Acórdão Nº 42/07 de Tribunal Constitucional, 23-01-2007

Acordao Number42/07
Docket Number950/06
Date23 January 2007
Procedure TypeRecurso
Acórdão 42/07

ACÓRDÃO N.º 42/2007

Processo nº 950/2006

2ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figura como recorrente A. e como recorridos o Ministério Público e outros, foi interposto recurso da decisão instrutória, tendo o agora recorrente sustentado a inconstitucionalidade da norma do artigo 123º do Código de Processo Penal interpretada no sentido de consagrar um prazo de três dias para a arguição de invalidades em processos de especial complexidade, assim como a inconstitucionalidade da norma do artigo 2º, nº 2, da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, na medida em que permite ao Ministério Público a prolação de decisão a determinar o levantamento do sigilo bancário.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 26 de Setembro de 2006, considerou o seguinte:

2.2. Resulta da decisão recorrida:

(...)

Da nulidade do despacho que decretou o levantamento do sigilo bancário:

Veio o arguido A. invocar a nulidade dos despachos proferidos pelo Senhor Procurador da República e relativos à quebra do sigilo bancário e juntos a fls. 2255, 1674, 3149, 3529, 4382 e 8317, alegando, em resumo, que do despacho não constam quais os crimes em causa, não constam os indícios que lhe são imputados e nem consta a justificação para a obtenção das tais informações.

Conclui, dizendo que, foram violadas as disposições legais contidas no art° 97º n° 4 do CPP art° 2° n° 2 da lei 5/2002 e art° 205° da CRP e que, sendo inválido o despacho em causa, é nula toda a prova obtida nos autos na sequência da referida decisão.

Cumpre decidir:

Nos termos do art. 118°, n° 2 do C.P.Penal a violação ou a inobservância das disposições da Lei do Processo Penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na Lei.

O regime jurídico das nulidades, no âmbito do processo penal, está sujeito ao princípio da legalidade. Assim, salvo nos casos em que a Lei expressamente cominar a nulidade, a violação ou inobservância das disposições processuais penais apenas fere o acto ilegal que haja sido praticado de irregularidade. Irregularidade esta que deve ser arguida no próprio acto ou, se a este os interessados não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado, sob pena de a mesma se considerar sanada.

O arguido foi notificado da acusação no dia 17-01-06, conforme resulta de fls. 12397, o que significa que a partir dessa data poderia ter tomado conhecimento dos actos processuais em causa e veio invocar a invalidade dos referidos despachos apenas no seu requerimento de abertura de instrução, ou seja, em 1-03-06.

Ora tendo em conta o tempo decorrido entre a data da notificação da acusação e a data em que invocou a irregularidade verifica-se que já haviam decorrido mais de três dias.

Deste modo, dado que o requerente não arguiu tempestivamente essa irregularidade, deve considerar-se a mesma sanada.

Da inconstitucionalidade do art° 2° n° 2 da lei 5/2002 de 11-01:

O mesmo arguido invocou, ainda, a inconstitucionalidade material da citada norma por violação do disposto no art° 32° n° 4 da CRP alegando, em síntese, que permitir ao Ministério Público, na fase de inquérito, legitimidade para proferir uma decisão de quebra do sigilo bancário é admitir a interferência no âmbito dos direitos liberdades e garantias, matéria da competência do Juiz de Instrução, na medida em que, as informações relativas à conta bancária constituem matéria relativa à reserva da vida privada consagrado no art° 26° n° 1 da CRP.

A questão que se coloca é a de saber se as informações contidas na contas bancárias dizem respeito à reserva da intimidade da vida privada e se o sigilo bancário constitui um corolário dessa reserva.

