Acórdão nº 420/06.7TVLSB.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 17-01-2013

Data de Julgamento17 Janeiro 2013
Número Acordão420/06.7TVLSB.L1-8
Ano2013
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – Graciano, entretanto falecido e habilitados os herdeiros, Abílio, Maria, Fernando, António e Pedro, instauraram acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra: Sociedade da Quinta D M, com sede na (…) Lisboa, pedindo: a declaração da constituição a favor dos AA, com efeitos retroagidos a 18/01/80, do direito de propriedade sobre o prédio sito a poente da via-férrea, com a área de 10.550 m2, a que correspodem os art. ...º urbano com a área de 221 m2,os artigos rústicos 15 e 16 com as áreas de 3.400 m2 e 6.929 m2, formados a partir do destaque do prédio sito na Estrada de ... (…) freguesia do Beato, em Lisboa, descrito na 1ª C.R.Predial de Lisboa, sob o nº ..., no livro B-46, a fls. 59.
Alegaram que em 23/01/48 a ré adquiriu o prédio sito na Estrada de ... (…) em Lisboa, descrito na 1ª C.R.Predial de Lisboa, sob o nº ..., no livro B-46, a fls. 59. Este prédio é atravessado obliquamente pela via-férrea norte-sul que o divide em duas parcelas, uma com 10.550 m2 (art. ... urbano, art. 14 e 16 rústicos) e outra com 12.900 m2 (art. 17, 18 rústicos). Em 18/01/80, por escrito particular, os 1º, 2º, 3º AA e Francisco celebraram com a R um contrato promessa que tinha por objecto a primeira parcela supra referida. Por conta do preço convencionado foram feitas entregas no valor global de Esc. 8.310.600,00. Em obediência à cl. 32ª do contrato – promessa (C.P.), em 20/03/80, foi outorgada procuração a favor dos 1º, 2º, 3º AA e Francisco conferindo-lhes poderes para celebrarem contratos de arrendamento relativos à parcela objecto do C.P. Os AA ocuparam imediatamente a parcela e passaram a receber as rendas relativas às edificações existentes na parcela. Um dos edifícios aí existentes estava a ser utilizado por uma empresa de camionagem de que eram sócios os promitentes-compradores. Tal sociedade passou a pagar as rendas a estes. A R não deduziu qualquer oposição. Deste modo os AA e Francisco agiram como proprietários.
Procederam à construção de novos armazéns sem que a R se tenha oposto. Os AA e Francisco agiram como proprietários, passaram a parquear na parcela as viaturas da empresa de camionagem.
A empresa de camionagem continuou na parcela até 1994, altura em que o grosso dos automóveis passou para novas instalações em Loures. Mas a empresa continuou a usar a parcela em causa ainda que em menor escala. Parte das instalações anteriormente ocupadas pela empresa de camionagem foram dadas de arrendamento a outra sociedade. Em 1998/1999 a empresa de camionagem deixou definitivamente a parcela pelo que o armazém foi dado de arrendamento à R..., Lda..
Os promitentes-compradores construíram de raiz um novo armazém e escritórios sem oposição da R.
O murete já existente na parcela foi reconstruído e ampliado pelos promitentes compradores, foram colocados dois portões sem que a R tenha deduzido oposição.
Os promitentes-compradores fizeram cessar o contrato de arrendamento que existia com uma escola de condução e celebraram novo contrato com uma empresa de limpezas. As rendas foram arrecadadas pelos promitentes-compradores sem oposição da R. Recebiam igualmente rendas de umas habitações aí existentes que mais tarde foram desocupadas. Construíram um muro para separar a parte habitacional da parte industrial e comercial sem oposição da R.
Diligenciaram para haver na parcela electricidade.
Os promitentes-compradores agiram sempre como proprietários, à vista de toda a gente, convictos que não lesavam o direito de ninguém. Em suma têm uma posse de boa fé, sem violência e pública. A posse dos AA não sofreu alterações desde que foi adquirida. Por morte de Francisco sucederam-lhe na composse os seus herdeiros (art. 1255º do C.C.).
Ao destaque pretendido não se pode opor a doutrina do Dec.-Lei nº 400/84 de 31/12 uma vez que a usucapião invocada faz retroagir na esfera jurídica dos AA o direito de propriedade à data do início da posse (18/01/80), altura em que tal diploma não estava em vigor.

