Acórdão nº 428/09.0PBELV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06-09-2011

Data de Julgamento06 Setembro 2011
Número Acordão428/09.0PBELV.E1
Ano2011
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam, precedendo conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I- Relatório
Nos autos de processo comum do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Elvas foram submetidos a julgamento os arguidos (…), melhor identificados nos autos, sob acusação da prática, por cada um deles, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art. 153.º n.º1 e 155.º n.º 1, alin. a) do Código Penal.

Por sentença proferida a 29 de Setembro de 2010, o tribunal condenou o arguido (…), pela prática do referido crime de ameaça agravada, na pena de 110 dias de multa à taxa diária de €6,00, no montante total de €660,00, e condenou o arguido (…), pela prática de um crime da mesma natureza, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de €5,00, no montante total de €700,00.
Não conformado, o arguido (…) veio interpor recurso, nos termos que constam de fls.141 a 168 pugnando pela revogação da sentença e absolvição do crime por que foi condenado, ou, na hipótese de se configurar a prática de crime, seja o arguido condenado pelo crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153.º do CP, com as consequências legais daí decorrentes.
Extraiu da correspondente motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1- O recorrente não se conforma com a sua condenação, pelo crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153. ° e 155.° n.º 1 alínea a) do Código Penal.
2- O Tribunal a quo, andou mal, na medida em que dá por provado factos na estrita parte em que refere, no que ao arguido (…) tange, o seguinte "disse-lhe, em tom intimidatório e com foros de veracidade, em castelhano "té dói una paliza de muerte", após o que o queixoso fechou a porta de casa"
3- Tal não corresponde à verdade, e só grosseiramente, afastando um exame crítico da prova, se poderá considerar provado.
4- O tribunal a quo desconsiderou parcialmente os depoimentos do queixoso, e da testemunha (…) na parte em que favoreciam o arguido e eram contraditórios entre si, tal como desvalorizou o depoimento sincero e coerente do arguido, prejudicando-o, e afastando assim o real acontecimento, e a justeza da decisão.
Depoimentos gravados com as seguintes referências, respectivamente:
20100916145528_54424_64326 de 14:55:28 a 15:12:39 ;
20100916151318_54424_64326 de 15:13:18 a 15:30:23 ;
20100916144501 _54424_64326 de 14:45:01 a 14:54:38.
5- O tribunal a quo não levou na devida conta factos que impunham uma decisão diversa da proferida, decorrentes das sobreditas testemunhas e do próprio arguido.
6- É de se concluir que: o arguido e o queixoso já se conheciam, tendo este trabalhado para aquele.
7- Que, mesmo após o fim do contrato de trabalho, as relações entre ambos eram bastante cordiais, e que o queixoso habitava uma casa do arguido (…), em Elvas, na Rua (…).
8- Que o arguido (…), veio morar para Elvas, para a casa onde inicialmente residia o queixoso, e que por via disso e do fim do contrato, o queixoso e a sua companheira, foram morar, para a mesma rua, mas para uma casa, propriedade da filha do arguido (…).
9- Que foi, inclusivamente, o arguido (…) que falou com a sua filha para irem aqueles, habitar a casa.
10-Que, eram, por via disso, vizinhos.
11- Que, o arguido (…), no indicado dia, deslocou-se a casa do queixoso e da sua companheira, e tocou à campainha.
12-Que o queixoso, saiu de sua casa, indo ao encontro do arguido (…) à porta do prédio.
13-Que o queixoso não deixou entrar o arguido (…).
14-Que a expressão, pela qual o arguido (…) foi condenado num crime de ameaça, a saber: "Te dói una paliza de muerte", não foi proferida por este, e que na dúvida, deverá ser considerada como não provada.
15-E dúvidas bastantes existem.
16-Nem o queixoso, aqui testemunha, (…), nem a sua companheira, também ela testemunha, (…), referiram de forma exacta e espontânea a expressão "té dói una paliza de muerte", nem em Português sequer.
17-Apesar de inquiridos com clareza e especificidade, sobre as concretas expressões utilizadas;
18- Não obstante, obrigatoriamente, e da mesma forma, se deveria ter considerado provado, por relevante para a causa: que, o diálogo mantido entre o (…) e o arguido (…), foi, para além de presencial, muito rápido, como o queixoso indicou, e supra se transcreveu, um bate boca, um frente a frente (veja-se para o efeito a transcrição do depoimento da …)
19- O (…), queixoso, referiu, que a expressão em causa, para além de ter um significado, que segundo ele, ofenderia o seu corpo, não a sua vida, reconheceu, ainda, que também não é "nenhum Trinca espinhas".
20- Pelo que, atenta as proferidas declarações, facilmente se deduz, que o queixoso Ivo, não só não teve medo, como a expressão em causa "Te dói una paliza de muerte", a ter existido, não teve a potencialidade de criar medo, temor ou inquietação, e bem assim, limitar a sua liberdade.
