Acórdão nº 4141/18.0T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 18-06-2024

Data de Julgamento18 Junho 2024
Case OutcomeNEGADA
Classe processualREVISTA
Número Acordão4141/18.0T8PRT.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível

I – RELATÓRIO

AA, residente na Rua dos ..., n.º ..., ..., ..., intentou acção especial de divisão de coisa comum contra BB e mulher CC, tendo em vista a divisão dos bens móveis e imóveis que foram adjudicados à requerente e ao requerido marido, no processo de inventário que correu por óbito dos progenitores de ambos, na proporção de 19,269875% para a primeira e 80,730124% para o segundo, afirmando que nenhum daqueles bens é divisível em substancia.

Juntou um documento, arrolou testemunhas e requereu a realização de perícia aos bens, tendo como objecto a questão da sua indivisibilidade.

Na contestação que apresentaram, os requeridos não questionaram a proporção das quotas alegada pela requerente nem a indivisibilidade dos bens, mas arguiram a ilegitimidade processual da requerida mulher e alegaram que alguns dos bens a dividir foram relacionados em duplicado e que outros podem já não existir, pelas razões que aduzem.

O tribunal a quo julgou improcedente a excepção de ilegitimidade e determinou a realização da perícia colegial requerida, ao abrigo do disposto no artigo 926.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC), «com vista à fixação dos respetivos quinhões, bem como, se necessário, a questão de se saber qual o respetivo valor patrimonial» (cfr. despacho de 03.09.2018).

Pelo colégio de peritos foi junto aos autos relatório de avaliação dos bens imóveis (edifício e jazigo), não se pronunciando sobre a questão da indivisibilidade ou sobre a formação dos quinhões.

O tribunal a quo designou data para conferência de interessados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 929.º, n.º 2, do CPC, na qual:

- Em face da insistência dos requeridos para que o tribunal conhecesse como questão prévia da alegada duplicação e inexistência de alguns dos bens, o tribunal julgou extemporânea essa questão;

- Perante a falta de acordo das partes, julgou imprescindível a avaliação dos bens móveis.

Os autos prosseguiram nesses termos, tendo o perito nomeado junto aos autos o relatório de avaliação das joias que se encontram depositadas na Caixa Geral de Depósitos e, posteriormente, dos bens que se encontram em ... ..., acrescentando que tentou várias vezes que os restantes lhe fossem disponibilizados mas que isso sempre lhe foi recusado (cfr. requerimento de 29.09.2022).

Depois de ouvidas as partes, o tribunal notificou o perito para esclarecer «a quem solicitou esses bens para avaliar, quem recusou, o concreto argumento da recusa e o demais circunstancialismo relevante».

Em resposta, o perito começou por informar que quem concedeu o acesso aos bens a avaliar «foi o Sr. Eng. DD».

O Tribunal ordenou a notificação das partes para se pronunciarem e para requererem o que tivessem por conveniente, recordando que os autos havia tido o seu início há 5 anos.

Perante o silêncio das partes, em 29.03.2023 proferiu o seguinte despacho:

«Em face do silêncio das partes quanto ao teor do requerimento do Sr. Perito, de 28/02, aguardem os autos que algo seja requerido, sem prejuízo do disposto no artigo 281º do CPC».

Em 24.05.2023, para além de requerer a fixação dos seus honorários, o perito veio complementar a informação que havia prestado, esclarecendo que avaliou os bens que lhe foram apresentados pelo Sr. Eng. DD, marido da requerente destes autos, os quais estavam depositadas num prédio em ..., ..., e que os demais bens a avaliar, na posse do requerido, foram a este solicitados, tendo o mesmo dito que não os tinha.

Os autos foram apresentados ao Sr. Juiz a quo com termo de conclusão de 26.05.2023, tendo este fixado os honorários do perito, nada mais dizendo.

Em 21.09.2023, DD apresentou um requerimento onde pede a fixação da remuneração que lhe é devida pelo exercício do cargo de depositário dos bens móveis que se encontram no imóvel sito em ..., ..., para o qual foi nomeado no processo de execução que identifica, mais solicitando a remoção desse cargo.

Por despacho de 25.09.2023, o tribunal ordenou a notificação das partes para se pronunciarem quanto ao requerido pelo fiel depositário, nada tendo sido dito ou requerido por estas.

Em 17.10.2023 o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

«No seguimento do despacho de 29/03, e mantendo-se o silêncio das partes, e nos termos do artigo 281º, n.º 1 e 4 do CPC, julgo deserta a instância.

Custas pela requerente.

Registe e notifique e, oportunamente, arquivem-se os autos».


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Inconformada, a requerente apelou desta decisão, vindo a Relação do Porto, em acórdão, a revogar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos.

