ACÓRDÃO Nº 435/2016
Processo n.º 744/15
3.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), em que são recorrentes A., AG e B. AG e recorrida C., Lda., as primeiras vêm interpor recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de maio de 2015 (fls. 2553-2570), o qual recusou a aplicação, por inconstitucionais, das «formulações normativas» contidas nos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, por violação do disposto nos artigos 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, 20.º, n.ºs 1 e 4, 26.º, n.º 1 e 209.º n.º 2 da CRP, tendo, em consequência, considerado competentes os tribunais do Estado para conhecer do litígio e absolvido a requerida (ora recorrida) da instância.
Assim decidiram os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa (Acórdão de 14/05/2015, fls. 2553-2570):
«(…)
Constitui única questão decidenda saber da conformidade constitucional das normas relativas ao tribunal arbitral necessário, constantes dos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro.
***
A questão decidenda prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas nos recursos, remetendo-se para a matéria de facto constante da decisão impugnada.
***
(…)
xc) No parecer juntos aos autos, da autoria de Gomes Canotilho, sustenta-se, nomeadamente, o seguinte:
- sob pena de inconstitucionalidade material, resultante da violação dos princípios da aplicação direta dos direitos, liberdades e garantias e da vinculação das entidades públicas e privadas (artigo 18.º n.º 1 da Constituição), por um lado, bem como da violação do princípio da reserva constitucional do juiz estadual , por outro, é de entender que tais litígios emergentes de direito de propriedade industrial respeitantes a medicamentos de referência devem ser dirimidos perante tribunais estaduais;
- Assiste-se a uma lesão flagrante do regime geral dos direitos fundamentais, designadamente dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva;
- O regime legal de composição de litígios em questão põe em causa o conteúdo daqueles dois princípios gerais que conferem a proteção jurídico-constitucional mais profunda e efetiva aos direitos fundamentais. Estando em causa uma necessidade de tutela de direitos fundamentais, como são os direitos de propriedade industrial, é de questionar pela razão de ser da discriminação dos seus titulares em sede de proteção jurisdicional. Discriminação que, independentemente dos motivos que lhe estão subjacentes – razões de políticas públicas ou de ordem económica – se processa ao nível de acesso ao direito e aos tribunais, em geral, e da tutela jurisdicional efetiva, em particular. A sujeição, por lei ordinária, da resolução desses litígios a um sistema de arbitragem ‘’forçada’’ ou ‘’necessária’’, significa uma subtração inconstitucional dos titulares dos direitos fundamentais invocados ao exercício do direito fundamental de acesso aos tribunais estaduais para defesa desses mesmos direitos, ao mesmo tempo que coloca indiscutivelmente numa situação de desigualdade, quando confrontados com a proteção jurisdicional conferida a outros titulares de outros tantos direitos fundamentais.
- O próprio iter processual desenhado pelo legislador ordinário no artigo 3.º confirma a conclusão anterior, traduzindo-se numa violação do princípio da proibição do arbítrio ou do princípio da proporcionalidade na sua tripla vertente de adequação, necessidade e de proporcionalidade em sentido estrito: as peculiaridades processuais prescritas naquele artigo transformam a arbitragem necessária numa alternativa desprovida de adequação à proteção ou à tutela jurisdicional efetiva dos direitos fundamentais; a concreta conformação do processo arbitral viola o princípio do due process que postula a proteção dos direitos fundamentais através de um processo ’’jurisdicional’’ adequado.
xci) Lê-se, por outro lado, na 4.ª ed. Revista do Vol II, da CRP. Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, Coimbra, 2010: 551 que ‘’problemática é a questão de saber se a cobertura constitucional dos tribunais arbitrais abrange apenas os tribunais ‘’voluntários’’ (cfr. L. n.º 31/86) , ou seja, os instituídos por vontade dos interessados ,ou também os ‘’necessários’’ (cfr. CPC 1525 e ss; Ac TC n.º 230/86), ou seja, os impostos por lei, visto que estes implicam que os litigantes ficam impedidos de recorrer diretamente aos tribunais ‘’ordinários’’ que normalmente seriam competentes, podendo por isso pôr em causa não apenas o direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 2) , mas também o princípio da igualdade (artigo 13.º)’’.
xcii) Ora, não temos dúvidas em seguir a opinião dos autores citados, e bem assim , entre outros, a de José Acácio Lourenço quando considera que a manutenção da arbitragem necessária no ‘’novo’’ CPC viola e subalterniza o direito fundamental de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos , consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da CRP (ROA, 73: 517 ss).
xciii) Diz este autor:’’ A outra situação em que se afigura haver subalternização do direito de acesso aos tribunais refere-se à arbitragem necessária.
O Livro VI, que é o último na sistemática do Código de Processo Civil, refere-se ao tribunal arbitral necessário e compreende os arts. 1082º até 1085º, sendo, portanto, este o último artigo do Código.
Este livro VI e os correspondentes arts. 1082.º até 1085º reproduzem o que já constava do CPC ora revogado, mais precisamente, os arts. 1525.º a 1528.º do Título II – Do Tribunal Arbitral Necessário, o qual faz parte do Livro IV – Do tribunal Arbitral.
Numa primeira observação, poderá, pois, concluir-se que o CPC se limitou a reproduzir o que já constava do CPC ora revogado.
Na verdade, a matéria relativa à arbitragem voluntária já tinha sido abrogada, desde a aprovação da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto.
Porém, sendo também óbvio que a matéria relativa à arbitragem necessária não se aplica, quer aos tribunais judiciais, quer aos processos...