21- Considerando as transcrições enunciadas neste recurso e, considerando os factos que o Tribunal a quo ignorou, e nem referiu sequer na sentença de que ora se recorre, e supra expendidos, mais não resta do que concluir, que o referido Tribunal, não fez uma análise cuidada e exigente da prova produzida em sede de audiência, sendo, por via disso, pertinente a sua reapreciação.
22- O Tribunal a quo devia, nos termos da lei, ter ponderado toda a prova produzida, tê-la analisado e examinado criticamente. Só após esse exame, completo, e de total abrangência, podia de forma coerente, lógica e sobretudo garantística dos direitos fundamentais do recorrente, formar a sua convicção devidamente sustentada nos meios probatórios (no seu todo, e não de forma deliberadamente selectiva).
23- Não o fez, pelo que ofendeu de forma directa e intolerável os direitos e garantias do arguido, com consequente violação do artigo 32.° da Constituição da Republica Portuguesa.
24-Ainda assim, no mínimo, deveria o Tribunal a quo, atenta o supra, e a relação de intimidade da testemunha e do queixoso, ter levado na devida conta o Principio de in dúbio pró réu, constatando-se, por defeito, na dúvida quanto ao facto de a expressão "te dói una paliza de muerte", ou "dou-te uma sova de morte", ter sido ou não proferida pelo arguido (…).
25- Pelo que, deveria o Tribunal a quo, em caso de dúvida, lançar sempre mão do insindicável principio in dúbio pró reo, sendo que é um dos princípios basilares e estruturantes do nosso sistema jurídico-penal, como decorrência do princípio da presunção de inocência;
26- Pelo que, aqui chegados, teria o Tribunal a quo, que, considerar não provada a referida expressão "te dói una paliza de muerte", e por via disso ser o arguido (…) absolvido do crime de que vinha acusado;
27-Por decorrência lógica de raciocínio, o recorrente está convencido que o tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação do principio consignado no artigo 127. ° do Código de Processo Penal, isto é, apreciou mal a prova.
28- O princípio da livre apreciação da prova, implica, necessariamente, que a prova produzida em audiência, seja examinada, criteriosamente, com base na livre valoração, mas, indiscutivelmente pautada por critérios lógicos e objectivos, determinando uma convicção racional, objectivável e motivável, susceptível de controlo, na medida em que não se pode confundir com apreciação arbitrária de prova, e valoração deturpada de depoimentos.
29- É, ainda, modesto entendimento do recorrente, na suposição da verificação da expressão "te dói una paliza de muerte", que a mesma, configura, a entender-se como ameaça, um ataque, ainda, que não efectivo, à integridade física, e não à vida.
30-É também, este o entendimento do próprio queixoso.
31- Pelo que, entender, como o Tribunal a quo entendeu, que a referida expressão incutiu o receio de atentar contra a vida do queixoso, e por via disso, retirar as conclusões conforme fez, aplicando o dispositivo nos artigos 153. °, 155.° n.º 1 alínea a) e 131.° do Código Penal, extravasou, e em muito, aquilo que pode, eventualmente ser retirado da expressão em causa.
32- Ela, a expressão, não é apta a indiciar um atentado à vida, mas tão somente à integridade física.
33- Pelo que, nunca deveria aqui ter aplicação o disposto no artigo 131. ° e 155.° do Código Penal.
34- Não obstante, por mero dever de patrocínio, sempre se dirá, que, e a considerar-se, que a mesma, visava incutir medo, e receio de um atentado contra a vida do queixoso, é de se notar, que nem assim, teria a potencialidade de integrar o disposto naquela alínea a) do numero 1) do artigo 155.° do Código Penal.
35- Em boa verdade, é de tal forma simplista, que não permite quantificar um quanto de agravação.
36- E não é apenas, por tutelar uma ameaça à vida, que, de per si, integra aquele dispositivo.
37-Pelo que, também aqui, e na mera hipótese de raciocínio, correcto seria, integrar tal expressão no âmbito exclusivamente do artigo 153. ° do Código Penal, e não, como o Tribunal a quo o fez, no âmbito do artigo 155.° daquele diploma legal.
38- Entende o recorrente que se verifica in casu erro notório na apreciação da prova, traduzindo-se num vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, (artigo 410. ° n.º 2 alínea c) do Código e Processo Penal).
39- Por mero dever de patrocínio, considerando a remota hipótese de o arguido Fernando ter proferido a expressão "te dói una paliza de muerte", dirigindo-se ao (…), sempre se concluirá, que tal expressão, a ser dita presencialmente, e considerando tudo o já enunciado e desenvolvido, não configura o anúncio ou manifestação da execução de um mal futuro como exige a norma incriminante (artigo 153. ° e 155. ° do Código Penal.)
40- Considerando, a expressão em causa, e a tradução a que ela deu lugar nos presentes autos: "dou-te uma sova de morte", por se referir, ao presente, e não ao futuro, traduz, na eventualidade a ameaça de um mal, mas não de um mal futuro, mais a mais, quando a mesma, a ter existido, fora proferida "num frente a frente" presencial,
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT