Acórdão nº 430/19.4T8PNF.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 28-06-2024
Data de Julgamento | 28 Junho 2024 |
Número Acordão | 430/19.4T8PNF.P1 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel - Juiz 1
Autor: AA
Rés: A...” e
B...., S.A.
______
Nélson Fernandes (relator)
Rui Penha
Eugénia Pedro
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
1. Nos presentes autos de processo especial, emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado AA, figurando como entidade responsável “A...”, pessoa coletiva de direito alemão e com sede na Alemanha, realizada na fase conciliatória, em 1 de abril de 2022, a tentativa de conciliação, resulta do respetivo auto nomeadamente o seguinte:
«(…) Sinistrado: AA, (…) Endereço: Rua ..., ..., ... ...
Entidade Responsável: A..., que se fez representar pelo mandatário o Exm. Sr. Dr. BB com procuração/substabelecimento a fls. 250.
Iniciada a diligência pelo:
SINISTRADO foi dito: Que no dia 30 de maio de 2017, cerca das 10:30 horas, na Alemanha, foi vítima de um acidente de trabalho quando exercia as funções de pedreiro de 1ª sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora com a designação “B.... Lda”, domiciliada na Estrada ..., ... - ..., Edifício ..., ... ..., mediante a retribuição horária de €. 13,25, perfazendo o montante mensal de €. 3.498,00 x 12 (total anual de €. 41.976.00), cuja a responsabilidade estava transferida para a Seguradora “A...”.
O acidente ocorreu quando estava a cortar uma chapa metálica com uma rebarbadora e foi atingido pela mesma máquina na mão esquerda.
Submetido a exame médico no gabinete médico-legal de ..., foi-lhe atribuído o grau de incapacidade de 16,080% e fixada a data da alta em 28 de maio de 2018, cujo resultado declara aceitar.
Não lhe foram pagas todas as indemnizações e demais despesas acessórias que eram devidas até à data da alta.
Reclama a pensão anual e vitalícia de €4.724,82 devida a partir de 29 de maio de 2018, calculada com base na retribuição anual de €. 41.976,00 x 70% x IPP de 16,080%, nos termos do disposto no artº 48º, nº 3, alínea c) e 75º, nº 1, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, bem como a quantia de €. 20,00 relativa a despesas de deslocações obrigatórias ao gabinete médico-legal de ... e a este Tribunal.
Reclama, ainda, a quantia de €. 3.635,55 de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporárias.
Não se opõe e requer o pagamento dos valores acima através de transferência bancária, indicando para o efeito - IBAN: (…)
Pelo legal representante da Companhia de Seguros foi dito: Admite que o sinistrado no dia 30 de maio de 2017, cerca das 10:30 horas, na Alemanha, sofreu um acidente quando exercia as funções de pedreiro de 1ª naquele país por força de destacamento pela empresa “B.... Ldª”.”
Aceita, assim, que o sinistrado sofreu um acidente e, bem assim a respetiva caraterização como acidente de trabalho.
Porém, entende que os Tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer dos factos em causa nestes autos.
Sem prescindir: Mais pugna e caso assim se não entenda, que o caso seja analisado à luz da lei alemã aplicável.
Ainda sem prescindir: Defende que a responsabilidade infortunística decorrente do sinistro em causa nos autos se encontrava transferida para o sistema de segurança social alemão e o sinistrado aceitou a reparação das consequências do sinistro ao abrigo desse mesmo regime.
Sempre sem prescindir: Caso se entenda aplicável a lei portuguesa em tribunal português, devem ser chamados à ação a entidade patronal e sua entidade seguradora portuguesa.
Também sem prescindir: Não aceita o resultado do exame pericial realizado no GML no que tange aos períodos de incapacidades temporárias assim como não aceita a atribuição de IPP ao sinistrado, o qual considera curado sem qualquer desvalorização.
Não aceita pagar qualquer valor ao sinistrado pelos períodos de incapacidade temporária identificados pelo sr. Perito médico-legal porquanto, ao abrigo do regime alemão aplicável pagou já valor superior ao devido quanto a tais períodos de incapacidade.
Assim, não aceita responsabilizar-se pelas consequências do sinistro e daí que não se concilia.
PELO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, FOI DITO: Dada a posição assumida pelas partes, dava-as por não conciliadas. (…)»
2. Desencadeou AA, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, a fase contenciosa do processo, apresentando petição inicial, na qual indicou como Ré A..., pessoa coletiva de direito alemão e com sede na Alemanha.
