Acórdão nº 415/19.0JAVRL.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 15-07-2020
Data de Julgamento | 15 Julho 2020 |
Case Outcome | NÃO PROVIDO |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 415/19.0JAVRL.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Coletivo n.º 415/19.0JAVRL do Juízo Central Criminal de … – Juiz … – Comarca de …, foi submetido a julgamento o arguido AA, casado, agricultor, nascido a … de … de 1959, natural da freguesia de …, concelho de …, residente na … n.º 00, 0000-000, …, ..., atualmente detido no Estabelecimento Prisional de … .
O Digno Magistrado do Ministério Público deduziu acusação contra o arguido, imputando-lhe, em autoria material, na forma consumada, em concurso real, três crimes de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e c), por referência ao artigo 202.º, alínea a), ambos do Código Penal.
O Ministério Público requereu a condenação do arguido a pagar à Autoridade Nacional de Protecção Civil - Estado, a quantia de € 4.877,71 referente aos prejuízos causados, acrescido dos juros compensatórios e moratórios vencidos desde a notificação do pedido de indemnização civil e os vincendos até efetivo e integral pagamento.
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Realizado o julgamento, por acórdão do Colectivo do Juízo Central Criminal de … – Juiz … – da Comarca de …, datado de 2 de Março de 2020, constante de fls. 456 a 464 verso do 2.º volume, depositado no mesmo dia, conforme declaração de depósito de fls. 465, foi deliberado:
I) Condenar o arguido AA pela prática, sob a forma de autoria material e consumada, de três crimes de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274.°, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e c), do Código Penal:
a) na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão correspondente ao 1.º incêndio de 20 de agosto de 2019;
b) na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão correspondente ao 2.º incêndio de 2.09.2019;
c) na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão correspondente ao 3.º incêndio de 7.09.2019.
Em cúmulo jurídico emergente destas penas parcelares condena-se o arguido na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.
II) Julgar totalmente procedente, por provado, o pedido cível deduzido pelo Estado -Autoridade Nacional de Protecção Civil e em consequência condenar o arguido a pagar-lhe a quantia de €4.877,71 (quatro mil e oitocentos e setenta e sete euros e setenta e um cêntimos), acrescido:
a) dos juros moratórios, à taxa legal, vencidos desde a notificação do pedido de indemnização civil e os vincendos até efetivo e integral pagamento;
b) dos juros compensatórios, à taxa legal de 5%, desde a data de trânsito em julgado deste acórdão até efetivo e integral pagamento.
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Inconformado com o assim deliberado, o arguido AA interpôs recurso dirigido ao Tribunal da Relação de Coimbra, apresentando a motivação de fls. 469 a 478, que remata com as seguintes conclusões (!):
1/- O presente recurso, tem por objecto o acórdão final proferido nestes autos, em concreto a parte da decisão recorrida que condena o arguido nas penas parcelares de, três anos e nove meses de prisão (para o primeiro incêndio), quatro anos e nove meses de prisão (para o segundo incêndio) e três anos e nove meses de prisão (para o terceiro incêndio), em cúmulo jurídico na pena única de seis anos e seis meses de prisão efectiva.
2/- O arguido AA foi condenado nestes autos, pela prática de três crimes de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274.º n.º 1 e n.º 2, al. a) e c) do Código Penal, nas penas parcelares de: a) três anos e nove meses de prisão (para o primeiro incêndio); b) quatro anos e nove meses de prisão (para o segundo incêndio) e c) três anos e nove meses de prisão (para o terceiro incêndio).
3/- Em cúmulo, e nos termos do disposto no artigo 77.º do CP foi condenado na pena única de seis anos e seis meses de prisão.
4/- Pelo Tribunal recorrido foi entendido que o arguido deveria cumprir em termos efectivos a referida pena, não havendo lugar à suspensão da mesma (uma vez que vai além dos cinco anos de prisão).
5/- É, precisamente com esta opção (medida concreta da pena) que o recorrente discorda, considerando que as penas parcelares que lhe foram aplicadas são manifestamente excessivas, excesso que se manifesta também, e em consequência, na pena aplicada em sede de cúmulo jurídico.
6/- O Tribunal deveria ter optado por uma pena global inferior a cinco anos, determinando a suspensão da execução da referida pena com a sujeição do arguido/recorrente a um plano de reinserção social a ser elaborado e executado no âmbito do regime de prova.
7/- Dispõe o artigo 40.º do CP que “A aplicação de penas e de medidas de segurança
visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
8/- Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão, o juiz serve-se do critério global contido no referido art. 71.º do CP (preceito que a alteração introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09, deixou intocado, como de resto aconteceu com o art. 40.º), estando vinculado aos módulos – critérios de escolha da pena constantes do preceito.
9/- Na graduação da pena deve olhar-se assim para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou como diz o Ac. de 22-09-2004, Proc. n.º 1636/04-3.ª, in ASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.
10/- Considerando que a aplicação de penas tem como primordial finalidade a de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal, não devendo ultrapassar o grau de culpa do agente, é entendimento do recorrente que a aplicação de uma pena de prisão efectiva, em cúmulo jurídico de 6 anos e 6 meses se afigura excessiva, tendo em consideração os seguintes factos (factos 43 a 46 da matéria dada como provada) e a postura de colaboração do arguido desde o inicio do inquérito:
- O ambiente familiar foi sempre harmonioso e tem o apoio total dos seus filhos que o têm apoiado fortemente e que o têm ajudado na resolução dos problemas dia-a-dia. Garante que é muito frequente almoçarem ou jantarem juntos.
- No meio social envolvente e conotado como excelente trabalhador, pacifico, humilde, educado e respeitador, gozando de uma imagem social positiva.
- Por decisão de 05 de dezembro de 2019, foi aplicada ao arguido a medida de coação de OPH que tem cumprido com responsabilidade e rigor.
- O arguido não tem antecedentes criminais.
11/- Ora, não obstante tais factos, a ampla colaboração do arguido e juízo crítico que faz dos seus actos, a verdade é que o douto tribunal considerou ser ajustada a aplicação de uma pena de prisão efectiva de 6 anos e 6 meses, não podendo assim o recorrente concordar com tal decisão, pugnando-se por uma pena equivalente ao mínimo legal para a suspensão de execução da mesma, designadamente a 5 anos de prisão.
12/- Conforme estatui o artigo 70.º do CP, o tribunal deve dar preferência à pena não detentiva sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo certo que para a determinação da medida concreta importa atender ao critério legal, o inserto do artigo 71.º do código, ou seja, “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo a “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, despuserem a favor do agente ou contra ele”.
13/- No que se refere à prevenção geral, haverá que dizer que esta radica no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, sendo certo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art.º. 40 n.º 2 do CP).
14/- De facto, a suspensão da execução da pena de prisão (art.º. 50.º do CP) é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico, não obstante a sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal, exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece.
15/- In casu, entende o recorrente que, as penas parcelares aplicadas e consequentemente a pena única que lhe foi aplicada aliada a não possibilidade de suspensão da pena aplicada afigura-se uma medida excessiva.
16/- A aplicação de penas concretas mais justas e, portanto, mais próximas do mínimo legal, levariam certamente à aplicação de uma pena única de montante significativamente mais reduzido.
17/- A redução da pena de prisão aplicada ao recorrente para um quantum inferior ou igual a cinco anos de prisão permitiria a suspensão da referida pena de prisão, nos termos do disposto no artigo 50.º do CP. Dispõe o referido artigo que: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, entendendo que tal se verifica no caso sub judice.
18/- O preceito em referência atribui ao tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido.
19/- Como se salientou no Ac. do STJ de 8-5-97 (Proc. N.º 1293/96) o “factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio do seu comportamento...
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