Acórdão nº 425/13.1TMLSB.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 17-12-2015
Data de Julgamento | 17 Dezembro 2015 |
Número Acordão | 425/13.1TMLSB.L1-2 |
Ano | 2015 |
Órgão | Tribunal da Relação de Lisboa |
RELATÓRIO
Em 27.02.2013 Alberto (…) intentou no Tribunal de Família e Menores de Lisboa ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra Maria (…).
O A. alegou, em síntese, que tendo casado com a R. em 27.5.1995, após o falecimento do filho de ambos a relação entre o casal deteriorou-se, de forma que o casal deixou de ter uma vida em comum, assumindo o A. como definitiva a rutura da relação conjugal. Ocorre, pois, o fundamento de divórcio previsto na alínea d) do art.º 1781.º do Código Civil.
O A. concluiu pedindo que fosse decretado o divórcio entre o A. e a R., declarando-se dissolvido o casamento celebrado em 27.5.1995.
Realizou-se, infrutiferamente, tentativa de conciliação.
Em 20.02.2014 a R. contestou, impugnando parcialmente os factos alegados pelo A. e apresentando a sua própria versão, afirmando que as partes estavam separadas de facto desde o fim de junho de 2013.
A R. concluiu que o pedido deveria proceder com fundamento em rutura da vida em comum tal como alegado na contestação.
Em 28.5.2014 a R. requereu que fosse convocada conferência para convolação e decretação do divórcio, uma vez que ambos os cônjuges pretendiam divorciar-se.
Porém, o A. opôs-se, alegando que existia controvérsia quanto à data do começo da separação de facto, que havia que apurar.
Concluiu pedindo que se fixasse o dia 24.9.2012 como a data do início da separação de facto do A. e da R. e se declarasse que os efeitos patrimoniais do divórcio retroagiam à referida data, nos termos do disposto no art.º 1789.º n.º 2 do Código Civil.
Em 06.3.2015 foi proferido saneador tabelar, definido o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
O A. reclamou, pedindo que nos temas da prova se incluísse o apuramento da data do começo da separação de facto entre o A. e a R..
Tal reclamação foi indeferida, por se entender que a separação de facto não fora invocada como fundamento do divórcio.
Porém, no dito despacho exarou-se que as partes poderiam, por acordo, ampliar a causa de pedir para a prevista na alínea a) do art.º 1781.º do Código Civil, caso em que se teria em consideração o disposto no art.º 1789.º n.º 2 do Código Civil.
No início da audiência final, realizada em 18.5.2015, ambas as partes requereram a ampliação da causa de pedir e a fixação da data da separação nos termos do art.º 1789.º n.º 2 do Código Civil.
Nessa data foi proferido despacho em que se admitiu a ampliação da causa do pedido, “passando a considerar-se como fundamento para que seja decretado o divórcio previsto na alínea a) do art.º 1781.º do Código Civil, sendo que o autor fixa a data da separação em Setembro de 2012 e a ré em Junho de 2013.”
Em 05.6.2015 foi proferida sentença em que se julgou a ação procedente e em consequência se decretou o divórcio, fixando-se, para os efeitos previstos no n.º 2 do art.º 1789.º do Código Civil, a separação de facto no dia 07.3.2013.
O A. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
Quanto ao erro de direito do julgamento:
1. Uma decisão é errada quando viola norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorreta da norma reguladora do caso ajuizado.
2. A decisão recorrida lavra em erro de julgamento de direito e de facto.
3. O principio dispositivo é substancialmente a projeção no campo processual, daquela autonomia privada que dentro dos limites marcados pela Lei, encontra a sua afirmação mais enérgica na figura tradicional do direito subjetivo, mas não pode colidir nem derrogar tais limites.
4. O processo não pode ser fim em si mesmo e deve ser sempre construído como instrumento adequado às exigências do direito substancial ao qual deve servir, não podendo a decisão recorrida mudar a razão que as partes fizeram valer para justificar a providência pedida.
5. A lei substantiva não permite à Meritíssima Juíza de Direito do Tribunal "a quo" atribuir à data que fixou para efeitos patrimoniais entre os cônjuges o valor que ela não pode ter.
6. Como refere o n° 1 do art° 1789° do CC, os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da propositura da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.
7. Sendo este o princípio geral, há no entanto a exceção do n° 2 do mesmo artigo que reza assim "Se a separação de facto entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data, que a sentença fixará, em que a separação tenha começado"
8. Destes dois pontos do art° 1789 do CC extrai-se linearmente o seguinte: (i) proferida e transitada a sentença que decrete o divórcio, este produz imediatamente os seus efeitos a partir da data em que a ação foi proposta, ii) pode, no entanto, a produção dos efeitos do divorcio reportar-se à data em que a separação de facto tenha começado, desde que tal seja requerido por um dos cônjuges e se encontre provado no processo.
