Acórdão nº 4382/06.2TBMTS.P1.SI de Supremo Tribunal de Justiça, 05-05-2011
Data de Julgamento | 05 Maio 2011 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 4382/06.2TBMTS.P1.SI |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
AA, Limitada, instaurou em 17/5/2006 acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, contra BB, CC e DD, pedindo:
- Se declare que a autora é proprietária, com exclusão de outrem, dos bens identificados na petição inicial e condenados os réus a assim o reconhecerem e a absterem-se da prática de quaisquer actos violadores do direito de propriedade da autora;
- Sejam os réus condenados a restituir, definitivamente, à posse plena da autora os bens de que esta é proprietária, discriminados na petição inicial;
- Sejam os réus condenados, solidariamente, a pagar à autora o montante equivalente ao preço dos bens desta, identificados nesta acção, que não venham a ser efectivamente restituídos à sua posse;
- Sejam os réus condenados, solidariamente, em indemnização a favor da autora no montante de 1.911.648,30€, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento.
Sumariamente, alega a autora:
No exercício da sua actividade de indústria e comércio de artigos de ourivesaria, a autora entregou esse tipo de artigos ao réu BB, empresário em nome individual, o qual se dedica ao comércio de artigos de ourivesaria;
Com efeito, o réu BB, em Janeiro de 2004, solicitou à autora que lhe entregasse artigos de ourivesaria da sua indústria, pois tinha angariado potenciais compradores interessados na sua aquisição, a quem pretendia mostrá-los com vista à sua eventual venda;
Nesse intuito, atendendo à confiança que tinha no réu BB e porque havia a possibilidade de se poder vir a concretizar negócio rentável, a autora, em Janeiro de 2004, entregou ao réu BB peças de ourivesaria de que é proprietária, da sua indústria, uma vez que, segundo o réu BB, os potenciais compradores haviam mostrado interesse nos artigos;
A solicitação do mesmo réu BB, a autora, em Fevereiro, Maio, Setembro e Outubro de 2004, entregou-lhe, em diferentes ocasiões, mais artigos de joalharia da sua indústria, a fim de que este os exibisse aos potenciais compradores que dizia ter angariado com vista à sua eventual venda;
O valor desses artigos entregues, a preço de custo, ascendeu a 418.479,50€;
Instado o réu BB sobre a concretização da venda das jóias, este informou a autora que as mesmas estavam sendo vistas e avaliadas pelos alegados compradores interessados, em poder de quem se encontravam;
Em Novembro de 2004, o réu BB informou a autora que, ao invés do que ficara acordado, todas os artigos tinham sido dados em penhor ao réu DD, como garantia de vários empréstimos de dinheiro feitos por este banco;
Ou seja, constatou a autora que as suas peças de ourivesaria tinham sido, afinal, utilizadas pelo réu BB, não para serem exibidas a potenciais interessados angariados por este, tal como por ele solicitado e ficara acordado, mas dadas em garantia, penhor, de empréstimos de dinheiro obtidos junto do réu DD;
Deste modo, o réu BB comunicou à autora que não restituiria, como efectivamente nunca restituiu, as jóias daquela;
O réu BB também passou a prometer à autora que ia arranjar uma solução para lhe começar a devolver as peças que se encontravam junto do réu DD;
Em Dezembro de 2005 o réu BB deixou cópia à autora de 173 cautelas de penhor do réu DD, reiterando que as peças tinham sido dadas em penhor nessas cautelas, contra o empréstimo das quantias em dinheiro nelas referidas, por si próprio e por interpostas pessoas das suas relações, tanto quanto a autora sabe, “algumas das quais, por sua vez, também elas angariadoras de outro (s) (falsos/simulados) mutuário (s), a quem o 1º réu entregou as jóias da autora supra referidas e “pediu” que fossem contrair empréstimos em dinheiro à DD, através da constituição de penhores sobre tais objectos na referida loja de penhores, revertendo depois para o 1º réu, para os “intermediários” da relação deste e para o avaliador da loja de penhores de B......C...... com quem o 1º réu estava conluiado, a saber, o 2º réu CC”;
Essas várias pessoas a quem o réu BB, ou interposta pessoa das suas relações, “pedia o favor”, passaram a figurar como mutuários, como se fossem donos e legítimos possuidores dos objectos, o que não eram, arrogando-se falsa e simuladamente – agindo com o conhecimento e em conluio ora com o réu BB, ou com esse réu e o réu CC – como se donos e legítimos possuidores dos objectos que davam em penhor se tratassem, sabendo o réu CC, a trabalhar para o réu DD, que os objectos não eram dessas pessoas;
O réu CC, na qualidade de avaliador e funcionário do réu DD, sobreavaliava as peças com vista a inflacionar o montante mutuado, revertendo as quantias mutuadas para o réu BB e não para os falsos mutuários, o qual “compensava/retribuía” o réu CC e os próprios falsos mutuários;
Por esses factos a autora deduziu, em 11/11/2005, participação criminal contra os réus BB e CC;
