Acórdão nº 419/21.3PCLSB-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 29-12-2021
Data de Julgamento | 29 Dezembro 2021 |
Case Outcome | IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO |
Classe processual | HABEAS CORPUS |
Número Acordão | 419/21.3PCLSB-A.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. AA, preso preventivamente à ordem do processo 419/21.... do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Instrução Criminal - Juiz ..., veio requerer a providência de HABEAS CORPUS, invocando os artigos 222° e 223º do Código de Processo Penal[1], nos termos e com os fundamentos que se deixam elencados:
1. O arguido AA encontra-se respondendo em inquérito policial por conta de ter se envolvido em ocorrência envolvendo a morte de indivíduo dentro da morada habitada pelo requerente.
2. Após o incidente ter acontecido o requerente, na manhã seguinte, apresentou-se junto das autoridades policiais, prestou os devidos esclarecimentos no primeiro interrogatório em decorrência dos factos ocorridos, tendo-lhe sido determinada a medida coativa de apresentação semanal e a de não se ausentar do país.
3. O arguido vinha cumprindo corretamente as medidas que lhe foram impostas, todavia foi notificado a comparecer perante o Tribunal para novo interrogatório na data de 06 de agosto de 2021, tendo ali comparecido e exposto as circunstâncias e factos de como aconteceu o infeliz episódio.
4. No final do interrogatório o juízo entendeu alterar as medidas de coação que haviam sido impostas ao arguido, enquanto suspeito da prática de um crime de homicídio, tendo-lhe sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva, com base na existência de perigo de continuação da atividade criminosa (al. c), do art. 204º, do CPP), bem como risco ao processo intimidando eventuais testemunhas ainda que possam vir a ser ouvidas e ainda a possibilidade do arguido vir a empreender fuga do País, por ser de origem estrangeira.
5. Para o efeito foram invocados, designadamente, os seguintes factos:
a) Que o arguido não estava integrado do ponto de vista social e familiar;
b) Que o arguido adquiriu uma arma de fogo no dia do crime que lhe é imputado e poderia facilmente dar continuidade a atividade delituosa;
c) Que o arguido não tinha familiares, nem configurava pessoa a manter-se no País, podendo a evadir-se e dificultar o andamento do processo;
d) Ao crime sob investigação corresponder pena superior a cinco anos de prisão;
e) Uma das testemunhas já ouvidas no inquérito seria amigo do arguido e da pretensa vítima, a qual estando em liberdade poderia vir a ameaçar e tumultuar a investigação
6. O requerente, desde a data do interrogatório - 09 de junho do corrente ano, encontra-se preso no Estabelecimento Prisional.
7. O presente habeas corpus consiste numa providência constitucionalmente consagrada no art. 31 e destina-se a fazer cessar, no mais curto espaço de tempo, situações de ilegal privação da liberdade. Traduz-se num direito subjetivo que tutela outro direito fundamental "o direito à liberdade pessoal". Tem como pressuposto de facto a prisão efetiva e como fundamento jurídico a ilegalidade da mesma ou, no âmbito das medidas de segurança, o internamento ilegal.
8. Como referia o Cons. Maia Gonçalves, "a providência de habeas corpus é um modo de impugnação de detenções ou de prisões ilegais que funciona quando por virtude do afastamento de qualquer autoridade da ordem jurídica os meios legais ordinários deixam de poder garantir eficazmente a liberdade dos cidadãos;
9. Não se busca com o presente remédio substituir os meios ordinários de apreciação da legalidade; contudo revelou-se necessário o uso deste mecanismo, face à ilegalidade que o requerente vem suportando, por lhe ter sido imposta a grave medida[2], sem qualquer razão ou fundamento;
10. Faz-se uso deste habeas face ao excesso do prazo fixado na lei para a medida aplicada, por se encontrar ultrapassado, levando-se em conta que o inquérito não foi concluído, não tendo sido deduzida acusação e, consequentemente, instrução, muito menos houve a denúncia contra o arguido, factos estes suficientes para o pedido de salvo conduto, pois a ordem deve ser feita quando houver a presença de direitos sonegados pela justiça.
11. E se não bastasse tal, foi mantido a prisão após ter o arguido demonstrado a desnecessidade do uso da medida, pois não apresentava nenhuma das circunstâncias descritas em lei para lhe ser aplicada a medida coativa grave (prisão preventiva), para além das alegações desmedidas do representante do ministério púbico.
12. O arguido trouxe aos autos elementos suficientes a demonstrar a inexistência dos riscos invocados pelo Tribunal aquando da aplicação da medida, bem como requereu a substituição por medida mais branda; pese embora o juiz ter determinado a realização de relatório social e a vistoria ao local sugerido para o cumprimento da medida terem sido favoráveis ao requerido, manteve-se a prisão anteriormente decretada a pedido do Ministério Público, sob a argumentação de se manter perigo de fuga, familiares residentes no ... e por inexistente de extradição.
13. Não se verificaram em momento algum do inquérito as condições e os pressupostos legais exigíveis para a aplicação de medida tão gravosa, bem como está, neste momento, a ser violado o direito mais lídimo de um cidadão, que é a sua liberdade;
14. Sendo extrapolados os prazos legais, aplicada uma medidas de extrema gravidade sem necessidade, ferindo o principio da inocência, apreciando de forma subjetiva, pois imputar risco de fuga, sem nenhum indício desta intenção, ainda mais quando o próprio documento válido para retorno ao ... - Passaporte - encontra-se depositado aos autos, sem com isso sequer poder para lá retornar, demonstram elementos suficientes a apontar violação legal passível do remédio processual que ora se faz uso, o habeas corpus.
15. O habeas corpus é a "providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido(...). O seu fim exclusivo e último é, assim, estancar casos de detenção ou de prisão ilegais" (Código de Processo Penal Anotado", Simas Santos e Leal Henriques, 1999, I vol., págs. 1063 e 1064).
16. Os fundamentos previstos no n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal e, assim, a ilegalidade da prisão deve provir de:
a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite;
c) Manter-se para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial.
17. Afora o fundamento acima que iremos demonstrar ter sido violado, temos ainda ser cabível a providencia ora adotada segundo o art.º 31.º da CRP, o qual delimita:
1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.
2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.
3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória.
18. O art.º. 27º, da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à liberdade pessoal, como direito fundamental, é de aplicação direta e vincula todas as entidades públicas e privadas e a sua limitação, suspensão ou privação apenas opera nos casos e com as garantias da Constituição e da lei - arts. 27º, nº 2 e 28º, da CRP, e art. 5º, da Convenção Europeia dos Direitos do Humanos.
19. O art. 319, da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe "Habeas Corpus", consagra no seu nº l que: Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.
Conforme entendimento do próprio STJ acerca do uso do habeas corpus, temos que a ela somente poderá fazer uso em situações graves, senão vejamos:
"É uma providência urgente e, expedita, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação, destinada a responder a situações de gravidade extrema visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação direta, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação. Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o "habeas corpus" testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade". (JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigo 1Q a 107Q, 4? edição revista, volume I, Coimbra Editora, 2007, II, p. 508).
20. Verifica-se dos autos que foi aplicada ao requerente a medida coativa de prisão preventiva por despacho de 06 de agosto de 2021 e que essa medida coativa ainda se mantém inalterada, mesmo ultrapassado o prazo máximo previsto no artigo 215 do CPP.
21. Diante desta decisão encontra-se o arguido em situação ilegal, posto que a prisão preventiva decretada já excedeu o prazo fixado na lei, o que é fundamento para habeas corpus nos termos da al. c) do art.º 222.º do CPP.
22. Segundo o previsto no artigo 215 do CPP temos que os prazos máximos da prisão preventiva são:
1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:
a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;
b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;
c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1ª instância;
d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
23. Como se denota acima, o arguido ora requerente da providencia, estaria com sua prisão preventiva estipulada de acordo com o item 1) alínea a do artigo 215 do CPP, o prazo já restou ultrapassado e a penalidade imposta já se encontra viciada.
24. Nem se diga que poderia ser mantida a prisão preventiva do requerente por conta de estar a ser apurado um crime complexo, ou por elevado...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO