Acórdão nº 4374/20.9T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16-02-2023

Data de Julgamento16 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão4374/20.9T8BRG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- RELATÓRIO:

AA, titular do NIF ..., atualmente representada em juízo pelo seu curador nomeado, BB, intentou a presente ação declarativa comum contra CC, titular do NIF ... e marido DD, titular do NIF ..., pedindo:

a) Que seja declarado, e os Réus condenados a tal reconhecerem, que se verificam as faltas e vícios de vontade alegados na petição, mas sobretudo e sucessivamente que os RR. agiram com reserva mental, com dolo, com engano da Autora na ocultação do alcance e sentido da declaração negocial, em contrário da vontade real e conhecida da Autora, erros e vícios que sabiam inquinar o negócio/doação e as declarações proferidas pela Autora e que constituíam fundamento para ser declarado nulo ou anulado o negócio/doação;
b) Em consequência, que seja declarada, sendo os Réus condenados a tal reconhecer, a nulidade e a anulação, com os efeitos previstos no artigo 289.º do Código Civil, ou seja com efeitos retroativos à data da doação (27.07.2010), sendo restituído tudo o que tiver sido prestado, designadamente sendo restituído à Autora a plena propriedade do imóvel objeto da doação, ordenando-se ainda o cancelamento do registo de aquisição a favor dos Réus.
Na sua contestação, os RR. invocaram, além do mais, a autoridade de caso julgado relativamente aos processos n.ºs 416/13.8TBBCL, da Instância Central ..., ... Secção Cível – J..., e 190/16.0T8BCL, da Instância Central ..., ... Secção Cível – J..., que apreciaram já a factualidade invocada nos presentes autos. Conclui pela proibição da repetição de decisão e de contradição com o conteúdo de decisão antecedente já transitada em julgado, a qual deverá culminar com a sua absolvição da instância.
Notificada para responder, a A. veio pugnar pela improcedência da exceção.
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Após, pelo Mmo. Juiz de Direito foi proferida sentença, na qual se lê, além do mais:

“…Resulta, então, da factualidade exposta, que no âmbito dos processos n.ºs 416/13.8TBBCL, e 190/16.0T8BCL, foi já objecto dos mesmos a escritura de doação cuja invalidade é peticionada nestes autos.
Ora, na primeira das referidas acções, a aqui A. pediu a resolução da doação formalizada na escritura pública de 27.07.2010, ou, em alternativa, a sua resolução, fundada no não cumprimento pelos RR. dos encargos da doação.
A acção improcedeu.
Mais impressiva, porém, nos parece a situação emergente do processo n.º 190/16.0T8BCL.
Nesta última acção, a aqui A. deduziu reconvenção contra os aqui RR., pedindo que se opere “a compensação de créditos e débitos, sendo os Autores condenados a reconhecer que são devedores da Ré pela quantia de 78.185,69 €, ou, deduzida por compensação a quantia de 9.107,91€, pela quantia de 69.077,78 €, acrescida de juros de mora á taxa anual e legal”. E qual o fundamento deste crédito, ou seja, qual o facto jurídico – na definição do n.º 4 do art.º 581.º do C.P.C. - de onde provém? Precisamente das obrigações que para os donatários – aqui RR. – resultam da doação.
Verifica-se, então, com clareza que a A. pretende nos presentes autos um efeito de sentido contrário - isto é, com fundamentos incompatíveis - àquele que, designadamente, deduziu na reconvenção no processo n.º 190/16.0T8BCL (…) É, pois, forçoso, a esta luz, ressaltar a evidente incompatibilidade das pretensões manifestadas pela aqui A. no processo n.º 190/16.0T8BCL e nos presentes autos, ambas fundadas no mesmo facto jurídico e sem que a nova factualidade agora introduzida seja superveniente relativamente ao momento do encerramento da audiência de julgamento naquele primeiro processo. A autoridade de caso julgado inviabiliza, pois, esta segunda acção…

sendo a validade substantiva do contrato de doação pressuposto essencial da decisão proferida sobre o pedido reconvencional deduzido no processo n.º 190/16.0T8BCL - e não tendo sido alegado na presente acção qualquer facto cronologicamente novo, isto é, posterior ao momento do encerramento da audiência de julgamento naqueloutro processo -, vedado está a este Tribunal decidir coisa diferente.
Isto implica, designadamente, que a A., depois de ter intentado uma acção de cumprimento das obrigações, que pressupõe a validade do contrato de onde aquelas provêm, não possa agora vir invocar a invalidade do mesmo. Trata-se de questão definitivamente resolvida pelo segundo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no processo n.º 190/16.0T8BCL, não podendo ser objecto de nova decisão em sentido diferente.
E, assim sendo, falecem os fundamentos de facto da presente acção.
Em face de todo o exposto, o pedido deduzido pela A. AA deverá, sem mais, improceder, determinando-se, consequentemente, a absolvição dos RR. CC e DD do mesmo.”
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É desta decisão que vem interposto recurso pela A, a qual termina o seu recurso formulando as seguintes conclusões ( que se transcrevem):

