Acórdão n.º 430/2016

Data de publicação30 Setembro 2016
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 430/2016

Processo n.º 367/13

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é recorrente SECIL, Companhia Geral de Cal e Cimento, S. A. e recorrida a Autoridade Tributária e Administrativa, a primeira vem interpor recurso, ao abrigo dos números 1 e 4 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro e da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pelo Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral Coletivo do CAAD em 30/04/2013 (de fls. 10-30).

2 - Resulta dos autos, com relevância para a situação sub judice, o seguinte.

2.1 - A SECIL, Companhia Geral de Cal e Cimento, S. A., ora recorrente, requereu a constituição de tribunal arbitral para apreciação dos atos de autoliquidação de IRC, relativos aos exercícios de 2010 e 2011, na parte respeitante ao apuramento da derrama estadual, nos montantes de (euro)56.697,15 e de (euro)154.191,20, respetivamente, perfazendo o total de (euro)210.888,35.

A SECIL é sujeito passivo de IRC, sendo tributada pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo que, no ano de 2010, o Grupo Fiscal era composto por seis sociedades (SECIL, Companhia Geral de Cal e Cimento, S. A., CMP - Cimentos Maceira e Pataias, S. A., SECIL Betões e Inertes, SGPS, S. A., CONDID - Conservação e desenvolvimento Industrial, Lda., SICOBETÃO - Fabricação de Betão Pronto, S. A. e VALCEM - Produtos Cimentícios, Lda.) e, no ano de 2011, o Grupo Fiscal era composto por cinco sociedades (SECIL, Companhia Geral de Cal e Cimento, S. A., CMP - Cimentos Maceira e Pataias, S. A., COLEGRA - Exploração de Pedreiras, S. A., SICOBETÃO - Fabricação de Betão Pronto, S. A. e VALCEM - Produtos Cimentícios, Lda.).

O pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade (parcial) e consequente anulação (também parcial) dos referidos atos de autoliquidação de IRC, formulado pela ora recorrente, teve por causa de pedir a inconstitucionalidade do artigo 87.º-A, n.º 2, do Código do IRC, na versão aplicada in casu pela decisão ora recorrida (redação da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho).

2.2 - O Tribunal Arbitral, no acórdão de 30/04/2013, ora recorrido, deliberou «julgar totalmente improcedente o pedido (de anulação dos atos de autoliquidação de IRC do Grupo Fiscal da Requerente, com referência aos exercícios de 2010 e 2011, e de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios)», formulado pela ora recorrente no âmbito do processo n.º 143/2012-T, com a seguinte fundamentação no que respeita, em especial, à questão de constitucionalidade:

«D - O Direito

São as seguintes as questões a apreciar e decidir:

[...]

1.ª Se enfermam de ilegalidade os atos de autoliquidação de IRC do Grupo Fiscal, com referência aos exercícios de 2010 e 2011, na parte respeitante ao apuramento da Derrama Estadual.

Impõe-se ao Tribunal analisar a invocada ilegalidade do artigo 87.º-A, n.º 2 do CIRC, por violação dos princípios que estão na base do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades {designadamente as normas sobre a base de incidência típica do RETGS), bem como a sua inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real, da igualdade ou da proibição de tratamentos discriminatórios ou de soluções arbitrárias, da proporcionalidade e da liberdade de gestão fiscal.

Com efeito, os únicos vícios assacados pela Requerente aos atos de autoliquidação ora em apreço assentam no facto de tais atos terem como fundamento legal o disposto no citado artigo 87.º - A, n.º 2 do CIRC

Pretende a Requerente que a norma seja desaplicada, com fundamento na sua inconstitucionalidade por violação dos artigos 2 º (Estado de Direito democrático, com os inerentes princípios da proporcionalidade e da igualdade), 13.º (princípio da igualdade), 18.º, n.os 2 e 3 (princípio da proporcionalidade), 81.º, n.º 1, alínea f) (liberdade de gestão fiscal que tem por contraponto a obrigação por parte do Estado de promoção da neutralidade fiscal) e 104,º, n.º 2 (princípio da tributação, fundamentalmente, do rendimento real e, em conjugação com o princípio da igualdade, princípio da capacidade contributiva), da Constituição da República Portuguesa, e consequentemente sejam parcialmente anulados os atos de autoliquidação de IRC, na parte correspondente ao montante de (euro) 56.697,15 (exercício de 2010) e de (euro) 154.191,20 (exercício de 2011) num total de (euro) 210,888,35.

Ora, em resumo, a tese de direito defendida pela Requerente assenta no pressuposto de que a norma em causa opera um desvio ao RETGS e que é inconstitucional.

