Acórdão nº 4388/18.9T8VIS-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 21-01-2020
Judgment Date | 21 January 2020 |
Acordao Number | 4388/18.9T8VIS-A.C1 |
Year | 2020 |
Court | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
***
I – Relatório
Por apenso a autos de execução que lhes move o “E (…), Ld.ª”, com os sinais dos autos,
vieram os Executados (e ora Embargantes)
1.ª - “A (…), Unipessoal, Ld.ª” e
2.ºs – J (…) e mulher, A (…), também com os sinais dos autos,
deduzir oposição – mediante embargos de executado – a tal execução, alegando, em síntese:
- a inexistência e inexequibilidade do título executivo, visto ter sido dado à execução, já no âmbito do regime processual do NCPCiv., um documento de reconhecimento de dívida, sem a adequada autenticação – esta foi efetuada por advogado, que não observou as exigências legais aplicáveis, inquinando-a do vício de invalidade, posto, por um lado, não ter intervindo no ato de autenticação a devedora principal (Executada “ A (...) …”), não havendo qualquer referência a ela no termo de autenticação, e, por outro lado e por consequência, não ser exigível aos fiadores (os demais Executados), por via desta execução, o pagamento, ante a relação de dependência das obrigações por estes assumidas face às obrigações da sociedade executada;
- o que obriga à extinção da execução, tanto contra aquela sociedade (devedora principal), como contra os Executados pessoas singulares (fiadores);
- acresce, quanto aos fiadores, que do termo de autenticação não constam elementos essenciais, como a naturalidade dos Executados, e do respetivo registo online (obrigatório) consta, erroneamente, “Reconhecimento simples”, o que não corresponde ao registo informático do termo de autenticação, pois teria de constar, diversamente, “Autenticação de documentos particulares”, sendo que a validade do ato (autenticação) depende do seu registo em sistema informático, com a consequência de um registo informático incorreto viciar de invalidade o ato de autenticação, impedindo que o documento particular adquira a natureza de documento autenticado e a força de título executivo;
- acresce ainda que o valor exequendo já se encontra pago.
Concluíram pela extinção da execução e pela condenação da Exequente, como litigante de má-fé, em multa e indemnização.
Liminarmente admitidos os embargos, a Exequente contestou, pugnando:
- pela verificação de todos os requisitos do termo de autenticação;
- ainda que assim não se entendesse, a pretendida inexistência de título executivo não se repercutiria nos 2.ºs Executados/Embargantes, que se constituíram fiadores com renúncia ao benefício da excussão prévia e que sempre poderiam ser demandados sozinhos nos termos do disposto no art.º 641.º do CCiv.;
- pela existência de simples lapso de escrita no concernente ao registo do ato de autenticação, quanto à menção a “reconhecimento simples”, posto ser patente que do que se tratou foi de um termo de autenticação e não de um reconhecimento simples de assinaturas, obedecendo aquele ao único requisito de validade de que a lei faz depender o termo de autenticação, o do registo no sistema informático, só ocorrendo invalidade do ato se o registo for omitido.
Impugnando ainda o invocado cumprimento, concluiu pela improcedência dos embargos e pela condenação dos Embargantes como litigantes de má-fé.
A contraparte, no exercício do contraditório, veio pugnar ainda pela improcedência do incidente de litigância de má-fé e, bem assim, como na sua petição de embargos.
Em audiência prévia, foi proferido despacho saneador, conhecendo-se da matéria de invocada falta de título executivo, âmbito em que foi decidido assim:
«Pelo exposto, julgam-se os embargos procedentes determinando-se, em consequência, a extinção da execução por falta de título executivo.» ([1]).
Inconformada, a Embargada recorre de tal decisão, apresentando alegação, onde formula as seguintes
Conclusões ([2]):
«(…) é firme convicção da Apelante que a decisão recorrida constitui uma errada aplicação das regras de direito.
4. Os Embargantes (…) vieram invocar a inexistência de Título Executivo quanto à sociedade executada A (…), Lda., por esta não constar do Termo de Autenticação e respetivo registo informático.
5. Os Embargantes (…) vieram invocar a inexistência de Título Executivo por falta de registo informático válido, por este ter sido efetuado como reconhecimento simples.
6. Em face disso, e de forma absolutamente inesperada, aquando da realização da Audiência Prévia no âmbito dos presentes autos, e sem que tivesse sido produzida a prova testemunhal arrolada pela Recorrente, a MM Juiz a quo proferiu o respetivo despacho saneador, ora colocado em crise, e através do qual, julgou procedente os Embargos deduzidos pelos Recorridos, por entender que o documentos particular que constitui o título executivo não se consubstanciar num documento autenticado, já que do seu ponto de vista a referida autenticação não obedeceu aos requisitos legalmente exigidos e, por via disso, não poder valer como título executivo.
