Acórdão nº 4248/11.4TBBRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 16-06-2016

Data de Julgamento16 Junho 2016
Case OutcomeCONCEDIDA EM PARTE A REVISTA PRINCIPAL; NEGADA A REVISTA SUBORDINADA
Classe processualREVISTA
Número Acordão4248/11.4TBBRG.G1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

1. RELATÓRIO.



Acordam na 7ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça.



1.1. AA e BB intentaram acção ordinária contra CC

- A execução específica do contrato-promessa de trespasse;

- A transmissão, por trespasse, para a Autora, do direito de propriedade do estabelecimento “Farmácia DD”, com todos os elementos que o integram e com averbamento no alvará e noutra documentação;

- A condenação dos Réus a reconhecer a Autora como proprietária do estabelecimento;

- A condenação dos Réus a absterem-se de comportamentos que perturbem o exercício do direito de propriedade da Autora;

A título subsidiário:

- O reconhecimento da Autora como proprietária do estabelecimento por força da usucapião ou por força do disposto no artigo 14.º, n.º 1 do D.L. n.º 307/2007, de 31 de Agosto.

Alegaram para tanto e em resumo, que, em 1994, a Lei 2125 de 20 de Março de 1965 proibia a titularidade e o exercício da actividade de farmácia a quem não fosse farmacêutico, pelo que o Autor acordou com a Ré, farmacêutica de profissão, que, por conta dele, outorgaria escritura de trespasse do estabelecimento “Farmácia DD”, destinando-a, mais tarde, a uma das filhas do Autor que acabasse o curso de farmácia.

No seguimento, em 30 de Dezembro de 1994, foi outorgada a escritura de trespasse do estabelecimento entre a Ré e o proprietário e foi outorgado o contrato-promessa de trespasse do estabelecimento entre o Autor e os Réus, neste se prevendo a outorga da escritura definitiva, a favor do Autor ou de quem ele indicasse, quando a legislação sobre a propriedade da farmácia o permitisse.

Acontece que, em 30 de Outubro de 2007, entrou em vigor o D.L. nº 307/2007, de 31 de Agosto, que permitiu e permite a aquisição da propriedade de farmácia por quem não seja farmacêutico, impondo apenas a direcção técnica por farmacêutico.

Por isso, foi agendada e comunicada aos Réus a escritura de trespasse para 20 de Dezembro de 2007, que se não realizou porque os Réus não entregaram documentação necessária, inviabilizando-a desde então e conferindo ao Autor, agora, o direito a requerer a execução específica do contrato-promessa.

De todo o modo, desde 1994, o Autor possui de forma contínua, à vista de toda a gente, sem oposição dos Réus ou outros, na convicção de ser seu dono, o estabelecimento de farmácia, fazendo encomendas, negociando preços e prazos de pagamento dos medicamentos e outros artigos, admitindo e despedindo pessoal, fazendo depósitos bancários, controlando as contas bancárias, gerindo stocks de mercadorias, pagando a água, electricidade e telefone do estabelecimento, sem dar explicações a alguém, tendo o Autor adquirido o estabelecimento por usucapião. E, ainda que assim não se entenda, sempre o Autor adquiriu a propriedade do estabelecimento por força do disposto no artigo 14.º, n.º 1 do D.L. n.º 307/2007, de 31 de Agosto, pois a Ré agiu sempre em nome do Autor e o Autor explorou e geriu o estabelecimento em nome próprio.


1.2. Contestaram os Réus CC e EE e deduziram reconvenção.

Excepcionaram a ineptidão da petição inicial, a nulidade da execução específica do contrato-promessa, a insusceptibilidade de o estabelecimento ser adquirido por usucapião, e a inverificação dos requisitos dos artigos 14.º, 15.º, 16.º do D.L. nº 307/2007.

Alegaram, também, que, em 1994, foi acordado entre o Autor e os Réus que a Ré seria a directora técnica da farmácia e que auferiria 4.200 euros mensais e parte dos lucros anuais, e, se a farmácia fosse objecto de qualquer negócio, o Autor asseguraria aos Réus não serem eles responsáveis por qualquer passivo ou imposto sobre o rendimento do estabelecimento, existindo presentemente dívidas à Segurança Social e à Fazenda Pública.

Porém, desde Fevereiro de 2008, os Autores impedem a Ré de exercer a função de directora técnica e recusam pagar-lhe as remunerações que lhe são devidas, causando aos Réus e à sua família graves dificuldades económicas e na Ré depressão psicológica, dificuldade em dormir e em fazer a sua vida normal, estando dependente de acompanhamento médico e de medicamentos.

Acrescentam, ainda, que a Ré valorizou o estabelecimento de farmácia.


Concluíram pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, que deduzem, pedindo:

1.3. os Autores replicaram, rebatendo a matéria das excepções, impugnando parcialmente a matéria da reconvenção, e, alegando que os Réus sabem ser falso não ter sido objecto de qualquer negociação ou não corresponder à sua vontade, a celebração do contrato-promessa com os Autores, litigando com má-fé.

Concluíram pela improcedência das excepções e do pedido reconvencional e pela condenação dos Réus, como litigantes de má-fé, em multa e indemnização a favor dos Autores em valor não inferior a 10.000 euros.


1.4. Por seu turno os RR. treplicaram e concluíram pela improcedência das excepções deduzidas na Réplica e da condenação como litigantes de má fé, e pela procedência do pedido de condenação dos Autores como litigantes de má fé em multa e indemnização a fixar pelo tribunal.


1.5. Foi admitida a reconvenção, salvo quanto ao pedido de prestação de contas; foi julgada improcedente a excepção de nulidade do processado; e, procedeu-se à selecção da matéria de facto.


Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, decidiu:

- Declarar celebrada a favor da Autora BB a escritura de trespasse da “Farmácia DD”, sita no lugar da …, freguesia de …, em B…, inscrita na matriz no art. 712.º, transmitindo-se a propriedade a favor dela;

- Declarar transmitido, por trespasse, para a Autora BB o mesmo estabelecimento como uma universalidade, com todos os elementos que o integram, designadamente alvará, licenças, equipamentos, pelo preço de 350.000,00 € (trezentos e cinquenta mil euros);

- Reconhecer a Autora BB como dona e legítima proprietária desse estabelecimento de farmácia, designadamente para o averbamento do alvará, demais licenças e documentação;

- Condenar os Réus a reconhecer que o mencionado estabelecimento fica adquirido pela Autora BB e que é esta é sua dona e legitima proprietária, bem como a absterem-se de comportamentos que perturbem o exercício dos poderes correspondentes ao conteúdo do direito de propriedade dela;

- Reconhecer que nenhuma responsabilidade poderá ser assacada aos Réus quer quanto a eventual passivo perante fornecedores, trabalhadores, fazenda pública e segurança social (à excepção do referido em 14. dos provados e sem embargo de a Ré mulher informar a segurança social que nenhum rendimento obteve naquele período), no período que foi de 30.12.1994 a Fevereiro de 2008, quer quanto ao imposto sobre o rendimento a declarar com a transmissão do estabelecimento (mais-valias), todos a suportar pelos Autores, AA e BB”.


1.6. Os Réus interpuseram recurso de apelação da sentença tendo o Tribunal da Relação de … decidido:

“a) Declarar nula a sentença na parte relativa ao último segmento do decisório;

b) Julgar a reconvenção procedente e, em consequência, condenar os Recvdºs.:

1. A reconhecer a R. como directora técnica da farmácia,

2. A permitir que a mesma desempenhe essas funções no estabelecimento de farmácia sob apreciação nos autos.

3. A pagar-lhe as importâncias vencidas desde Janeiro de 2008 até à data de apresentação da contestação, correspondente à sua remuneração mensal (ponto 20 da matéria de facto),

4. A cumprir com as condições fixadas para o caso de ocorrer transmissão da propriedade da farmácia (pontos 21, 22 e 23, 65 e 66 da matéria de facto),

5. A indemnizar a R. com a quantia de doze mil euros (12.000,00 €),

6. A pagar juros de mora à taxa anual de 4% desde a notificação para contestar a reconvenção.

c) Manter a sentença quanto ao mais.”


1.7. Os Autores interpuseram recurso de revista do acórdão pedindo a sua revogação e absolvição do pedido reconvencional

Por seu turno os RR. interpuseram recurso subordinado

Foram para tanto apresentadas as seguintes,


Conclusões:


Recurso do Autor:


Questão IDa indevida condenação da Reconvinda BB.


1) Calcorreada a matéria de facto provada, um único facto liga a Recorrente BB à demais factualidade: o facto provado 67, segundo o qual "desde Fevereiro de 2008 os Autores recusam o pagamento das remunerações da Ré mulher enquanto Directora Técnica da Farmácia DD". Matéria manifestamente parca para que se condene a Recorrente BB no que quer que seja. Esta não foi parte em qualquer acordo de vontades, designadamente no trespasse ou contrato-promessa, nem se vinculou a qualquer tipo de obrigação perante os Recorridos.

2) Não ocorreu qualquer transmissão de posição contratual no âmbito do contrato-promessa, mas uma aquisição directa, por via da execução específica, momento que esgotou o contrato-promessa no qual aquela não chegou a sub-ingressar. No fundo, a transmissão de dívidas atinentes ao estabelecimento implica, de acordo com a regra geral da transmissão de obrigações constante da al. a) do n.º 1 do art.º 585° do CC, um acordo de vontades entre o cedente, o cedido e o cessionário, que não se provou, sendo certo que não existe uma adesão automática do passivo ao estabelecimento comercial (que não constituí um centro autónomo de imputação de direitos e deveres, por não ter personalidade jurídica).

3) Nem tão pouco se afigura ser adequado o enquadramento operado pelo Acórdão recorrido: ainda assim, não se trataria de transmissão de dívidas do estabelecimento já que não está em causa um crédito sobre o mesmo mas, coisa diversa, um crédito daquela que era a sua titular formal sobre o Recorrente AA.

4) A Recorrente BB é a mera beneficiária da posição de trespassária, ao abrigo da disposição contratual constante da cláusula terceira do contrato-promessa de trespasse, enunciada no facto provado 8, o que não se confunde com a cessão de posição contratual, já que o...

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