Acórdão nº 4212/18.2T8CBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 31-03-2020

Data de Julgamento31 Março 2020
Número Acordão4212/18.2T8CBR.C1
Ano2020
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. L (…) instaurou a presente acção declarativa comum contra S (…), S. A., pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 90 894,20 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, bem como as importâncias a liquidar posteriormente pelos danos que se vierem a verificar em consequência dos factos referidos nos arts. 39º a 44º e 55º e seguintes da petição inicial (p. i.).

Alegou, em síntese, que ocorreu, em 29.12.2016, cerca das 14.30 horas, na EN n.º 347, localidade de Q(...), Montemor-o-Velho, um acidente de viação, no qual intervieram o veículo ligeiro de passageiros matrícula (CL), seguro na Ré, propriedade de J (…), Lda., e conduzido por J (…), e o A., como peão, por culpa exclusiva do condutor do CL, do qual resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais que pretende ver ressarcidos.

O Instituto da Segurança Social, IP - Centro Distrital de (...), pediu a condenação da Ré a reembolsá-la da quantia de € 827,01, a título de subsídio de doença pago ao A. de 01.01.2017 a 08.02.2017, em resultado das lesões decorrentes do dito acidente de viação, acrescida de juros de mora.

A Ré contestou, aceitando a responsabilidade do condutor do veículo por si seguro pela produção do acidente, mas impugnando os danos patrimoniais e não patrimoniais invocados pelo A. e os valores peticionados, pugnando pela absolvição parcial do pedido.

Junto o relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil pelo INML/Delegação do Centro, foi proferido despacho saneador que julgou procedente aquele pedido do Instituto da Segurança Social, firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento (então, o A. declarou reduzir o pedido no valor de €181,25), o Tribunal a quo, por sentença de 19.7.2019, julgou a acção parcialmente procedente e provada, condenando a Ré a pagar ao A. as quantia líquidas de € 44 631,58 a título de danos patrimoniais[1], acrescida de juros moratórios, a contar da citação, segundo a taxa de 4 % (Portaria n.º 291/03, de 08.4 e art.ºs 804º, 805º, n.ºs 1 e 3 e 806º, n.ºs 1 e 2 do CC) e de € 30 500 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios à mesma taxa a contar da data da prolação da sentença, e, ainda, as quantias indemnizatórias que vierem a ser liquidadas, em momento posterior à sentença, pelos danos futuros de natureza não patrimonial e patrimonial previsíveis relacionáveis com o agravamento futuro das sequelas, e por inerência, do défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica já fixável em 5 pontos, e a título de custos suportados pelo A. em deslocações necessárias para tratamento.

Inconformada, a Ré apelou formulando as seguintes conclusões:

(…)

O A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa reapreciar: a) impugnação da decisão relativa à matéria de facto; b) indemnizações por perdas salariais durante o período de “baixa médica” e pela incapacidade geral de 5 pontos; c) compensação pelos danos não patrimoniais; d) indemnização pelos “danos futuros”.


*

II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

1 - No dia 29.12.2016, cerca das 14.30 horas, na Estrada Nacional 347, na localidade de Q(...), Montemor-o-Velho, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiro marca Volkswagen, modelo Passat, matrícula CL, conduzido por J (…), propriedade de J(…) unipessoal, Lda., e o A. que circulava na estrada como peão.

2 - À data do acidente, a proprietária do veículo havia transferido a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pela circulação de tal veículo através de contrato de seguro automóvel titulado pela apólice n.º ….

3 - Naquele dia, hora e local, circulava na EN n.º 347, o condutor do veículo CL, na localidade de Q(...), o qual provinha da localidade de Galeões.

4 - O A. caminhava na mencionada estrada do lado oposto à circulação do veículo seguro na Ré, fazendo-o na berma, bem encostado à parte situada mais à esquerda do asfalto.

5 - O J (…) iniciou uma ultrapassagem para a qual não tinha espaço para o fazer, vindo, de seguida, a invadir a berma da estrada para não colidir com o veículo que seguia à sua frente e que pretendia ultrapassar, embatendo nas costas do A. com o espelho lateral.

6 - Devido a esse embate, o A. foi projetado ao solo, onde ficou imobilizado, ao lado do asfalto, dentro da valeta.

7 - No local onde ocorreu o embate, a via forma uma recta de pelo menos 800 metros de extensão, a qual permitia a visibilidade do peão por parte do condutor.

8 - Na ocasião, fazia sol, a faixa estava seca e em bom estado de conservação.

9 - Por força do embate, advieram ao A. as lesões, a saber: fractura - luxação da articulação tíbiotársico direita.

10 - Recebeu os primeiros tratamentos no Hospital Distrital da F(...), EPE …, onde lhe prestaram os cuidados primários, efectuaram diversos tratamentos, limpeza, desinfeção e medicação das feridas, foi submetido a exames radiográficos do toráx, bacia, perna direita e articulação tibiotársica direita e fizeram-lhe diversas análises clínicas.

