Acórdão nº 43/12.1JDLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 24-02-2021

Data de Julgamento24 Fevereiro 2021
Case OutcomeNEGADO PROVIMENTO
Classe processualRECURSO PENAL
Número Acordão43/12.1JDLSB.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


Acordam, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça


1. RELATÓRIO

1.1. No Juízo Central Criminal de .........- Juiz ... - no processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo a arguida AA, filha de CC e de DD, natural da freguesia ......., concelho ......, nascida a ......, com residência na Rua ........,....., atualmente reclusa no Estabelecimento Prisional ......, por acórdão de 04JUN20 foi condenada em cúmulo jurídico das penas aplicadas nos presentes autos e das penas aplicadas no âmbito do processo nº 256/11...., da ... Vara Criminal ....., na pena única de 10 (dez) anos de prisão.

1.2. Inconformada com o acórdão dele interpôs recurso a arguida que motivou, concluindo nos seguintes termos: (transcrição):

«1) A recorrente no cômputo de penas (antes do cúmulo) tinha 2 penas cujo cômputo somava 11 anos de prisão;

2) O Tribunal a quo em Cúmulo Jurídico condenou a recorrente na pena de 10 anos de prisão, cuja pena é manifestamente excessiva;

3) O seu companheiro e coautor nos 2 processos em que a recorrente foi condenada, foi condenado nas mesmas penas e tinha mais 2 penas cujo cômputo, no total perfazia 12 anos e 2 meses de prisão, e em Cúmulo Jurídico de penas foi condenado em 8 anos e 8 meses de prisão;

4) A pena aplicada à aqui recorrente é excessiva e desproporcional, quanto mais avaliada e considerada em termos paritários, equitativos e de razoabilidade de senso humano e jurídico;

5) A correcta avaliação dos factos e da personalidade da recorrente AA - sobre quem o seu companheiro e coautor nos crimes por ela praticados -, tinha considerável ascendência, não permitem que à mesma, em cúmulo jurídico, seja considerada e aplicada pena superior à do condenado BB;

6) Valoração que os dois tribunais de julgamento, dos respetivos processos em que os arguidos foram condenados valoraram em igual de grau, mas que os Tribunais de realização de Cúmulo valoraram diferentemente;

7) A diferente personalidade dos agentes (ela mais ansiosa, com propensão nervosa, e sobretudo quando abordada com a morte….., com embargo na voz, contorções do corpo lhe condicionam o raciocínio e expressões e ele muito bem-falante, com boa colocação de voz, com expressão gestual), podendo implicar ou condicionar a valoração da personalidade, não o deve ser de tal forma acentuada e desproporcional como a que decorre no supra exposto;

8) Quanto mais, como no caso presente, o recluso depende da companheira, reclusa, aqui recorrente e dos familiares desta, que lhe têm garantido algum apoio económico, moral, social e familiar;

9) Pois são os familiares da aqui recorrente a base de apoio (visitas e ajuda), assim como lhe podem garantir ocupação em ......... (familiar), mas que a arguida, quando questionada não teve a capacidade de tal referir!

10) O Acórdão recorrido viola o disposto no artº 127º do CPP, com referência aos artº 71º e 77º e 78º do CP, cuja interpretação e aplicação destas normas, deve ser no sentido de à recorrente ser aplicada pena de prisão inferir a 8 anos e 8 meses.

Termos em que, nos demais e melhor de direito e douto suprimento de Vª. Exas., se requer:

1) A revogação do douto Acórdão recorrido;

2) A emissão de Acórdão que condene a recorrente em Cúmulo Jurídico de Penas, em pena de prisão inferior a 8 anos e 8 meses.

1.3. Na 1ª Instância houve Resposta do Ministério Público, o qual se pronunciou pela improcedência do recurso, concluindo nos seguintes termos:

«- A pena única de dez anos de prisão deve ser mantida;

- Foram devidamente interpretadas as disposições dos artºs. 127º, do Código de Processo Penal, e 71º, 77º e 78º, do Código Penal.

Pelo exposto, deve o acórdão recorrido confirmar-se «in totum».

Assim fazendo. farão os Exmºs. Srs. Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, a e Habitual JUSTIÇA.

1.4. Neste Tribunal a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso nos seguintes termos:

«1. Por acórdão proferido em 4 de Junho de 2020, pelo Juízo Central Criminal .........– Juiz ...-Tribunal Judicial da Comarca ............, vem a arguida - AA - condenada na pena única de dez (10 ) anos de prisão.

Em tal decisão, como melhor se retira da sua leitura, procedeu-se ao conhecimento superveniente do concurso, integrando as penas parcelares dos autos em epígrafe, designado por processo A, e as penas parcelares em que a arguida fora condenada no proc. n º 256/11......, da então ... Vara Criminal ........., ora, processo B.

Inconformada com o julgado, dele vem interposto recurso per saltum circunscrito ao reexame da matéria de direito, como se das conclusões extraídas.

2. Na sua resposta o MP na instância refutou a afirmação da recorrente, de que a pena única em que vem condenada, se mostra «excessiva e desproporcionada», coonestando, outrossim, os fundamentos da mesma, exarados na decisão pelo Tribunal Colectivo, pondo também em destaque, o facto de o montante com que a recorrente e o co-arguido -BB- se locupletaram ascender a - 447 600,00€-.

3. Decorre das conclusões recursórias que fixam o objecto do recurso, sem embargo dos poderes de cognição ex officio da instância apelada, que o mesmo se centra na determinação da medida da pena única.

Como flui com inteira clareza do acórdão impugnado, a recorrente por acórdão de 8 de Junho de 2017, proferido neste processo, foi condenada nas seguintes penas parcelares:

Pela comissão (2011) em co-autoria material de um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217º, n º 1, do Código Penal, na pena 1 ano e 5 meses de prisão;

Pela comissão (Janeiro 2012) em co-autoria material de um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217º, n º 1, do Código Penal, na pena 1 ano e 4 meses de prisão;

Pela comissão (entre Abril e 21 de Agosto de 2012) em co-autoria material de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, n º 1 e 218º, n º 1, ambos do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

Na pena única de três (03) anos e seis (06) meses de prisão.


3.1. Por seu turno, mediante acórdão proferido em 10 de Abril de 2012, no processo nº 256/11......, da ... Vara Criminal ........, foi a recorrente objecto das seguintes condenações:

Pela prática de 7 crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, 1 e 218º, n º s 1 e 2, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão- por cada um;

Um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigo 217º, n º 1 e 218º, n º s 1 e 2, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão-por cada um;

Pela prática de quatro crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, n º 1 e 218º, n º s 1 e 2, alínea a) e 3, ambos do Código Penal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão - em relação a um - e na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, em relação aos restantes três;

Pela prática de doze crimes de falsificação de documento, na forma continuada, p. e p. pelos artigos, 30º, n º 2, 256º, n º s 1, alíneas c) e d) e 3, todos do Código Penal, na pena de oito meses de prisão, por cada crime.

São estes os vinte e sete crimes, que visto o ACFJ n º 9 / 2016, in DR. 111/2016, S I de 09.06.2016, in casu integram o conhecimento superveniente do concurso. Infracções criminais, cometidas num largo período temporal, de 2007 a Agosto de 2012, com recurso a duas áreas de actuação: a «mediação» imobiliária e a venda de «quadros» que lograram convencer os lesados que eram da autoria de conceituados pintores.

Na determinação da pena única, como se sabe, o tribunal haverá que atender para além do critério geral - CP 71º- (fundado no binómio culpa / prevenção) ao chamado critério especial- que implica da parte do julgador a consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, na sua interrelação, como a doutrina e a jurisprudência do STJ, vêm reiterando .Revela aqui, a indagação da imagem global do facto, que permite a superação de uma visão atomística da pluralidade de crimes, (cf. Cristina Líbano Monteiro, " A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes" in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n º 1, págs. 151 a 166) desligada do conjunto dos factos, e da sua conexão com a personalidade do agente, em ordem, como defende inter alii Figueiredo Dias, ajuizar se estamos perante alguém com tendências criminosas (quando não-uma «carreira criminosa») ou simplesmente pluriocasonalidade, que não radica na personalidade do agente, mas antes em factores exógenos.(Cf. Figueiredo Dias, in "Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime", Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1 e § 421, págs. 291/2) .

Seria redundante, perante a clara indagação e ponderação feita nesta sede pelo Tribunal Colectivo, tecer mais considerações, sendo apenas de destacar que se concluiu e bem, haver «assim, indubitavelmente, uma tendência criminosa para obter proveitos económicos à custa do logro e do engano de terceiros». Aliás, a recorrente que é licenciada em ...... e foi funcionária......, tendo-se aposentado em 1990, não enveredou com o co-arguido - BB - seu companheiro pela «deviance» como nunca mostrou interiorizar o desvalor de tais condutas, que prosseguiu, mesmo quando estando submetida à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação( (cf. facto provado sob o n º 566).

3.1.2. Temos assim que a moldura do concurso vai de 2 anos e 6 meses a 25 anos, de prisão - CP 77º, n º 2. Ou seja, à pena mínima acrescem 22 anos e 6 meses, o equivale a 270 meses. Sendo certo que se verifica a existência de um conjunto de penas que se devem considerar pelo seu quantum baixas, não poderá deixar de relevar em sentido desfavorável á recorrente que dos «factos em relação» emerge uma personalidade unitária com tendência para a prática dos crimes em apreço». Neste conspecto, afigura-se-nos que na formação da pena única, se observaram os critérios legais, incluindo a exigência de propor...

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