Os artigos da autora encontram-se na posse do réu DD, tendo sido proferida, em procedimento cautelar, ordem judicial a esse réu para os não alienar, guardando-os como fiel depositário até decisão definitiva em acção judicial;
Devem os artigos ser devolvidos à autora, reconhecendo-se à autora o direito de propriedade sobre os mesmos;
Os factos ilícitos foram cometidos pelo réu CC no exercício das funções que lhe foram confiadas pelo réu DD;
O réu CC é co-responsável, com dever de indemnizar a autora;
Nos termos do art. 500º do Código Civil, o réu DD é, objectivamente, responsável pelos danos causados à autora pelo réu CC;
Devem os três réus serem condenados, solidariamente, a pagar à autora os valores dos artigos que acabem por lhe não serem restituídos;
A autora padeceu danos com a privação dos artigos de ourivesaria, seja de natureza patrimonial, seja de natureza não patrimonial;
Tratavam-se de grande parte do stock da autora, ficando a autora com muito pouco para manter a sua actividade;
A autora já pouco conseguiu comercializar no ano de 2004 e até à presente data viu-se forçada a abandonar o seu negócio, com total inactividade comercial desde o ano de 2005;
Nos exercícios dos anos 2001 a 2003 a autora teve volume médio de facturação anual na ordem 168.741,94€;
No exercício de 2004, quando foi esbulhada dos artigos, a autora já só logrou apurar um total de “proveitos” de 54.409,55€, o que equivale a cerca de metade dos proveitos obtidos em 2003 e a 1/3 da média anual de 2001, 2002 e 2003, seguindo-se no ano de 2005 um resultado de exercício de apenas 3.792,39€, sem facturação alguma no ano de 2006, ainda em curso;
Considerando o volume de facturação anual nos exercícios de 2001, 2002 e 2003 e a sua margem de lucro, que se situa nos 40%, a autora retirava em média um lucro anual na ordem dos 67.496,78€, o que equivale, em 2004, a uma perda de lucro de 45.732,96€ e em 2005 a um perda de lucro de 65.979,85€, perdas essas de que deve ser ressarcida;
Por outro lado, ainda que a autora seja restituída à posse plena dos seus bens, a mesma terá de suportar desactualização comercial dos mesmos artigos, de valor não inferior a 200.000€;
Em resultado da conduta ilícita dos réus BB e CC, a autora viu muito afectado o bom nome e credibilidade de que até então beneficiava junto de fornecedores e clientela, sem capacidade de obter matérias primas para a sua laboração, caindo em descrédito e vendo-se descredibilizada, numa situação de ruptura irreversível, dano que se avalia, por defeito, em quantia nunca inferior a 250.000€;
Como ainda se encontra em situação de ruptura irreversível, sentenciada a ter de encerrar definitivamente, ainda tem prejuízo futuro de quantia nunca inferior a 1.349.935,60€, ou seja verba equivalente a 20 anos com o referido lucro anual de 67.496,78€.
Na contestação, o réu DD conclui que se deve suspender a instância até que seja proferida decisão no âmbito de inquérito criminal iniciado com a participação da autora de 11/11/2005, julgando-se, a final, improcedente a acção quanto ao réu DD, por não provada, com a sua absolvição do pedido.
Alega o réu DD que o referido processo criminal, ainda na fase de inquérito, é causa prejudicial em relação à presente acção.
Mais alega o réu DD desconhecer os factos invocados pela autora, sendo apenas certo que o réu CC é trabalhador ao serviço do réu DD, com a função de avaliador na sua loja de penhores de B......C.......
Acrescenta que a autora indicia nas suas alegações, no mínimo, incúria ou negligência dela própria na condução dos aludidos negócios, razão pela qual não poderiam tais danos, caso existissem, ter a conexão e o efeito jurídico pretendido.
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Na contestação, o réu CC conclui que se deve julgar a acção improcedente, por não provada.
Sumariamente, alega:
Desconhece a maior parte dos factos alegados pela autora, sendo falsos os outros factos alegados, salvaguardando apenas a alegação de que é normal e frequente, no ramo da actividade da autora, a entrega de artigos de joalharia a terceiros, retalhistas e armazenistas, como forma de se angariarem potenciais compradores dos mesmos artigos;
É verdade que o réu CC exerce as funções de avaliador de metais e pedras preciosas no balcão de B......C...... do réu DD, sendo ainda verdade que se encontra suspenso das suas funções;
Não se conluiou com o réu BB e as avaliações que se referem na petição foram feitas de acordo com os procedimentos normais;
O réu CC, por vezes, pensava que as pessoas que se apresentavam no banco para conseguir o penhor de objectos não seriam as suas legítimas donas e possuidoras, embora arrogassem ter tal qualidade, mas não era o réu CC quem tinha de pôr em causa tal facto;
O réu BB efectuou vários penhores no réu DD, tendo esgotado o seu limite de crédito e, por isso, conseguiu “interpostas pessoas” para conseguir mais crédito;
Como o réu BB foi sempre pessoa cumpridora dos seus deveres de mutuário, não tinha o réu CC que pôr em causa os penhores pedidos pelas pessoas que se apresentavam ao seu balcão...
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