Acórdão nº 438/14.6PEAMD.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 14-07-2016
Data de Julgamento | 14 Julho 2016 |
Case Outcome | PARCIALMENTE PROVIDO |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 438/14.6PEAMD.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
No que aqui importa, o tribunal de 1ª instância, em processo comum e formação colectiva, proferiu acórdão condenando os arguidos
AA:
-a 18 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas g) e j), do Código Penal;
-5 anos de prisão, pela prática de um crime de sequestro, p. e p. pelos artºs 158º, nºs 1 e 2, alínea b), e 86º, nº 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro;
-a 2 anos de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artºs 2º, nº 1, alínea p), 3º, nº 3, e 86º, nº 1, alínea c), da Lei nº 5/2006; e
-em cúmulo jurídico, na pena única de 20 anos de prisão;
BB:
-a 18 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas g) e j), do CP;
-a 8 anos de prisão, pela prática de uma tentativa de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs 131º, 132º, nºs 1 e 2, alínea j), 22º, 23º e 73º, nº 1, alíneas a) e b), do CP;
-5 anos de prisão, pela prática de um crime de sequestro, p. e p. pelos artºs 158º, nºs 1 e 2, alínea b), e 86º, nº 3, da Lei nº 5/2006;
-a 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artºs 2º, nº 1, alínea p), 3º, nº 3, e 86º, nº 1, alínea c), da Lei nº 5/2006; e
-em cúmulo jurídico, na pena única de 25 anos de prisão.
Os arguidos interpuseram recurso dessa decisão para a Relação de Lisboa, que, por acórdão de 09/12/2015, o julgou improcedente.
Desse acórdão os arguidos interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a respectiva motivação nos termos que se transcrevem:
O arguido AA:
«a) A pena cominada peca por excesso, não aplicando a dosimetria penal aos critérios orientadores de fixação da medida concreta da pena que constam do artigo 71° do Código Penal.
b) Devem ser tidas em consideração as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o recorrente - artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal Português.
c) O recorrente colaborou na descoberta da verdade.
d) Demonstrou sincero arrependimento.
e) Filho de Pai incógnito, o arguido sempre trabalhou desde os seus dezasseis anos de idade, continuando os estudos em período nocturno, concluindo o décimo segundo ano de escolaridade, tendo sido dispensado por razões de gestão dos recursos humanos da empresa onde, até então, trabalhava.
f) Para a prática do acto ilícito que cometeu também contribuiu, de forma significativa, a impossibilidade em encontrar trabalho e a consequente precária situação económica em que vivia.
g) Tanto que o recorrente aceitou o que lhe foi proposto, entregando as parcas economias que possuía.
h) O arguido tem mantido um comportamento institucional correcto, ocupando o seu tempo em leituras na cela e no ginásio, aguardando a colocação laboral.
i) Para o presente caso, a aplicação de 20 (vinte) anos de prisão ao recorrente não poderá deixar de considerar-se excessivo, até porque isso mesmo se consegue inferir da análise da diversa jurisprudência resultante do tratamento de casos semelhantes, sem prejuízo de que nenhum resultado positivo releva para a sociedade por força de uma condenação excessiva.
Posto isto, tudo leva a crer que, pelo menos, o disposto nos artigos 40º, 71º e 72º foram aplicados com uma rigidez com que eles não devem, no caso concreto, ser aplicados.
Nestes termos, e no mais de direito que for Doutamente suprido, deve o presente recurso proceder e, consequentemente, ser aplicada ao recorrente uma pena inferior a 20 (vinte) anos de prisão efectiva, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA.
É o que se pede e confiadamente se espera».
O arguido BB:
«1. Nas conclusões 44ª à 47ª do recurso anteriormente interposto para o Tribunal da relação de Lisboa, o ora recorrente postulou que fosse considerado como atenuante geral o facto de as vítimas estarem envolvidas num esquema de engodo, do qual resultou um prejuízo de 3.000 euros.
2. O acórdão recorrido não se pronunciou e nem fundamentou qualquer decisão a esta matéria, a qual não resultou decidida pelo Segundo Grau de Jurisdição.
3. Tal omissão implica a nulidade do acórdão ora recorrido, nos termos do disposto pelo artigo 379º, nº 1, aI. c), do Código de Processo Penal.
4. Devendo ser dado provimento ao recurso para tal fim, determinando-se o reenvio do processo para julgamento, nesta parte.
5. Caso assim não se entenda, a título subsidiário, requer-se seja reconhecida e declarada a violação do disposto pelo artigo 71º do Código Penal, por ter fixado a pena única de prisão em 25 anos, sem ter sido considerada a atenuante geral antes referenciada, qual seja, a do recorrente ter sido vítima de um engodo, devendo tal circunstância ser considerada em seu favor,
Pelo que deverá ser provido o recurso para que, revogada a pena única de prisão aplicada, seja outra fixada abaixo dos 25 anos.
NESTE TERMOS, requer seja provido o presente recurso para que, em conformidade com as conclusões:
-A) Seja, a título principal, declarado nulo o acórdão recorrido, determinando-se o respectivo reenvio;
-B) Caso assim não se entenda, a título subsidiário, seja revogada a pena de prisão aplicada, fixando-se uma nova abaixo dos 25 anos.