Apesar da novidade da norma em apreço e, por essa razão, da inexistência de jurisprudência dos tribunais judiciais ou dos tribunais arbitrais sobre o assunto, o Tribunal Constitucional, em 09/04/2013, pronunciou-se sobre um recurso de constitucionalidade da norma constante do n,º 1, do artigo 14 da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro (Lei das Finanças Locais) quando interpretada no sentido de que, tendo a derrama municipal como base de incidência o lucro tributável, não é possível a dedução dos prejuízos fiscais de exercícios anteriores, por violação dos princípios da igualdade tributária (cf. artigo 13.º, da CRP), da capacidade contributiva, e da tributação das empresas pelo lucro real (cf. artigo 104.º, n.º 2, da CRP),

Esta decisão do Tribunal Constitucional, pese embora respeitante à derrama municipal, foi ponderada pelo Tribunal Arbitral Coletivo, na medida em que a posição defendida pela Requerente assenta em pressupostos semelhantes àqueles que o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se, como adiante se exporá.(1)[(1) Acórdão n.º 197/2013, proferido pela 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, em 09/04/2013, no processo n.º 602/12, relatado pelo Senhor Conselheiro José da Cunha Barbosa.]

Vejamos em primeiro lugar, a norma em causa, com a redação aplicável aos exercícios ora em apreço:

[...]

Será que esta norma contende com os princípios que estão na base do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, designadamente as normas sobre a base de incidência típica do RETGS?

Entendemos que não, vejamos porquê.

Os grupos têm diversas especificidades, designadamente aquelas a que a Requerente faz apelo e que se encontram plasmadas nos Doutos Pareceres juntos.

Com efeito, nas sociedades em relação de grupo encontra-se legitimado o exercício de um poder de direção da sociedade-mãe sobre as outras sociedades do grupo, traduzido no poder de lhes dirigir instruções (cf. artigo 503.º do Código das Sociedades Comerciais ex vi artigo 491.º do mesmo diploma).

As sociedades pertencentes a um grupo habitualmente não desenvolvem a sua atividade e gestão de modo independente do grupo e respetivos interesses, mas têm antes uma gestão unitária.

É certo, que nem sempre esta realidade empresarial unitária foi entendida e retirados os devidos corolários da constatação da sua existência.

Como refere e bem a Requerente, "tomou a dianteira o direito das sociedades comerciais, com o Código das Sociedades Comerciais aprovado peto Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro (cf. artigos 481.º a 508, º do referido diploma). E seguiu-se-lhe, quase logo a seguir, o Código do IRC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro (cf. o regime de tributação pelo lucro consolidado - do grupo de sociedades - então previsto no seu artigo 59.º). Com a substituição do regime de tributação peio lucro consolidado pelo atual Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), operada peia Lei 30-G/2000 de 29 de dezembro, houve simultaneamente um "recuo simplificador" (...), que levou a que voltassem a ser relevantes fiscalmente as operações intragrupo, e um avanço no reconhecimento fiscal da realidade "empresa plurissocietáría": a aplicação do regime fiscal dirigido a essa realidade específica passou a ser um direito potestativo (opção) do contribuinte, por oposição a uma faculdade de pedir a sua aplicação, sujeita a autorização da AT, que era o que existia enquanto vigorou o antecedente regime da tributação pelo lucro consolidado (cf., no âmbito do RETGS, o atual artigo 69.º do Código do IRC). (...) O lucro (ou prejuízo) real, quando se está perante o grupo societário, perante a unidade económica grupo, sujeita a gestão/orientação unitária desencadeada peio poder dominante da sociedade-mãe, é o lucro do grupo (somas das partes) e não o lucro (ou prejuízo) de cada uma das suas partes integrantes."

Até aqui estamos de acordo com a Requerente, mas há um salto lógico que não podemos subscrever. É que o facto de aos grupos de sociedades se poder aplicar o RETGS, caso o grupo pretenda, sendo apurado o lucro/prejuízo do grupo para efeitos de tributação em IRC, não significa que qualquer outro imposto, como é o caso da derrama estadual, esteja vinculado ao lucro do grupo e não possa ter como base de incidência o lucro de cada uma das empresas que constituem o grupo. Neste sentido concordamos com decisão anterior do Tribunal Arbitral (2) [(2) Decisão do Tribunal Arbitral proferida em 28/11/2012, no processo n.º 87/2012-T.] quando refere que "o regime previsto nos artigos 63.ºa 65º (hoje artigos 69.º a 71º) do CIRC foi criado pelo legislador, diretamente, para a tributação por IRC e não para quaisquer outros impostos".

O regime de tributação dos grupos, nomeadamente o artigo 70.º do Código do IRC, segundo o qual "O lucro tributável do Grupo ê calculado (...) através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo" não nos parece impedir o legislador de, no cálculo da derrama estadual, ora em apreço, determinar a aplicação da taxa da derrama ao...

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