Acórdão nº 4109/23.4T8MAI.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 09-05-2024

Data de Julgamento09 Maio 2024
Número Acordão4109/23.4T8MAI.P1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 4109/23.4T8MAI.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO.

A... instaurou procedimento cautelar contra Condomínio ... pedindo que seja ordenada a suspensão da deliberação da Assembleia de Condóminos datada de 20 de Julho de 2023 e a inversão do contencioso.

Alegou, em síntese, que é proprietário da fração “JF”, que faz parte do prédio descrito na Conservatória de Registo Predial da Maia sob o nº ..., submetido ao regime da propriedade horizontal, que é composto por diversas zonas destinadas a habitação, comércio, escritórios e aparcamento público, cujo regulamento do condomínio dividiu em zonas específicas, para optimizar a respectiva gestão, que tem sido feita de forma separada desde 1999; a fração “JF” integra-se na zona G correspondente às galerias comerciais, que constituiu o seu próprio condomínio, com NIF, contas bancárias e administrador próprio.

Referiu que, em 16 de Dezembro de 2022, foi eleita uma empresa para a administração do Requerido, com intenção de se tornar administradora de todas as zonas e, na assembleia geral de 23 de Fevereiro de 2023, tentou aprovar um orçamento para todo o condomínio e todas as zonas, procurando subverter a necessidade de ser eleita como administradora em todas elas, pretendeu avocar todas as contas existentes numa só, para utilizar e movimentar por si com total autonomia e destituir as administrações das zonas sem realizar assembleias gerais parcelares; na assembleia realizada em 20 de Julho de 2023 foi aprovado o ponto 3 da ordem de trabalhos respeitante à unificação da administração do condomínio, a qual equivale à destituição das administrações parcelares, sendo que a exoneração não consta da convocatória, tornando-a ilegal; considera que não compete aos condóminos de uma zona deliberar quanto à administração de outra zona e que a existência de administração única só é possível se cada zona, em assembleia própria, assim deliberar.

Acrescentou que a unificação da administração não é compatível com a estrutura do prédio, não acautelará a defesa dos específicos interesses das diversas zonas, com necessidades diferentes, por vezes, incompatíveis, permitindo decidir temas exclusivos de outras zonas, prejudicando-as; concretiza que a administração do condomínio da zona G instaurou uma ação contra o condomínio geral pedindo o montante de € 43.578 para ressarcimento dos prejuízos com a escada rolante, tendo a administração do Requerido afirmado em assembleia geral que tal acção não tem cabimento, sendo que a unificação permitirá a desistência, prejudicando os condóminos da zona G, que também levará à confusão dos saldos das contas bancárias e dos valores de poupança e fundos comuns de reserva, beneficiando zonas com maiores problemas económico-financeiros em detrimento daquelas que têm saldos mais elevados, como é o seu caso, havendo risco de delapidação e prejuízo para os condóminos que o angariaram; referiu, ainda, que, caso se efective a exoneração da administradora eleita para a zona G, a mesma será sem justa causa e originará uma indemnização que pode ascender a € 16.200,00.

A Requerida deduziu oposição, contrapondo que o Requerente agiu em contrário ao regulamento do condomínio quando decidiu criar uma pessoa coletiva independente, à revelia dos restantes condóminos, o que não seria possível desde 2002, tendo a administração em separado provocado danos na gestão, apontando como exemplos, a acção referida pelo Requerente, custos mais avultados para gestão com cinco ou seis administrações distintas, rubricas de despesas ordinárias e honorários, despesas distintas de manutenção dos elevadores; referiu que a totalidade das frações foram convocadas para as assembleias e já em 23 de Fevereiro a maioria dos condóminos foram favoráveis à unificação, aprovada em 20 de Julho e, apesar de essa última assembleia ter terminado após essa aprovação, com necessidade de convocação de outra para apreciação dos restantes pontos da ordem de trabalhos, a maioria dos condóminos concordou e vinculou-se ao orçamento apresentado; referiu que administrações de condomínio experientes têm capacidade de gerir de forma separada o que deve ser separado, lançando a crédito da zona respectiva o que gaste a menos em despesas ordinárias, podendo também ser criado um depósito a prazo ou um reforço do fundo de reserva exclusivo e caso uma zona despenda mais do que orçamentado numa rubrica no final do exercício será obrigada a repor o desvio através de quota extra a imputar às frações que a integram ou do recurso ao fundo de reserva ou poupanças exclusivas de outros anos; alegou, também, apesar das diferentes permilagens a maioria dos condóminos, podendo, não deliberou relativamente às partes comuns das galerias, salientou as vantagens de uma única administração, designadamente, na redução dos custos, a exoneração da administração do condomínio das galerias decorre da ilegalidade da sua eleição e a sorte do processo será aquela que a maioria venha a decidir.