Em primeiro lugar, cumpre referir a reserva do sigilo bancário não tem carácter absoluto, antes se admitindo excepções em situações em que avultam valores e interesses que devem ser reputados como relevantes como, verbi gratia, a salvaguarda dos interesses públicos ou colectivos (cfr. Acórdão n° 278/95, publicado na II Série do Diário da República, de 28 de Julho de 1995, onde se disse que “o segredo bancário não é um direito absoluto, antes pode sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Na verdade, a tutela de certos valores constitucionalmente protegidos pode tornar necessário, em certos casos, o acesso aos dados e informações que os bancos possuem relativamente às suas relações com os clientes. Assim sucede com os artigos 135°, 181° e 182° do actual Código de Processo Penal, os quais procuram consagrar uma articulação ponderada e harmoniosa do sigilo bancário com o interesse constitucionalmente protegido da investigação criminal, reservando ao juiz a competência para ordenar apreensões e exames em estabelecimentos bancários”.

Em segundo lugar, cumpre referir que a consagração do segredo bancário, tem na origem razões históricas recentes e relacionadas com a devassa pública das contas bancárias no período seguinte à revolução de Abril.

Em terceiro lugar, entendemos que o que se pretende com o segredo bancário é proteger as questões relacionadas com o acervo patrimonial e giro económico dos titulares das contas, matéria que respeitando à privacidade de cada um, mas que não contende com a área da intimidade da vida privada. Na verdade, não podemos comparar esta matéria com a relacionada com as buscas domiciliárias, escutas telefónicas, registo de voz e imagem, essas sim claramente limitadoras dos direitos à imagem, à palavra ao domicílio, em suma, intimidade de cada um.

Assim, conclui-se que a matéria de sigilo bancário, no seu reflexo de investigação criminal, não poderá ser perspectivada como sendo respeitante a direitos, liberdades ou garantias, na medida em que, como já referimos, a situação económica dos cidadãos espelhada nas respectivas contas bancárias, fará parte do âmbito de protecção do direito à privacidade mas não da reserva da intimidade da vida privada.

A este propósito veja-se Saldanha Sanches, Segredo Bancário, segredo fiscal: uma perspectiva funcional, in Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico‑Financeira, Centro de Estudos Judiciários, 25 anos, 2004, 57 e seguintes, o primeiro ponto que deve ser considerado aos tratarmos do segredo bancário é que não estamos perante aquilo a que a constituição tutela como «reserva da intimidade da vida privada e familiar». Aquele núcleo central de características e comportamentos de natureza pessoal (maxime sexual e familiar) que a lei deverá proteger para proporcionart’’ garantias efectivas contra a utilização abusiva ou contrária à dignidade humana».

Por fim, cumpre referir que a consagração do segredo bancário não é tanto para a protecção da intimídade dos cidadãos mas, sobretudo, a protecção do sistema económico‑financeiro pelo receio de fuga dos capitais para países onde o segredo seja mais fortemente protegido.

Assim, não respeitando a matéria do segredo bancário à esfera da intimidade da vida privada a competência para a quebra desse segredo não está reservada ao juiz de Instrução criminal pelo que, não é inconstitucional a norma contida no art° 2° n°2 da lei 5/2002.

3.

O despacho inicial referia (fls. 2255):

“A informação bancária já recolhida permite identificar novas contas, relativamente às quais importa obter informações e documentos.

Assim, ao abrigo do disposto nos art.°s 1°, n.°1e) e 19 e 3 e 2°, 1,2,4 e 5 da Lei 5/2002 de 11.1. determina-se a quebra do sigilo bancário no sentido de serem solicitadas as seguintes informações:

- ao B., C., D.,E., F., G. e H. solicite que nos informe da existência de contas bancárias em que seja interveniente, a qualquer título, A., NIF 200630849;

Caso localizadas contas deve-nos ser remetida cópia da ficha de cliente e extractos relativos ao ano de 2004.”

3.1.

Conforme se decidiu na 1ª instância e resulta igualmente da resposta ao recurso do M°P°, a questão suscitada pelo recorrente relativamente à falta de fundamentação dos despachos do M°P° que determinaram a quebra do sigilo bancário, por alegada omissão nesses despachos de referência aos “crimes em causa, aos indícios que lhe são imputados e à justificação para a obtenção das tais informações”, não pode proceder.

Efectivamente, de harmonia com o disposto no art° 118° n° 1 do CPP,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT