ACÓRDÃO N.º 436/2018
Processo n.º 426/2018
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José António Teles Pereira
Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – A Causa
1. No âmbito do processo comum para julgamento por tribunal coletivo n.º 456/14.4JABRG, que correu os seus termos no (agora designado) Juízo Central Criminal de Braga, foi proferido acórdão, pelo tribunal de primeira instância, no qual se decidiu (quanto à vertente criminal) condenar o ali arguido A. (o ora Recorrente), pela prática de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão.
1.1. Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso o arguido e o Ministério Público para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão de 22/05/2017, decidiu anular a decisão e determinou a reabertura da audiência para admissão e valoração das declarações prestadas pelo arguido no primeiro interrogatório judicial.
1.1.1. Reaberta a audiência, o arguido apresentou um requerimento no qual, em suma, arguiu que, no primeiro interrogatório, não foi informado do valor probatório das suas declarações, nos termos do artigo 141.º, n.º 4, alínea b), do Código de Processo Penal (CPP) [“seguidamente, o juiz informa o arguido […] [d]e que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova”], ao contrário da menção constante do auto, no sentido de lhe ter sido dirigida aquela advertência, e concluiu pedindo que as referidas declarações não fossem lidas e admitidas como meio de prova.
Tal pretensão foi indeferido por despacho da senhora juíza que presidiu ao coletivo, despacho este do qual o arguido interpôs recurso, invocando, em apertada síntese, que a gravação do primeiro interrogatório suporta a conclusão de que não houve lugar à referida advertência, concluindo o que se segue:
“[…]
8 – Sempre que o registo áudio do primeiro interrogatório judicial de arguido demonstre de forma evidente e cabal – desde logo por conter o registo de toda a diligência processual – que o arguido não foi informado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 141.º, n.º 4, alínea b), do CPP (ainda que a ata assim o refira), a admissão da reprodução ou leitura das declarações em julgamento, ao abrigo do disposto na norma do artigo 357.º, n.º 1, alínea b), configura uma flagrante violação das garantias da defesa do arguido em processo criminal, tal como consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
9 – E determina a inconstitucionalidade material do artigo 357.º, n.º 1, alínea b), conjugada com o artigo 141.º, n.º 4, alínea b), quando interpretada nos termos supra expostos, por violação das garantias de defesa do arguido em processo criminal (artigo 32.º, n.º 1, da CRP).
[…]”.
1.1.2. Foi proferido novo acórdão, pelo tribunal de primeira instância, condenando o arguido, pela prática de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão.
1.2. O arguido interpôs recurso da decisão final e manifestou interesse na subida do recurso interlocutório referido em 1.1.1., supra. Apreciando estes recursos, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 09/04/2018, julgando-os totalmente improcedentes. Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte, quanto ao recurso interlocutório:
“[…]
– Do recurso interlocutório:
– Começando pela questão suscitada pelo arguido no recurso interlocutório, relativa à inconstitucionalidade do artigo 357.º, n.º 1, alínea b), e do artigo 141.º, n.º 4, alínea b), do Código de Processo Penal, quando não resulte da gravação áudio a advertência constante deste último preceito legal, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Resulta do disposto no artigo 357.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal:
‘1 – A reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo só é permitida:
(…)
b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º’.
E do disposto nom artigo 141.º, n.º 4, alínea b), do mesmo Código de Processo Penal:
‘4 – Seguidamente, o juiz informa o arguido:
(…)
b) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova’.
Do disposto no artigo 99.º do Código de Processo Penal que:
‘1 – O auto é o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os atos processuais a cuja documentação a lei obrigar e aos quais tiver assistido quem o redige, bem como a recolher as declarações, requerimentos, promoções e atos decisórios orais que tiverem ocorrido perante aquele.
(…)
3 – O auto contém, além dos requisitos previstos para os atos escritos, menção dos elementos seguintes:
a) Identificação das pessoas que intervieram no ato;
b) Causas, se conhecidas, da ausência das pessoas cuja intervenção no ato estava prevista;
c) Descrição especificada das operações praticadas, da intervenção de cada um dos participantes processuais, das declarações prestadas, do modo como o foram e das circunstâncias em que o foram, incluindo, quando houver lugar a registo áudio ou audiovisual, à consignação do início e termo de cada declaração, dos documentos apresentados ou recebidos e dos resultados alcançados, de modo a garantir a genuína expressão da ocorrência;
d) Qualquer ocorrência relevante para apreciação da prova ou da regularidade do ato’.
De igual forma prescreve o disposto no artigo 101.º, n.º 4, do Código de Processo Penal:
‘4 – Sempre que for utilizado registo áudio ou audiovisual não há lugar a transcrição e o funcionário, sem prejuízo do disposto relativamente ao segredo de justiça, entrega, no prazo máximo de 48 horas, uma cópia a qualquer sujeito processual que a requeira, bem como, em caso de recurso, procede ao envio de cópia ao tribunal superior’.
Resulta, pois, que obrigatoriamente devem constar do auto da diligência realizada, os atos processuais a cuja documentação a lei obrigar, para fazer fé quanto aos termos em se desenrolaram esses mesmos atos processuais, (artigo 99.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Atualmente encontra-se igualmente consagrada na lei a possibilidade da utilização do registo áudio ou audiovisual, dispensando a transcrição do ato processual, em auto escrito, artigo 101.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.
Da conjugação destes preceitos legais, resulta a prevalência do auto escrito, para a documentação do ato processual, face ao registo áudio desse mesmo ato processual, ou seja, em caso de concorrência de documentação do ato processual, em auto escrito e em registo áudio, só arguindo a falsidade do primeiro, ainda que utilizando como meio de prova o segundo, se poderá invalidar o constante desse registo escrito, pois resulta expresso do citado artigo 99.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que o auto faz fé quanto aos termos em que se desenrolaram os atos processuais.
Contudo, mesmo sendo utilizado como meio de prova, a gravação áudio do mesmo ato processual, terá de ser sempre ponderada, a sua genuinidade e integralidade, ou seja, se reproduz na íntegra o ato processual, não contendo qualquer tipo de corte, interrupção, ou pausa e, se não objeto de qualquer tipo de manipulação posterior.
No caso concreto, existindo manifestamente na gravação efetuada do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, um...