7. Porém, a verdade é que a argumentação supra explanada carece de suporte legal e factual que a fundamente, conforme infra melhor se demonstrará.
8. Para o efeito, importa considerar que a Exequente deu à execução um documento particular denominado "ACORDO DE ASSUNÇÃO E CONFISSÃO DE DÍVIDA".
9. A Recorrente é titular de um direito de crédito perante a Recorrida "A (…) Lda.,", decorrente no [n]ão pagamento dos serviços prestados por aquela a esta.
10. Apesar, das diversas diligências extrajudiciais levadas a cabo pela Recorrente visando a obtenção da quantia em dívida, a Recorrida, supra identificada não procedeu à liquidação do montante em causa.
11. Na verdade, para a Recorrente não executar os diversos cheques, entregues pela Recorrida e devolvidos por falta de provisão, a Recorrida procurou efetuar um acordo, o que veio a suceder.
12. Com efeito, os aqui Recorridos, ou seja, a sociedade comercial "A (…), Lda.", o sócio único da mesma e a sua cônjuge, assumiram-se solidariamente devedores da Recorrente, o que formalizaram mediante a elaboração e subscrição de uma declaração de dívida (cfr. título executivo).
13. Uma vez elaborada e devidamente assinada a referida confissão de dívida por todos os aqui Recorridos, o Ex.mo Sr. Dr. (…) lavrou o respetivo termo de autenticação, nos termos do preceituado no artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, mediante o qual os Recorridos declararam, através de tal instrumento, terem lido, ficado cientes do seu teor e assinado a referida declaração e que o conteúdo da mesma expressava a vontade de todos.
14. Contudo, os Recorridos incumpriram o referido acordo, ao não ter sido dado cumprimento à primeira prestação acordada.
15. Nem posteriormente procederam ao pagamento das quantias a que se haviam vinculado.
16. Em face disso, e depois de terem sido sucessivamente interpelados a pagar, sem êxito, não restou à Recorrente outra alternativa senão a de instaurar a competente acção executiva contra os aqui Recorridos.
17. Não obstante, a verdade é que mal andou o Tribunal Recorrido ao considerar que o referido documento particular autenticado intitulado de "Acordo de Assunção e Confissão de Dívida", que fundamenta a referida execução, não reúne os requisitos legalmente exigidos para que possa ser considerado título executivo.
18. Só são considerados como títulos executivos aqueles que a lei, expressamente, enumera como tal no artigo 703.º do C.P.C., estando a sua enumeração legal submetida a uma regra de tipicidade, estando vedado às partes não só a atribuição de força executiva a um documento a que a lei não reconheça eficácia de título executivo, como ainda a recusa de um título legalmente qualificado como executivo.
19. In casu, o título executivo que fundamenta a ação executiva consiste num documento particular autenticado por advogado, pelo que de acordo com o estabelecido no artigo 703.º, n.º 1, al. b) do C.P.C., dúvidas não há de que tal declaração elaborada e subscrita pelos aqui Recorridos, devidamente autenticada, reveste a natureza de título executivo.
20. Quanto à exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados, dispõe o artigo 707.º do CPC que os "documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes".
21. Reunidos estes requisitos, no caso em apreço, cumpre então concluir que o documento que serve de título executivo nos presentes autos reveste indiscutível força executiva (exequibilidade extrínseca).
22. Acresce que, decorre do n.º 1 do artigo 363º do Código Civil que a autenticidade, é conferida a um documento por autoridade pública ou oficial público, dotados de fé pública.
23. Contudo, o n.º 2 do artigo 38.º do Decreto-Lei 76.º-A/2006, de 29 de Março, estabelece no âmbito do regime de reconhecimentos de assinaturas e da autenticação e tradução de documento, que advogados e solicitadores podem autenticar documentos particulares, com a mesma força probatória que teriam se tivessem sido realizados com intervenção notarial.
24. Com efeito, o Ilustre Advogado que autenticou o documento particular que constitui título executivo no âmbito dos presentes autos, tinha plena legitimidade para proceder à autenticação do referido documento, limitando-se a agir em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 38.º do DL 76-A/2006, de 29 de Março.
25. Quanto aos seus requisitos legais, cumpre referir que o termo de autenticação deve ser lavrado no próprio documento a que respeita ou em folha anexa (como é o caso) (cfr. artigo 36.º, n.º 4 do Código do Notariado).
26. O termo...
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