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Por sua vez inconformados, vêm os recorrentes BB e CC interpor recurso de revista, apresentando alegações que rematam com as seguintes

CONCLUSÕES

1. Da análise preconizada pelo Tribunal da Relação no acórdão proferido, resulta que o mesmo fez uma errada interpretação e análise daquela que foi a sequência de atos praticados nos presentes autos, bem como do impulso processual (ou falta dele) que incumbia às partes – neste caso, à Recorrida –, e das consequências legais impostas à luz do regime da deserção da instância, previsto no artigo 281.º do CPC.

2. Contrariamente ao entendimento do tribunal recorrido, entende o Recorrente ser manifesto e por demais evidente que os presentes autos estiveram parados mais de seis meses; questão diversa será, por ora, proceder ao enquadramento processual dos aludidos atos que foram sendo praticados dentro deste cômputo de seis meses.

3. Não pode, para este efeito, perder-se de vista que depois de notificadas as partes quanto ao esclarecimento propriamente dito do perito, primeiramente prestado pelo perito em 28.02.2023, nada foi por estasrequerido ou pronunciado.

4. Note-se que, para além disso, nenhum daqueles atos em causa poderá ser concebível como um ato processual praticado por qualquer das partes em juízo, porque, desde logo, não o são.

5. Se o primeiro daqueles actos respeita a um esclarecimento so perito, já o segundo respeita ao despacho de fixação de honorários de perito – que pela sua natureza deve, inclusive, ser concebido como sendo de mero expediente.

6. O mesmo cumpre dizer, aliás, quanto ao “requerimento apresentado em 21.09.2023 pelo depositário dos bens, pedindo a fixação da sua remuneração e a sua remoção do cargo”, pois que, também este não poderá ser concebível como um ato processual praticado por qualquer das partes em juízo.

7. Acresce que, é o próprio tribunal recorrido quem aponta que o “teor desse requerimento [de 21.09.2023, apresentado pelo depositário dos bens] se revele estranho ao presente processo, devendo ter sido apresentado no processo de execução em que o fiel depositário foi nomeado”.

8. Entender, como entendeu o tribunal recorrido, que “foi o próprio tribunal que determinou a sua notificação às partes para os referidos fins” e que seria “incoerente desconsiderar essa notificação”, é uma solução que, além de desequilibrada, subverte em absoluto o instituto da deserção da instância.

9. Se a lei comina a inércia (negligente) das partes com a extinção da instância, sob um escopo que é claramente compulsório e de matriz objetiva, para promoção da celeridade e eficiência processuais, admitir que os termos do processo se possam considerar promovidos – ou, pelo menos, que não se consideram parados – por força da apresentação de um requerimento que se “revel[a] estranho ao presente processo”,

retiraria toda e qualquer eficácia ao instituto da deserção da instância.

10. Seguindo de perto o raciocínio do tribunal recorrido, dir-se-ia então que qualquer requerimento deduzido nuns concretos autos, ainda que desprovido de contexto, mérito ou propósito processuais, serviria o propósito de interromper a contagem de seis meses fixada e, com isso, acabar por frustrar a decisão de declarar deserta a instância.

11. Tentar extrair da atual lei, pela redação do art.281.º do CPC, um entendimento semelhante ao que operou o tribunal recorrido, provocaria um desequilíbrio e a ab-rogação deste instituto jurídico, tal qual efetivamente desenhado pelo legislador.

12. Simultaneamente, tornaria a manutenção das instâncias permeável e dependente da verificação de ocorrências estranhas – como sucede in casu, através de um requerimento de terceiro que nem sequer figura como interveniente nos autos.

13. No que concerne à sucessão de atos processuais praticados, vejamos:

a. Por despacho de 07/09/2018, e nos termos do disposto no art.924.º, n.º 4 do CPC, determinou o tribunal de 1.ª instância que “para realização de perícia com vista à fixação dos respetivos quinhões, bem como, se necessário, a questão de se saber qual o respetivo valor patrimonial”;

b. Por despacho de 22/03/2019, determinou o tribunal de 1.ª instância que “Os Peritos deverão pronunciar-se a respeito da fixação dos respetivos quinhões, realidade que não se encontra retratada no relatório que submeteram aos autos”;

c. Despacho esse que o tribunal de 1.ª instância voltou a repetir em 24/04/2019;

d. Em 17/04/2019, responderam os Peritos dando nota de que “a nossa função no processo foi a avaliação dos bens imóveis e agora o Meritíssimo Juiz e os Exmos. Mandatários obterão o valor do quinhão que cabe a cada irmão.” – posição que, aliás, entendemos ser ajuizada;

e. Por despacho de 11/06/2019, notificou o tribunal de 1.ª instância que “resta agora designar a conferência de interessados (...) agendando-se para o efeito o próximo dia 2JUL2019, pelas 14 horas” – a qual veio a ter lugar na data designada, conforme a ata de conferência de interessados junta aos autos;

f. Na data de 30/09/2019 e no seguimento da segunda diligência promovida em sede de conferência de interessados, “prosseguem os autos e, no caso dos autos, em face da natureza e característica dos diversos bens móveis (artigos em ouro, prata, mobiliário, etc. etc.), impõe-se, para obtenção do seu justo valor, uma...

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