Citada a ré contestou alegando que a parcela objecto do C.P. tem 10.450 m2 e a sus área total é de 10.550 m2. Parte do preço devia ter sido pago na data da escritura, a qual nunca teve lugar. Das cl. 27ª a 37ª do C.P. e da procuração outorgada resulta que foram conferidos poderes de administração aos promitentes-compradores para serem usados em nome da ré. Assim, o C.P. incorpora também um contrato de mandato com representação. Importa ter presente que, na data da celebração do C.P., os promitentes compradores eram também sócios da sociedade que era arrendatária de maior parte da parcela prometida vender e comprar sendo que a área ocupada por esta já estava vedada.
Foi acordado que receberiam tais rendas e que passaram recibos em nome da ré, estavam obrigados a dar conhecimento prévio à R e a obter autorização escrita desta para a prática de actos de administração como a construção de novos armazéns, edifício de escritórios, reconstrução do murete, colocação de portões, construção de muro e pedir electricidade, mas não o fizeram. Tais omissões, nos termos do contrato, não permitiam à R opor-se, apenas determinavam a invalidade de tais contratos perante esta.
Os promitentes-compradores agiram como possuidores em nome de outrem. A inversão do título da posse apenas poderia ter ocorrido com a celebração dos contratos de arrendamento em nome próprio e apenas quanto às partes da parcela em causa e não ao todo. A R nunca tomou conhecimento acerca destes contratos pelo que a eventual posse assim adquirida seria de má fé. Incumbia aos promitentes-compradores ter marcado a escritura de compra e venda até Abril de 1983 e pago a parte do preço em falta, o que não fizeram. Em 1985 pretenderam marcá-la, o que demonstra que ainda não agiam com a intenção de possuidores em nome próprio. A escritura apenas não teve lugar porque o notário considerou impossível o cumprimento do contrato face à entrada em vigor do D.L. nº 400/84 de 31/12, cujas normas relativas à divisão dos imóveis em parcelas ter tornado inviável o seu cumprimento sem prévia autorização pela C.M.L. No final de 1994 foi novamente tentada a marcação da escritura com resultados idênticos face à entrada em vigor do Dec. -Lei nº 448/91 de 29/12.
Face à não marcação da escritura a R procedeu à resolução do C.P. através da notificação judicial avulsa requerida em 11/01/95. Esta notificação interrompeu o prazo da usucapião previsto no art. 1292º e 323º do C.C. em 16/01/95.
Terminou pedindo a improcedência da acção e a absolvição do pedido. Deduziu pedido reconvencional com os pedidos de:
- condenação dos AA a reconhecer a R com única proprietária do prédio descrito na 1ª C.R.Predial de Lisboa sob o nº ... no livro B-46 a fls. 5;
- a resolução do C.P. por impossibilidade legal superveniente desde 16/01/95 ou, em alternativa, julgado resolvido por incumprimento definitivo imputável aos AA;
- a condenação dos AA na entrega da parcela objecto do C.P. devoluta de pessoas e bens, livre de ónus e encargos, à excepção dos decorrentes dos contratos de arrendamento em vigor na data do C.P. e que permaneçam válidos e dos contratos que tenham sido autorizados pela proprietária e celebrados em nome desta no uso da procuração conferida;
- a condenação dos AA a indemnizarem a R pelos prejuízos decorrentes da não devolução da parcela objecto da C.P. desde a data da resolução do contrato até à data da entrega efectiva em valor a apurar em execução de sentença, mas que se estima em pelo menos € 200.000.
Alegou que se tornou-se juridicamente impossível o cumprimento do C.P. pelo que, com este fundamento, procedeu à resolução do mesmo. Ainda que esta impossibilidade legal não resultasse da lei a ré teria direito à resolução do mesmo com fundamento no incumprimento imputável aos promitentes compradores, pois foi acordado que a venda deveria ser celebrada até 30/04/83 e marcada pelos AA e a mesma não teve lugar, nem os AA pagaram o remanescente do preço.
Na contabilização dos prejuízos decorrentes da não devolução da parcela deverá atender-se às rendas e outros frutos que os tiverem feito seus, o que se estima em € 200.000. A este valor será deduzido o valor das quantias recebidas pela R por conta do preço que têm estado à disposição dos AA desde a notificação judicial avulsa e que estes não reclamaram. No caso de ser declarada a resolução do C.P. por incumprimento dos AA a R tem direito a fazer suas as quantias recebidas e a ser indemnizada pelo valor das rendas que os AA receberam em resultado da celebração de contratos de arrendamento sem autorização, bem como pelo valor dos encargos que a R tiver de suportar com a demolição das construções e instalações que os AA tinham, realizado sem autorização da R, a apurar em execução de sentença.

Os AA apresentaram réplica defendendo não ser verdade que o Dec.-Lei nº 400/84 de 31/12 vede a realização da escritura e o cumprimento do C.P. uma vez que o prédio está fisicamente dividido pela linha férrea e do ponto de vista matricial a divisão está também feita. A escritura não foi realizada por o notário onde a ré a marcou ter decidido não a fazer devido à interpretação que fez da legislação.
A partir da data da notificação judicial avulsa já não era exigível aos AA insistirem na sua outorga.
A alegada impossibilidade legal não constitui fundamento para a resolução do C.P. como também não colhe o argumento do alegado incumprimento contratual pelos AA. Em 31/12/81 faltava pagar Esc. 4.200.000$00 e é sobre esta quantia que deve ser aplicado o critério actualizador previsto na cl. 7ª e 8ª. Nessa data os AA pagaram tudo o que estava em dívida entregando a Luís Pedrosa Ribeiro a quantia entre eles fixada.
Terminaram pedindo a improcedência da reconvenção.

Foi proferido despacho saneador seleccionando os factos assentes e elaborada a BI. Após as diligências periciais procedeu-se a julgamento e acção foi
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