2.1. Na contestação que apresentou, no que ao presente recurso importa, começou a Ré por excecionar a incompetência internacional dos tribunais portugueses, defendendo que a competência assiste aos tribunais alemães, concluindo a sua contestação nos termos seguintes:
«(…) A) deverá a exceção de incompetência Internacional dos tribunais portugueses ser julgada procedente por provada, e, em consequência, ser a mesma absolvida da instância;
Sem prescindir,
B) deverá ser aplicável a lei alemã;
Sem prescindir
C) deverá o pedido de intervenção principal provocada da B...., Lda. e de eventual entidade seguradora ser julgado procedente, sendo, tais entidades citadas, para os devidos e legais efeitos;
E
D) deverá a exceção de ilegitimidade passiva da R./seguradora ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser a mesma absolvida da instância;
Sem prescindir
E) deverá a exceção extintiva da obrigação de reparação do sinistro ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser a mesma absolvida dos pedidos;
Sem prescindir, em todos os casos
F) deverá a presente ação ser julgada improcedente por não provada e, em consequência ser a R. absolvida dos pedidos contra si deduzidos.»
2.2. Respondeu o Autor, pugnando, para além do mais, pela improcedência da alegada exceção.
2.3. Determinada nos autos a respetiva intervenção, apresentou-se B...., S.A., a contestar, excecionando também a incompetência internacional dos tribunais portugueses, para concluir, a afinal, do modo seguinte:
«Nestes termos, e nos demais de direito que doutamente se suprirão, deve a presente ação, no que à 2.ª Ré diz respeito, ser julgada integralmente improcedente, sendo a 2.ª Ré integralmente absolvida de todos os pedidos formulados contra si nos presentes autos.”
2.3.1. O Autor e a Ré apresentaram respostas.
3. Seguindo os autos os seus termos subsequentes, aquando do saneamento dos autos, em 1.ª instância, conhecendo da invocada exceção, foi proferida decisão de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julga-se procedente a excepção de falta de competência internacional dos Juízos do Trabalho Portugueses e:
1) Absolve-se a R. A... da instância;
2) Julga-se extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto à interveniente B...., Lda..
Custas a cargo do A., nos termos do disposto no artigo 527º nºs. 1 e 2 do CPC, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.”
3.1. Notificado, apresentou o Autor requerimento de interposição de recurso, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1- Com o presente recurso pretende o Autor impugnar a decisão proferida quanto à matéria de direito, considerando incorretamente interpretado e aplicados os artigos 10º nº 2, 15º do CPT, artigos 2º e 3º do regulamento (CE) nº 44/2001;
2- Senão vejamos, o Autor é português, reside e sempre residiu em Portugal, mais concretamente no concelho ..., tendo celebrado um contrato de trabalho e um acordo de destacamento temporário de trabalhador a termo em Portugal, com uma empresa que tem sede em ..., mais concretamente na Estrada ..., ..., - ..., Edifício ...., ... ...;
3- Ocasionalmente, no exercício das suas funções, sob ordens, fiscalização e orientação da sua entidade empregadora, deslocava-se a outro País, nomeadamente a Alemanha, onde sofreu um acidente de trabalho;
4- Ora, não é pelo facto de ser destacado ocasionalmente para outro país, que signifique que a sua residência altere, para cada local diverso onde está contratualmente obrigado a prestar funções, não podendo entender como coincidentes os termos “local de exercício de funções” e “domicilio”;
5- O sinistrado nunca alterou a sua residência, para fora de Portugal.
6- Assim, tendo em consideração o supra exposto deve o Tribunal Português ser considerado internacionalmente competente para conhecer do mérito da causa;
7- A competência internacional é um pressuposto processual – uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa;
8- Afere-se pelos termos em que a ação é proposta, atendendo-se aos fundamentos invocados e ao pedido formulado, “pela natureza da relação jurídica tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida – pedido - e os respetivos fundamentos - causa de pedir”, sendo irrelevantes circunstâncias que venham a ocorrer posteriormente;
9- Tendo em consideração, os termos da acção delineados pelo autor na Petição inicial, impõem-se concluir que este tribunal é internacionalmente competente para a tramitação da presente ação, veja-se neste sentido o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 10/12/2009, disponível em www.dgsi.pt,com o n.º de processo: 09S0470). E ainda o Acórdão da RP de 27 de setembro de 2017 (CJ, Coimbra, 1976-, ISSN 0870-7979. - A. 42, tomo 4, n.º 281 (agosto-outubro 2017) p. 222-225);
10 - O Regulamento (EU) nº 1215/2012, de 12 de dezembro relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, mais concretamente no ponto 18, que estabelece que no respeitante aos contratos de seguro, de consumo e de trabalho, é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral;
11 - Na verdade, o artº 6º do RJAT (Lei º 98/2009, de 04/09) permite ao sinistrado optar pela aplicação da legislação portuguesa à reparação do...
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