11 - Face à gravidade do seu estado, foi aí observado pela especialidade de Ortopedia que constatou deformidade do tornozelo direito com luxação evidente, com pulsos pedioso e tibial posterior mantidos; foi aí submetido a uma primeira intervenção cirúrgica, sob efeito de anestesia geral, ao pé direito com vista a estabilização da perna e do pé para colocaram o material de osteofixação, tendo-lhe sido feita uma redução incruente, com manutenção dos referidos pulsos, após o que o A. é internado na Ortopedia. Durante o internamento, a equipa médica diagnosticou que o pé direito não estaria alinhado, tendo-lhe sido efectuada uma osteotaxia a fim de o endireitar, cuja intervenção provocou-lhe dores. Efectuaram-lhe radiografia de controlo ao pé direito do A. pela Ortopedia, a qual revelou subluxação, tendo a equipa médica efectuado nova manipulação ao pé direito no bloco operatório, seguida de nova radiografia de controlo, que revelou melhoria em relação à primeira manipulação, não sendo possível melhor redução, após o que o A. em 02.01.2017 foi submetido a nova cirurgia com vista a endireitar o pé direito. Em data que se desconhece, a Ortopedia realizou tomografia computorizada (TAC) ao pé direito que revelou a presença de fragmento a nível de articulação tíbioperonial que impede a redução completa da articulação, pelo que o A. foi submetido a uma nova cirurgia, em 09.01.2017 com vista a rever o material osteossíntese, tendo sido removidos dois parafusos sindesmóticos, após o que permaneceu internado naquela unidade hospitalar sujeito a diversas análises, tratamentos e medicação diários, tendo-lhe sido dado alta hospitalar em 13.01.2017.

12 - Deste hospital foi enviado para o domicílio com uma tala de gesso no pé com indicação de permanecer com o membro inferior elevado, aplicar gelo local e com repouso absoluto.

13 - Após 16.01.2017, o A. passou a locomover-se com a ajuda de canadianas até 12.4.2017, data em que teve a indicação médica para utilizar apenas uma canadiana.

14 - Quando chegou ao Hospital da F(...), em 23.02.2017, para a remoção da tala de gesso, foi ainda submetido a mais radiografias para aferir a evolução das lesões e sequelas que teria sofrido no acidente, após o que lhe removeram a tala de gesso posterior e propuseram a extracção de material osteossíntese.

15 - O A. foi internado, em 15.3.2017, no Centro Hospital …, em (...), e foi logo submetido a uma cirurgia para extracção do material (alguns parafusos) sob efeito de anestesia geral, tendo permanecido internado até 16.3.2017, data em que lhe foi dada alta hospitalar, e remetido para o domicílio, com indicação de aí permanecer em repouso absoluto.

16 - Entre 23.3.2017 e 02.6.2017, o A. realizou 45 sessões diárias de fisioterapia, por conta da Ré, no CENTRO HOSPITAL …, em (...), para recuperação das lesões sofridas no pé direito, após as quais mantinha ainda sintomatologia álgica na tibiotársica direita ao movimento e em carga e continuava com dores fortes, motivo pelo qual recorreu a um outro especialista em ortopedia, que lhe prescreveu mais sessões de fisioterapia, vindo a realizar 16 sessões de fisioterapia na Clínica … em (...), entre 27.6.2017 e 03.11.2017, a suas expensas, no valor global de € 455.

17 - O A., dado existirem outros parafusos, terá futuramente que ser submetido a uma eventual intervenção cirúrgica para extracção de material osteossíntese.

18 - O A. foi submetido a um Raio X e TAC com reformatação tridimensional ao pé direito que lhe foi efectuado em 08.3.2018, o qual revelou sequelas de natureza traumática tíbio társica direita com afundamento da superfície articular na vertente posterior da tíbia.

19 - A evolução das lesões decorrentes do acidente de viação até à data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo A., fixável em 05.9.2017, demandaram-lhe um défice funcional temporário de 25 dias, que se terá situado entre 29.12.2016 e 16.01.2017 e 15.3, e 20.3.2017, acrescidos de 8 dias para eventual cirurgia de extracção do material osteossíntese, e um défice funcional. À data da consolidação médico-legal de tais lesões, advieram ao A. como sequelas definitivas e permanentes, a saber: Membro inferior direito: duas cicatrizes nacaradas, quase inaparentes, no terço por 0,5 cm de largura e a menor medindo 0,3 cm de diâmetro; duas cicatrizes nacaradas de características operatórias, longitudinais uma em cada região maleolar, a maior, medial, medindo 4,5 cm de comprimento, e a menor, lateral, medindo 2 cm de comprimento; cicatriz de características operatórias, linear, longitudinal, na região maleolar lateral,...

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