9. O legislador, ao tomar como referência a data em que no processo se considere como provada a separação de facto, antecipou os efeitos do divórcio em virtude da situação que precede a ação e lhe serve de fundamento.
10. A situação que se verifica posteriormente à instauração da ação para a fixação dos efeitos quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges não pode ter qualquer influência, sob pena de se reverter e violar o princípio da retroatividade consagrada na Lei substantiva que está dotada de regressividade.
11. O momento da dissolução do casamento no que toca às relações patrimoniais entre os cônjuges por Lei substantiva há-de corresponder sempre à data entre duas:
- Desde a data em que um dos cônjuges instaurou a competente ação (n° 1 do art° 1789 CC);
- Ou a partir da data em que no processo, ficou provada a separação de facto entre os divorciados se algum deles o requereu nestes termos, ou seja, formulou um pedido de retroação dos efeitos do divórcio a essa data (n° 2 do art° 1789) CC) que por lei pressupõe sempre ser decorrente da situação que precede a ação e lhe serve de fundamento e nunca situação posterior como a sentença recorrida acolheu ao ter fixado a data concreta da separação para os efeitos desta disposição legal o dia 7 de Março de 2013, data posterior à da entrada da ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge intentada pelo autor, aqui recorrente, em 27 de Fevereiro de 2013.
12. Por isso é que se entende que o campo por excelência de aplicação deste n° 2 do art° 1789 do CC, que permite que os efeitos do divórcio possam retroagir a momento anterior à da instauração da ação, seja nas ações de divórcio intentadas com fundamento da alínea a) do art° 1781 do CC, cujo pressuposto de duração temporal tem que se verificar à data da propositura da ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge.
13. A sentença recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o n° 1 e 2 do arf° 1789° do CC devendo nesta instância recursória ser a decisão revogada quanto à fixação dos seus efeitos patrimoniais à data da separação de facto de 7 de Março de 2013, sendo este segmento decisório ostensivamente irrazoável, violador de norma substantiva expressa, violando de forma intolerável a segurança jurídica e a confiança que os cidadãos depositam na ordem jurídica que os rege, confiança materialmente justificada no reconhecimento da situação jurídica e das suas consequências.
14. Admitindo-se por mera cautela de patrocínio, sem se conceder, que se manterá inalterável a matéria de facto dada como provada, a eficácia retroativa quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges tem que ser julgada reportada à data da propositura da ação, ou seja 27 de Fevereiro de 2013 nos termos do n° 1 e 2 do art° 1789 CC.
15. Tem que se reportar sempre à Lei substancial para se verificar, em cada caso concreto, se o facto superveniente pode atuar como constitutivo ou extintivo do direito em litígio.
16. Ora, o decurso do lapso de tempo exigido pela alínea a) do art° 1781 do CC é um requisito de natureza substantiva, que, por isso, tem de estar verificado à data do pedido.
17. O n° 1 do art° 1782 do CC define a separação de facto, para efeitos da referida aliena a) do art° 1781 do mesmo Código como sendo a situação que não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer.
18. A Meritíssima Juíza de Direito do Tribunal "a quo" não podia decretar o divórcio com fundamento na separação de facto dos cônjuges pelo período de um ano consecutivo, uma vez que tal requisito não se verificava à data da instauração da ação.
19. A inverificação deste requisito que integra matéria de direito, não sendo derrogável pela livre disponibilidade das partes não podia ser julgado como o foi pela decisão recorrida.
20. O direito em discussão é dos que não se incluem na disponibilidade das partes. (entre outros, vide Acórdão do STJ de 24.10.2006 processo 0682898 in www.dgsi).
21. A sentença recorrida considerou a este respeito que o tempo decorrido na pendência da ação também contava para completar o período de um ano.
22. Ignorando que a atendibilidade de factos supervenientes comporta restrições que não podem ser contornadas e ultrapassadas com base no deferimento da ampliação da causa de pedir que por acordo das partes litigantes aconteceu nos autos.
23. O art° 611 do CPC apenas estipula que o Tribunal deve tomar em consideração o facto superveniente, desde que esteja verificado e apurado à data do encerramento da discussão.
24. Mas não permite que o Tribunal se possa servir dele para efeito de justificar a procedência da ação quando tal fundamento concorre apenas na data do julgamento, mas falta na data da propositura da ação, acarretando que tal disposição...
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