Com o douto suprimento de Vossas Excelências».
Respondendo, o MP junto do tribunal recorrido e a assistente CC defenderam a improcedência de ambos os recursos.
Estes foram admitidos.
No Supremo Tribunal de Justiça, o senhor Procurador-Geral- Adjunto emitiu parecer no sentido de que
-o acórdão recorrido enferma da nulidade alegada pelo arguido BB, devendo por isso ser invalidado nessa parte;
-deve ser negado provimento ao recurso do arguido AA, restrito à medida da pena única.
Foi cumprido o artº 417º, nº 2, do CPP.
Não foi requerida a realização de audiência.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Fundamentação:
Foram dados como provados os factos seguintes (transcrição):
1. Em data não apurada do ano de 2014, os arguidos BB e AA conheceram DD, referenciado nos autos por EE e o arguido AA conheceu ainda FF, por estes lhes terem proposto um negócio de duplicação de dinheiro, que consistia na fabricação de notas do Banco Central Europeu através da colagem de papel em notas verdadeiras, que depois eram impregnadas num líquido, sendo que após secagem do papel as notas assim impressas assemelhavam-se, em tudo, a notas do Banco Central Europeu.
2. Por se mostrar interessado na obtenção das tais notas falsas, em data não apurada, o arguido BB entregou, em Vila Franca de Xira, ao referido DD- EE - cerca de € 3 000 (três mil euros).
3. Parte dessa quantia - € 1 000 (mil euros) - foi depois entregue a FF.
4. Acontece que DD e outros indivíduos que com ele se relacionavam não falsificaram quaisquer notas.
5. Por esse motivo, os arguidos AA e BB contactaram por diversas vezes os indivíduos que lhes tinham proposto o negócio, exigindo-lhes a devolução do dinheiro, ou a efectiva contrafacção das notas.
6. Na sequência desses contactos, os arguidos AA e BB aperceberam-se que os indivíduos em causa não pretendiam restituir-lhes o dinheiro nem fabricar quaisquer notas.
7. Assim, os arguidos, no dia 19 de Junho de 2014, contactaram telefonicamente FF, exigindo-lhe a devolução do dinheiro.
8. Cerca das 16 horas e 30 minutos desse dia 19 de Junho de 2014, FF contactou GG, pedindo-lhe que procedesse ele à falsificação do dinheiro.
9. Cerca das 20 horas do dia 19 de Junho de 2014, os arguidos AA e BB encontraram-se no Parque das Nações com GG, o qual conduzia um veículo automóvel de marca Renault, modelo Clio, de cor cinzenta, com a matrícula ...-NH.
10. Ali chegados, os arguidos AA e BB entraram na viatura até então conduzida por GG, obrigando este a sentar-se no banco traseiro, onde também se sentou o arguido BB, sentando-se o arguido AA no banco do condutor.
11. Já no interior da viatura, e na sequência de discussão travada entre o GG e os arguidos, estes ameaçaram o GG, sendo que o arguido BB exibiu uma arma de fogo e desferiu um soco no GG.
12. O arguido BB tinha uma arma de fogo e formulou o propósito de matar os ofendidos FF e GG, por se ter apercebido que tinha sido enganado.
13. Os arguidos puseram o veiculo de marca Renault em marcha e dirigiram-se para casa do arguido BB, em Vila Franca de Xira.
14. Aí chegados, os arguidos amarraram os pulsos do ofendido GG com fita-cola castanha, impedindo-o de se movimentar e fugir, tendo o arguido AA regressado de comboio a Lisboa, onde foi buscar um veículo de marca Peugeot, utilizado pelos arguidos na deslocação a Lisboa.
15. Os arguidos decidiram, então, dirigir-se ao Bairro do Zambujal, na Amadora, onde residia FF, mantendo GG amarrado, sentado agora no banco frontal direito do veículo de marca Renault.
16. Ali chegados, cerca da 01 hora do dia 20 de Junho de 2014, os arguidos AA e BB ordenaram a GG que contactasse telefonicamente FF, pedindo-lhe para que se dirigisse ao exterior da sua residência, sita no nº ....
17. FF saiu da sua residência e o arguido BB aproximou-se de FF e agarrou-o.
18. De imediato, o arguido BB empunhou uma pistola de calibre 7,65 mm (sete vírgula sessenta e cinco milímetros), encostou o cano à região malar do ofendido FF e efectuou, de imediato, um disparo, precedido da afirmação: "eu vou-te matar, cara”.
19. Na sequência do disparo, o ofendido FF caiu ao chão.
20. O projéctil atingiu o ofendido FF no lábio superior direito, fracturou a arcada maxilar direita e perfurou o seio maxilar direito, alojando-se nos tecidos moles e no corpo de C2 à esquerda, onde permanece alojado.
21. Em consequência do disparo, o ofendido FF sofreu graves lesões ao nível mandibular e do pescoço, junto da coluna vertebral, determinantes directa e necessariamente de um período de doença de 74 (setenta e quatro) dias, com igual...
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