Acórdão nº 4202/18.5T8LRS.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 09-03-2021

Data de Julgamento09 Março 2021
Case OutcomeCONCEDIDA A REVISTA.
Classe processualREVISTA
Número Acordão4202/18.5T8LRS.L2.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça



Proc. n.º 4202/18.5T8LRS.L2 – Apelação

ACORDAM OS JUÍZES NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – Relatório

AA, residente na Av.ª ....., ... – entretanto falecido, tendo sido habilitadas, para figurarem na presente ação como autoras, BB e CC – intentou a presente ação declarativa de condenação sob forma de processo comum, contra DD, residente na Urbanização ....., ..., pedindo que o R. seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 286.000,00 e juros desde a citação.

Alegou, em síntese, que, em 12-06-2017, celebrou com o R. um contrato-promessa de cessão de quinhão hereditário da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE, pelo preço de € 500.000,00, tendo nessa data recebido como princípio de pagamento a quantia de € 14.000,00 (e não os € 300.000,00 que, no contrato-promessa, declarou ter recebido); e, em 12-07-2017, quando outorgaram a escritura pública respeitante ao contrato prometido, apenas recebeu mais € 200.000,00, tendo então declarado ter recebido a totalidade do referido preço de € 500.000,00, ou seja, concluiu, do preço acordado, estão em falta € 286.000,00, cujo pagamento aqui peticiona.

O R. contestou, alegando, no que aqui interessa, que efetivamente apenas pagou € 214.000,00, invocando que este foi o preço realmente acordado entre as partes, tendo-se feito constar o preço de € 500.000,00 em virtude de estar a correr um processo de inabilitação/interdição contra o A. (processo em que tinha sido junto um contrato-promessa de compra e venda de cessão de quota e meação hereditária pelo valor de € 500.000,00) e com vista a não “levantar mais problemas”.

Concluiu pugnando pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.

Foi dispensada a audiência prévia, proferido despacho saneador – que considerou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

Instruído o processo e realizada a audiência de julgamento, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo o R. do pedido.

Inconformada com tal decisão, interpôs o A. recurso de apelação, o qual, por Acórdão de 17/12/2019, foi julgada procedente, mais exatamente:

“julgou-se a impugnação da decisão sobre matéria de facto parcialmente procedente, considerando não provados os factos constantes da al. h) dos factos não provados e em consequência determinou-se a supressão da referida al. h) e o aditamento de um ponto 4. ao elenco de factos não provados, com o mesmo teor.

Julgou-se a apelação procedente, revogando a decisão recorrida, e, em consequência, condenando o réu a pagar ao autor a quantia de € 286.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano e correspondentes taxas legais subsequentemente em vigor, desde 07-06-2018, até integral pagamento.

Inconformado agora o R., interpõe o presente recurso de revista, visando a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que, invertendo o decidido e repristinando a decisão da 1.ª Instância, julgue a ação totalmente improcedente.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“ (…)

1ª.) Vem o presente recurso de revista interposto, pelo Apelado, do douto Acórdão do Tribunal da Relação ......, de 17-12-2019, que, nos autos em epígrafe, revogou a Sentença proferida em 02-07-2019 no Tribunal Judicial da Comarca ......., Juízo Cível Central ...., a qual Sentença absolveu o Réu do pedido formulado pelo Autor, tendo o Acórdão sob recurso, pelo contrário, condenado o Réu nos precisos termos peticionados em primeira instância.

2ª.) O fundamento do presente recurso é exclusivamente de direito, subsumindo-se na alínea a) do nº 1 do artigo 674º do Código de Processo Civil, já que o ora recorrente entende que o douto Acórdão sob recurso – salvo melhor opinião – não considerou toda a dimensão das normas substantivas aplicáveis ao caso em apreço, nomeadamente as relativas ao exercício e tutela de direitos.