“1-Toda esta matéria atrás transcrita e alegada na petição, causa de pedir desta acção, não foi objecto de alegação e decisão, positiva, por parte do Tribunal nos anteriores processos, cujas causas de pedir e pedidos eram bem diversos.
2-Também das sentenças proferidas não resulta decisão jurisdicional sobre esta matéria agora alegada e pedidos aqui formulados.
3-Por último também não se vislumbra parte decisória que integre o que se designa por “autoridade do caso julgado” que obste ao conhecimento desta matéria que integra uma causa de pedir diferente, como diferentes são os pedidos formulados.
4-Deste modo, os autos não fornecem os elementos necessários a uma decisão e atenta a impugnação que os Réus deles fizeram na sua contestação só após julgamento poderá o Tribunal efetuar um juízo sobre os mesmos e proferir decisão fundamentada.
5-Atenta a causa de pedir nada obsta a que os autos prossigam para julgamento, não se verificando as exceções invocadas.
6-Assim, a decisão proferida, de que ora se recorre, deverá ser revogada e ser ordenada a continuação dos autos, sendo proferido despacho saneador que fixe a matéria controvertida a ser objeto de julgamento, bem como os meios de prova.
7-Na verdade, só assim o Tribunal poderá apreciar os pedidos, nunca antes formulados, no sentido de que a acção seja julgada provada e procedente e:
a)-Ser declarado e os Réus condenados a tal reconhecerem que se verificam as faltas e vícios de vontade alegados na petição, aqui dados por reproduzidos, mas sobretudo e sucessivamente que os RR. agiram com reserva mental, com dolo, com engano da Autora na ocultação do alcance e sentido da declaração negocial, em contrário da vontade real e conhecida da Autora, erros e vícios que sabiam inquinar o negócio/doação e as declarações proferidas pela Autora e que constituíam fundamento para ser declarado nulo ou anulado o negócio/doação;
b)-E, em consequência, ser declarada, sendo os Réus condenados a tal reconhecer, a nulidade e a anulação, com os efeitos previstos no artigo 289º do Código Civil, ou seja com efeitos retroativos à data da doação ( 27.07.2010 ), sendo restituído tudo o que tiver sido prestado, designadamente sendo restituído à Autora a plena propriedade do imóvel objeto da doação, ordenando-se ainda o cancelamento do registo de aquisição a favor dos Réus, que deverão ainda ser condenados nas custas.
8-Foram pelo Tribunal violadas as disposições legais citadas nestas alegações..”
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Os RR apresentaram contra-alegações, com as seguintes conclusões ( que se transcrevem):
“1.ª - Para fundamentar o pedido que formula na presente acção, a autora alega um conjunto de factos que haviam já sido por si invocados nas anteriores acções n.º 461/13...., n.º 372/11.... e n.º 190/16.0T8BCL, que, na sua essência, têm a ver com as condições da doação, o invocado incumprimento das mesmas pelos réus, a alegada apropriação de dinheiros da autora por parte dos mesmos e com a suposta actuação dolosa destes com o propósito de enriquecerem à custa do património da mesma - cfr., entre outros, pontos 10.º, 17.º, 21.º, 22.º, 23.º, 31.º a 34.º da petição inicial
2.º - Todos esses factos foram já definitivamente julgados nas referidas acções anteriores, por conseguinte, por força da autoridade de caso julgado, vedado estava e está ao tribunal voltar a apreciar e decidir de forma diferente essa mesma matéria de facto
- vd. certidão de fls. 432 a 437 v.º e fls. 438 a 443 vº - vd. n.º 2 art.º 580.º CPC - vd. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, págs. 578-579, Rodrigo Bastos, in Notas ao CPC, III, 3.ª ed., págs. 200 e 201 - vd. Ac. STJ de 05.05.2005, Relator: Araújo de Barros, in www.dgsi.pt
3.º - No âmbito das referidas acções judiciais, o Tribunal apreciou já na sua globalidade a aludida escritura de doação efectuada pela aqui recorrente, a favor dos ora recorridos, concluindo pela sua validade, estando, por isso, ultrapassada essa questão.
4.º - Validade essa que a própria recorrente reconheceu existir, tanto mais que, na acção n.º 190/16.0T8BCL fundamentou a reconvenção por si deduzida precisamente no cumprimento das obrigações resultantes para os aqui réus (ali reconvindos) da doação celebrada, o que, obviamente, pressupõe a validade da mesma.
5.º-Todavia,apesar desse evidente reconhecimento, não se coíbe a recorrente de, contraditoriamente, vir agora a estes autos peticionar a declaração de nulidade dessa doação, o que, sempre configuraria manifesto abuso de direito- vd. art.º 334.º CC
6.ª - A recorrente não pode, pois, agora, sob a capa de aparentes “novos factos”, pretender servir-se da presente acção para tentar reverter as decisões judiciais já proferidas, impondo-se, pois, aqui a autoridade de caso julgado que proíbe a repetição de decisão e de contradição do conteúdo da decisão antecedente já transitada.
7.ª - Se o tribunal a quo se debruçasse, novamente, sobre esses mesmos factos, voltando a apreciá-los e, como pretendido pela recorrente, os viesse a decidir de forma diferente, chocaria...

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