Suscitou o incidente de litigância de má fé por considerar que o Requerente deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignora, alterando/omitindo factos relevantes para a melhor decisão da causa, fazendo um uso reprovável do processo para alcançar objetivo legal, relativamente ao qual foi exercido o contraditório.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Em face do exposto:

a) nos termos dos artigos 380º a 383º do Código de Processo Civil, julgando procedente a pretensão do Requerente A..., ordena a suspensão da deliberação da Assembleia de Condóminos de 20 de Julho de 2023 no que diz respeito unificação da Administração do Condomínio (ponto 3 da ordem de trabalhos identificada no ponto 22) da fundamentação de facto;

b) indefere o pedido de inversão do contencioso.

Custas a atender a final no processo principal, nos termos do artigo 539º nº 2 do Código de Processo Civil.

Registe e notifique, designadamente, para os efeitos previstos no artigo 375º do diploma em referência”.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs o requerido recurso de apelação para esta Relação, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

O apelado apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, cumprirá apreciar se:

- a matéria de facto, na parte impugnada, foi incorrectamente apreciada;

- se verificam os requisitos de que depende a suspensão da deliberação da assembleia de condóminos.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

III. A. Em primeira instância foram julgados provados os seguintes factos:

1. O Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado cujo regulamento foi registado na Comissão de Mercados e Valores Mobiliários, sendo representado pela sociedade gestora B..., S.A. [certidão junta em 5 de Fevereiro].

2. Existe um prédio submetido ao regime da propriedade horizontal descrito na 1ª Conservatória de Registo Predial da Maia sob o nº 1062/19961022-Maia, denominado “Edifício ...” composto por 13 pisos, sendo 10 acima da cota da soleira e 3 abaixo da mesma, situado na Avenida ..., ..., Rua ..., ..., Rua ..., ... e arruamento de nome a designar nºs 23 e 31 [documento 2 junto com o requerimento inicial].

3. A fração JF, que integra o prédio identificado em 2), é composta de estabelecimento comercial, prestação de serviços no rés-do-chão, designada por loja ..., com entrada pelos nºs ..., ..., ... e ..., com a área de 1.181,10 e permilagem 24 [documento 1 junto com o requerimento inicial].

4. A aquisição da fração identificada em 3) encontra-se registada a favor do Requerente pela Ap. ... de 11 de Janeiro de 2005 [documento 1 junto com o requerimento inicial].

5. Na fração identificada em 3) encontra-se instalado o supermercado C....

6. A constituição da propriedade horizontal do edifício identificado em 2) foi registada em 24 de Junho de 1999 [documento 2 junto com o requerimento inicial].

7. O Regulamento Geral do condomínio do edifício identificado em 2) estabeleceu, no seu artigo 2º, que as 424 frações autónomas destinadas a habitação, comércio, escritórios, arrumos e aparcamentos, eram distribuídas pelas zonas “A” a “J”, por referência aos nºs de polícia das respetivas entradas, sendo a zona “G” composta pelo conjunto de frações denominado por “...” respeitante às frações autónomas “ID” a “LA” [documentos 5 junto com o requerimento inicial e 2 junto com a oposição].

8. No artigo 14º do Regulamento identificado em 6) ficou a constar: “A Assembleia de Condóminos é o órgão colegial constituído por todos os Condóminos, com carácter deliberativo, com poderes de controlo, de aprovação e decisão final sobre todos os atos de administração das partes comuns do prédio, a ela cabendo promover a cooperação entre os Condóminos e a cooperação das atividades destes no âmbito do condomínio e as suas decisões vinculam todos os Condóminos, ainda que a ela não tenham comparecido nem se tenham feito representar, sem prejuízo do direito de impugnação previsto no Artigo 1430º do Código Civil.

Parágrafo Único: As deliberações referentes às partes comuns exclusivas a cada uma das Zonas identificadas no artigo 2º poderão ser tomadas em Assembleia especialmente convocada para o efeito e na qual apenas poderão estar presentes os Condóminos...

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