3ª.) Com efeito, o Acórdão, tendo em atenção os factos que deu como provados e os que deu como não provados, bem como as demais circunstâncias que o processo revelou, traduzidas nas perplexidades que o Tribunal expressivamente manifestou, deveria, a nosso ver, ter confirmado - embora com diferente fundamento, dada a matéria de facto que acabou por ser definitivamente fixada - a Sentença do Tribunal a quo.

4ª.) Em síntese, o autor alegou que, em 12-06-2017 celebrou com o réu um contrato-promessa de cessão da meação e do quinhão hereditário da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE, pelo preço de € 500.000,00, tendo nessa data recebido € 14.000,00 (e não os € 300.000,00 que declarou ter recebido), e que, em 12-07-2017, outorgaram a escritura pública para celebração do contrato prometido, sendo que, na outorga da escritura, o A. apenas recebeu mais € 200.000,00, não tendo recebido, mais uma vez, a totalidade do preço - € 500.000,00 - também declarado na escritura. Conclui que, do preço acordado, apenas recebeu € 214.000,00, estando por isso em falta a quantia de € 286.000,00.

5ª.) O Réu contestou, alegando, em síntese, que o preço real acordado entre as partes foi de € 214.000,00, e que “o valor ficcionado de € 500.000,00 deveu-se a aconselhamento da mandatária do A. por estar a correr um processo de interdição contra o A. onde tinha sido junto ao processo um outro contrato promessa de compra e venda de cessão de quota e meação hereditária pelo valor de € 500.000,00, com vista a não levantar mais problemas”.

6ª.) A primeira instância considerou provada a simulação nos termos alegados pelo réu, e absolveu-o do pedido.

7ª.) O recurso de apelação do A. visou a alteração da decisão sobre a matéria de facto, sustentando não ter ficado provado o acordo simulatório que fundamentou a absolvição do réu, e que, pelo contrário, ficou provado que o preço declarado foi o acertado pelas partes.

8ª.) O Acórdão sob recurso atendeu a pretensão probatória do autor/apelante quanto a considerar não provado o acordo simulatório nos termos referidos pelo réu, mas também não deu como provado que as partes tivessem acordado o preço declarado.

9ª.) Manifestou, todavia, o Acórdão um conjunto de perplexidades, de que se faz transcrição na alínea L) das alegações, que mostram que o autor procedeu com intolerável má-fé neste processo, mas não retirou daí as consequências jurídicas que, a nosso ver, se impunham.

10ª.) Ambas as partes mentiram ao Notário, na escritura: o autor, porque disse ter recebido € 500.000,00, e só recebera € 214.000,00; e o réu, porque diz ter pago aquela primeira quantia, e os autos demonstram que pagou apenas este último valor! Ambas as partes declararam que era de € 500.000,00 o valor do negócio.

11ª.) Em tais circunstâncias, conclui o Acórdão, que, tendo o réu confessado a verdade do que pagou, alegando acordo simulatório, mas não tendo o autor seguido o mesmo caminho, ou seja, não confessando que não era verdadeiro o valor declarado, mas outro - porventura o valor efectivamente recebido - a confissão do réu devia ser punida com a sua condenação no pedido, já que se impõe a força probatória plena da escritura quanto ao preço declarado, e se impõe, de igual modo, a relevância probatória da confissão do réu quanto ao real valor pago.

12ª.) Não estando em discussão a correção jurídico-formal da solução adotada pelo Tribunal da Relação quanto ao direito do autor, por não ter sido provada pelo réu a simulação e ter havido a confissão relevante por parte deste, o que pode e deve questionar-se é se tal solução será a mais adequada e a mais justa para a composição do litígio, a mais conforme ao Direito, ou seja, se o sistema jurídico nos não fornece uma “válvula de escape” para superar as perplexidades que os dados do processo nos convocam a exprimir. Dito de outro modo, há que apurar se o exercício do direito formal que o Tribunal da Relação concluiu existir, não deverá ceder perante o reconhecimento da existência de abuso do direito, no caso dos autos, ao abrigo do artigo 334.º do Código Civil....

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