esta deixa de ser jacente.
6ª)- E… contestou afirmando ter aceite tal cargo de cabeça de casal da R. Como se referiu, é inconcebível o herdeiro assumir o cargo de cabeça de casal sem aceitar a herança. Melhor dizendo, aceitar e assumir o cargo de cabeça de casal é um ato tácito de aceitação da herança.
7ª)- Mais, E… está por si, com procuração passada em seu nome próprio e em defesa dos direitos da herança. Que melhor sinal se pretende de aceitação tácita da herança?
8ª)- A herdeira E… na sua contestação alegou mais factos dos quais resulta tacitamente ter aceite a herança, nomeadamente nos itens 17.º-“ A cabeça de casal, como administradora da herança solicitou à Engª. F… para ir atestar da situação do imóvel.” E no item 32.º - “Acresce referir que a herança não dispõe de condições financeiras para arcar com qualquer obra”.
9ª)- Caso os AA entendessem ab initio que a herança de D… se encontrava jacente (entendimento que, como se referiu, só os iluminou após a contestação da cabeça de casal) outros procedimentos deveriam ter observado.
10ª)- Não vinga igualmente a fundamentação ínsita no despacho em crise de que a Ré (leia-se a representante da Ré mal indigitada pelos AA) não obstante invocar a excepção, não identifica os herdeiros.
Desde logo a cabeça de casal sequer foi interpelado para o efeito.
11ª)- Considerando os AA a herança jacente nos moldes supra referidos e...
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