Acórdão nº 4183/19.8JAPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 12-01-2022
Data de Julgamento | 12 Janeiro 2022 |
Case Outcome | NEGADO PROVIMENTO |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 4183/19.8JAPRT.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
1. RELATÓRIO
1.1. No Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., no processo comum com intervenção do tribunal coletivo nº 4183/19.... - foi julgado o arguido AA, solteiro, desempregado, filho de BB e CC, natural da freguesia de ..., concelho de ..., nascido em .../.../1997, residente na Residencial ... na Rua ..., ..., atualmente detido no EP ..., e, por acórdão de 22 de dezembro de 2020, foi deliberado:
i) Absolver o arguido AA, da prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º n.º 1 do Código Penal.
ii) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art.º 131.ºe 132.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) anos de prisão.
(Do pedido de indemnização civil):
Absolver da instância o demandado/arguido relativamente ao montante de € 975,00 (novecentos e setenta e cinco euros) referendo aos danos patrimoniais peticionados.
Julgar o pedido de indemnização parcialmente procedente condenando o demandado/arguido a pagar aos demandantes o montante de 125.000,00€ (cento e vinte e cinco mil euros), vencendo-se juros de mora computados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento.
No demais, julga-se improcedente o pedido de indemnização civil, absolvendo-se o demandado/arguido.
1.2. Inconformado com o acórdão dele interpuseram recurso o arguido AA, bem com o os assistentes e demandantes, DD e EE para o Tribunal da Relação ..., e, por acórdão de 14 de julho de 2021 foi deliberado:
a) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.
b) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos assistentes DD e EE e, em consequência, alterar o valor da indemnização atribuído aos mesmos pelo dano morte para €90.000,00, a pagar pelo arguido.
Sem custas.
c) Confirmar em todo o restante a decisão recorrida.
1.3. Ainda inconformado com este acórdão dele interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça o arguido AA que motivou, concluindo nos seguintes termos: (transcrição):
«a. O acórdão errou na apreciação da culpa porque não aferiu a sua dimensão ao conjunto dos factos que deu como provados e como não provados.
b. Factos que, na sua globalidade apontam no sentido da não premeditação do crime. c. E do esvaziamento da própria qualificativa do crime de homicídio.
d. Levando até a supor, num juízo de normalidade que se terá tratado de uma desavença momentânea entre arguido e vítima, ocorrida de modo inesperado e instantâneo, por motivo desconhecido.
e. O que deveria ter levado o tribunal a reconfigurar o ilícito em favor do arguido, para aquele de ofensa à integridade física grave, agravado pelo resultado.
f. Porque, da fundamentação do acórdão, num juízo racional e desprovido de afirmações e de conclusões impressionistas, é essa a causa mais provável do ocorrido.
g. Pois, do normal decorrer das coisas e da experiência, ninguém premedita um homicídio, delineando durante uma tarde inteira com a própria vítima um furto de combustível num local fechado, para empreender esse crime no próprio local e já depois de iniciado o furto do mesmo combustível.
h. Pois tal seria, do ponto de vista médico legal um quadro de psicopatia desmentido pela perícia efetuada.
i. A vacuidade e confusão na descrição dos factos é tal e tão evidente que deveriam favorecer o arguido na definição da culpa e sobretudo da sua densidade.
j. De que resulta que a medida da pena deverá ser reconduzida para um patamar próximo do mínimo legal, ainda que se mantenha o tipo do homicídio simples.
k. Feriu o acórdão os arts. 97º nº 5; 127º a contrário sensu; 163º nº 1; 374º 379º nº 1., al. c); 374º nº 2 in fine; 410º nºs 1, 2, al. c) e 3; 412º nº 2 do CPP; 70º; 71º; 72º nºs 1 e 2, als. a) e b); 131º; e 132º nº 1 a contrário sensu do C. Penal.
ASSIM FARÃO V. EXCELÊNCIAS JUSTIÇA!»
1.3. No Tribunal da Relação ... não houve Resposta do Ministério Público.
1.4. Neste Supremo Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido, nos seguintes termos:
«1. Por douto acórdão proferido, em 1ª Instância, no processo supra-identificado – e confirmado pelo Tribunal da Relação ... –, foi decidido condenar o arguido AA, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art.º 131.º e 132.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) anos de prisão.
2. Inconformado, o arguido interpôs recurso circunscrito à matéria de direito, de acordo com o disposto no art.º 432º, nº 1, al. c) do Código de Processo Penal.
Questiona a qualificação jurídica do crime de homicídio e a excessiva dureza da pena, que entende dever ser fixada em quantum não superior a 10 anos de prisão.
À sua argumentação havia respondido, detalhada e fundadamente, a Exma. Magistrada do Ministério Público junto da 1ª Instância, pugnando pela respectiva improcedência.
3. Crendo-se que nada obstará ao conhecimento do recurso por parte do Supremo Tribunal de Justiça, deverá o mesmo ser apreciado em sede de conferência, de acordo com o disposto no art.º 419º, n.º 3, al. c) do Código de Processo Penal.
Dir-se-á, antes de mais, que a precisão e exaustividade dos argumentos aduzidos na resposta da Exma. Colega – que se acompanha inteiramente – nos dispensam de maiores considerandos.
4. O arguido centra a sua discordância, como ficou dito, na qualificação do crime. Sustenta, nomeadamente, que, embora se possa dizer que “o homicídio foi declarado qualificado pelos motivos que constam do acórdão: especial censurabilidade”, “o tribunal na avaliação da culpa não explicitou, com exame crítico das povas as razões concretas que levaram a concluir por essa qualificativa.”
E acrescenta “que, os elementos de natureza subjetiva que levaram à tragédia, sempre teriam que assentar em elementos factuais objetivos seguros e inquestionáveis capazes de convencer que o homicídio ocorreu de forma premeditada e não foi fruto de uma desavença momentânea no local, por motivos desconhecidos e não provados.”
Ora, é certo que nenhuma das Instâncias sucessivamente recorridas considerou verificadas as circunstâncias qualificativas imputadas na acusação; mas, apesar disso, não deixaram de integrar o crime na norma constante do nº 1 do art.º 132º do Código Penal, considerando que o contexto da respectiva prática revelava especial censurabilidade ou perversidade por parte do arguido.
A tal não obsta, parece-nos, a circunstância de a matéria de facto fixada não poder esclarecer todos os pormenores relativos à forma como ocorreu o homicídio. Na verdade, tendo a vítima, obviamente, falecido, detalhes há que apenas poderiam ser desvendados pelo arguido; o que não impediu os Colectivos de 1ª e 2ª Instância de considerarem que a morte ocorreu em condições que revelam especial censurabilidade ou perversidade, como atrás se disse.
Cremos que – perante a pôr demais evidente brutalidade do crime – a conclusão não poderia ser outra. Atentemos nos seguintes segmentos do acórdão proferido em 1ª Instância:
“Concluímos, por todo o exposto, que o arguido, no referido local onde a vítima se encontra, agride o ofendido com uma pedra e um pau com a intenção de a matar- Intenção, essa, que se verifica atenta a violência dos vários ferimentos efectuados na zona da cabeça, tirando assim a vida- A violência foi de tal ordem que até salpicou sangue para os baldes de gasóleo e para a roda da máquina que se encontrava no local…” E, de seguida:
“Não se conseguiu apurar qual o objecto que foi utilizado em primeiro lugar (se a pedra ou o barrote de madeira), mas o certo é que perante a existência de sangue nos dois objectos o Tribunal conclui que com os mesmos, de modo sucessivo, desferiu várias pancadas na cabeça e corpo de FF, provocando-lhe abundante sangramento, desfigurando-lhe o rosto (conforme se alcança das fotos) e causando-lhe a morte.
A intenção de matar é evidente sendo que o momento temporal em que decidiu tirar a vida não se apurou, mas tal necessariamente que ocorreu quando pega, desconhecendo-se qual em primeiro lugar, numa pedra ou num barrote de madeira e desfere várias pancadas na cabeça e corpo de FF.
Ora, são das mais elementares regras de bom senso que a utilização de uma pedra em formato cubo, irregular, com opeso de 5,800kg, com dimensões aproximadas de 13 por 15 centímetros, que ali se encontrava no chão, bem como um barrote de madeira, de formato retangular, com 7 por 3,7 centímetros de diâmetro, comprimento de 1,20 metros e com 2,075 Kg de peso e se desfere com os mesmos, desde logo na cabeça (!!) a intenção só poderá ser a de matar.”
“Tratam-se de objectos com uma dimensão e peso considerável e com os mesmos, desferiu várias pancadas na cabeça e no corpo, provocando à vítima abundante sangramento acabando por lhe desfigurar o rosto (conforme se verifica da factualidade provada 11. e 12. e da visualização das fotos juntas com o relatório de autópsia), tendo provocado lesões profundas na cabeça.
Ora, os actos de agressão ultrapassam sensivelmente, pela sua intensidade, a medida do necessário para causar a morte, o que revela uma especial perversidade o modo em que a morte foi produzida, o que nos permite qualificar o crime de homicídio nos termos do art.º 132.º n.º1 do Código Penal.”
Em suma, a ferocidade e crueldade demonstradas pelo arguido não poderiam ser ignoradas e bem andou o Tribunal a quo, consequentemente, ao qualificar o ilícito; independentemente da inexistência de premeditação ou das demais circunstâncias previstas como “exemplos-padrão” no nº 2 do art.º 132º do Código Penal. Ele próprio reconhece, aliás, que os argumentos do Colectivo são impressivo.
Recorde-se o decidido, por este Supremo Tribunal, em acórdão proferido em 9-7-2014:
O arguido foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º,...
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