Acórdão n.º 417/2021

Data de publicação12 Julho 2021
SectionParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão n.º 417/2021

Sumário: Decide, com respeito às contas apresentadas pelo Bloco de Esquerda (BE), com referência à campanha eleitoral para a eleição realizada em 16 de outubro de 2016 para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, julgar improcedente o recurso interposto pelo BE e pelo mandatário financeiro, das decisões da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos de 20 de julho de 2018 e de 6 de maio de 2020.

Processo n.º 423/20

Aos quinze dias do mês de junho de dois mil e vinte e um, achando-se presentes o Conselheiro Presidente João Caupers e os Conselheiros José António Teles Pereira (intervindo por videoconferência), Joana Fernandes Costa, Maria José Rangel de Mesquita, Maria da Assunção Raimundo, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Fernando Vaz Ventura, Pedro Machete, Mariana Rodrigues Canotilho, Maria de Fátima Mata-Mouros, José João Abrantes e Lino Rodrigues Ribeiro (intervindo por videoconferência), foram trazidos à conferência os presentes autos.

Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exm.º Conselheiro Presidente ditado o seguinte:

I. Relatório

1 - Por decisão de 20 de julho de 2018, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, «ECFP») julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo Bloco de Esquerda (BE), relativas à campanha eleitoral para a eleição, realizada em 16 de outubro de 2016, dos deputados para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores - cf. artigos 27.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, «LFP») e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, doravante, «LEC«).

As irregularidades apuradas foram as seguintes:

a) Cedência de bens a título de empréstimo não reconhecida nas contas da campanha, em violação do artigo 12.º da LFP, ex vi artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma;

b) Pagamento de despesas em numerário de montante superior a 1 (um) salário mínimo nacional («SMN») de 2008, ao arrepio do disposto no n.º 3 do artigo 19.º da LFP;

c) Despesas valorizadas abaixo do valor de mercado, em violação do disposto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP, ex vi artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma.

2 - Desta decisão foi interposto recurso pelo BE e pelo mandatário financeiro para a campanha em causa, José Maria de Sousa Mendes, nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, da LEC e 9.º, alínea e), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, doravante, «LTC»). Os recorrentes formularam as seguintes conclusões:

«1 - Da aplicação dos artigos 46, n.º 5 da Lei Orgânica n." 2/2005, com paralelo com o n.º 2 do Regime Geral das Contraordenações, sendo esta a solução que resulta da aplicação do artigo 407, n.º 1 do Código de Processo Penal, conclui-se que o prazo para a interposição do presente recurso é de 30 dias, suspendendo o mesmo durante as férias judiciais, nos termos e para os efeitos dos artigos 103.º e 104.º do Código de Processo Penal, considerando-se o presente Recurso tempestivo.

2 - A decisão impugnada julga as contas apresentadas com irregularidades, assinalando as seguintes irregularidades apuradas:

a) Cedências de bens a título de empréstimo não reconhecidos nas contas da campanha, em violação do artigo 12.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, ex vi artigo 15.º, n.º 1 do mesmo diploma;

b) Despesas valorizadas abaixo do valor de mercado, situação atentatória do artigo 12.º, n.º 1 da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, ex vi artigo 15.º, n.º 1 do mesmo diploma;

c) Despesas pagas em numerário de montante superior a um SMN de 2008, ao arrepio do disposto no n.º 3 do artigo 19.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho.

3 - Não existe nenhuma violação do artigo 12.º, da Lei n.º 19/2003, aplicável ex vi, artigo 15.º, n.º 1, uma vez que em nenhum dos artigos mencionados se enquadra a utilização de veículo pessoal, pelos seus condutores, ou pessoas por si autorizadas, como despesa de campanha.

4 - Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 16.º, n.º 6, da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, a utilização de viaturas próprias por colaboradores do Partido, não são consideradas nem como receitas, nem como despesas de campanha.

5 - Não existe qualquer justificação legal ou interpretativa para que se considere que a expressão "colaboração" referida no artigo 16.º, n.º 6, da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, exclua a utilização de bens dos respetivos militantes, simpatizantes ou apoiantes.

6 - Uma inversão do ónus da prova é inadmissível à luz do processo penal, aplicável ex vi o artigo 41.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.

7 - Não se verifica qualquer violação ao artigo 15.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, visto que, nem mesmo pela remissão para o artigo 12.º da Lei n.º 19/2001, de 20 de junho, impõe qualquer consulta ao mercado para a aquisição de bens e serviços pelos partidos políticos.

8 - Ao assim concluir, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos cria um dever de consulta prévia ao mercado para a realização de despesa por parte dos partidos políticos, colocando esse ónus - até probatório - aos partidos políticos para o exercício da sua atividade. Ora, esta exigência não tem qualquer fundamento legal.

9 - É certo que a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos tem competência para emitir recomendações e até para "após consulta de mercado, publicar uma lista indicativa do valor dos principais meios de campanha, designadamente publicações, painéis publicitários e meios necessários à realização de comícios" (artigo 24.º, n.º 5 da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, na sua atual redação). Sublinhe-se que é empregue o advérbio designadamente, sendo a mesma considerada meramente exemplificativa.

10 - A exigência de consulta prévia ao mercado para a aquisição de bens e serviços não consta das recomendações da Entidade das Contas e Financiamentos Políticas emitidas para a Eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, realizada a 16 de outubro de 2016, (documentação disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/file/Recomenda%E7 %F5es_ALRAA%E7ores_2016.pdf?src=1&mid=3636&bid=2803.

11 - Toda a estrutura das normas sobre financiamento de campanhas eleitorais assenta na necessidade de limitação das despesas de campanha (artigo 20.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho) e de controlo sobre eventuais donativos proibidos através da subfaturação de despesas (e daí a ratio legis da lista prevista no artigo 24.º, n.º 5 da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho).

12 - No caso em apreço, salvo melhor opinião, não está em causa qualquer dessas situações, pelo que interpretar o artigo 15.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, no sentido de impor a consulta ao mercado, pelos partidos políticos, para a definição da razoabilidade das despesas elegíveis comporta, pela eventual responsabilidade contraordenacional, uma inversão do ónus da prova inadmissível à luz do processo penal, aplicável ex vi o artigo 41.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na sua redação atual.

13 - As despesas pagas em numerário de montante superior a um SMN de 2008, trataram-se de um caso fortuito e imprevisível, pelo que teve de ser usado o fundo de maneio para fazer face a esta despesa.»

Por deliberação da ECFP de 4 de outubro de 2018, a análise preliminar do recurso foi relegada para momento posterior, designadamente a final, por ocasião da impugnação da decisão sancionatória (cf. o n.º 3 do artigo 407.º do Código de Processo Penal, enquanto diploma de aplicação subsidiária a todo o procedimento contraordenacional ex vi artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, doravante, «RGCO»).

3 - Na sequência da referida decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou um processo de contraordenação contra o BE e contra José Maria de Sousa Mendes, enquanto mandatário financeiro da campanha em questão, pela prática das irregularidades verificadas naquela decisão (Processo n.º 39/2019).

Notificados do processo de contraordenação, o Partido e o seu mandatário financeiro apresentaram a sua defesa, nos termos do n.º 2 do artigo 44.º da LEC.

No âmbito do referido procedimento contraordenacional, a ECFP, por decisão de 6 de maio de 2020, aplicou as seguintes sanções:

a) Ao arguido Bloco de Esquerda, uma coima no valor de 11 (onze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 4.686,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e seis euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP; e

b) Ao arguido José Maria de Sousa Mendes, enquanto mandatário financeiro, uma coima no valor de 2 (dois) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 852,00 (oitocentos e cinquenta e dois euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

4 - Inconformados, os arguidos impugnaram, em 14 de maio de 2020, esta decisão junto do Tribunal Constitucional, mediante requerimento que concluíram nos seguintes termos:

«1 - A decisão impugnada julga provados os seguintes factos:

[...]

2 - Não existe nenhuma violação do artigo 12.º da Lei n.º 19/2003, aplicável ex vi, artigo 15.º, n.º 1, uma vez que em nenhum dos artigos mencionados se enquadra a utilização de veículo pessoal, pelos seus condutores, ou pessoas por si autorizadas, como despesa de campanha.

3 - Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 16.º, n.º 6, da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, a utilização de viaturas próprias por colaboradores do Partido, não são consideradas nem como receitas, nem como despesas de campanha.

4 - Não existe qualquer justificação legal ou interpretativa para que se considere que a expressão "colaboração" referida no artigo 16.º, n.º 6, da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, exclua a utilização de bens dos respetivos militantes, simpatizantes ou apoiantes.

5 - Uma inversão do ónus da prova é inadmissível à luz do processo penal...

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