Acórdão nº 41/19.4YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça, 29-10-2020
Data de Julgamento | 29 Outubro 2020 |
Case Outcome | JULGADA IMPROCEDENTE A ACÇÃO |
Classe processual | RECURSO DE CONTENCIOSO |
Número Acordão | 41/19.4YFLSB |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
P. 41/19.4YFLSB
1. - O Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) deliberou, em 2019.06.04, atribuir a classificação de “Bom” à Sra. Juíza … AA na sequência de inspecção ordinária ao seu serviço prestado («tido como relevante»[1]) no período de 2014... a 2018.... nos seguintes Tribunais:
- Instância … (juiz 2);
- Instância ...(em regime de acumulação com a Instância ...);
- Instâncias ... (Juiz 2) e de Competência ...;
- Juízo de ...(juiz 1);
- Juízo de ...(Juiz 1).
A Sra. Juíza interpôs recurso contencioso[2], em síntese, com os seguintes fundamentos:
- A circunstância de a autora exercer funções, no período inspectivo, no Quadro Complementar de Juízes ...foi tida em seu desfavor por se considerar estar nessa situação voluntariamente e auferir, por isso, uma compensação monetária que lhe imporia mais capacidade de adaptação ao serviço e melhor produtividade quando essa compensação tem como finalidade compensar encargos resultantes de deslocações, alimentação e mudanças constantes de alojamento a que os juízes desse Quadro estão sujeitos; mas não foi ponderada em seu favor por exigir mobilidade contínua entre tribunais, localidades e várias jurisdições, o que se traduz numa circunstância objectivamente adversa, qualitativa e quantitativamente, assim se postergando o determinado no nº 5 do art.12 do Regulamento dos Serviços de Inspecção (RSI).
- E serviu para uma comparação genérica e acrítica entre o seu nível de produção e de outros colegas com produções equivalentes desvalorizando o seu desempenho o que se traduz em insuficiência, incoerência e contradição na fundamentação fáctica operada.
- A invocação de menor produtividade, circunscrita a algumas unidades processuais, a dois tribunais e com pouca expressão, assente num aumento de pendência não foi averiguada pelo serviço de inspecção que não atendeu às circunstâncias dadas a conhecer pela autora.
- A alegação de que a produtividade da autora se expressou em números pouco positivos e “ficou aquém do esperado” constitui fundamentação insuficiente pois se não dá a conhecer qual seria, do ponto de vista quantitativo, um número aproximado/estimado de decisões que servissem de termo comparativo.
- O mesmo se diga quanto à alegação de que a autora “podia e devia ter feito mais” pois lhe foi cometida uma carga processual e uma distribuição favoráveis quando é certo que o número de processos distribuídos anualmente se encontra dentro dos valores de referência processual (“VPR”).
- Se a análise dos dados estatísticos mostra que o número de actos praticados é adequado à realidade dos tribunais e é favorável a cada juiz o número de actos e decisões será condicionado por esse factor; o número de actos não poderá ser tido como “aquém do esperado” sem se fundamentar tal afirmação se há uma distribuição favorável.
- A análise dos dados estatísticos e dos aspectos factuais que a autora fez na “reclamação” do relatório final da inspecção revela que os aumentos globais de pendência foram pouco expressivos (restritos aos tribunais de ... e ... e a algumas unidades processuais) e contrabalançados por situações de alcance/superação dos objectivos processuais definidos sobre as quais a decisão impugnada não se pronunciou, e, de todo o modo, o aumento foi determinado essencialmente por razões objectivas que não se prendem com a estrita produtividade da autora mas com incidentes e vicissitudes de natureza processual de diversa ordem.
Sobre esta matéria não se pronunciou a decisão impugnada.
- A irregularidade apontada de falta de depósito de sentenças relativas a processos criminais – 22 na Instância de ...– não é imputável à autora que somente assume essa falta em relação a duas situações sendo que em outras três houve disponibilização das sentenças mas depois mas apenas depois das 17 horas.
- No que respeita aos onze atrasos detectados na prolação de decisões é o próprio Plenário a afirmar que não são relevantes considerando que seis deles não são justificados o que redunda na justificação implícita dos restantes. A seis atrasos em 4 anos de trabalho não pode ser atribuída relevância, ainda para mais concentrados no primeiro ano de exercício de funções.
- Discorda a autora do argumento de não terem sido proferidas decisões em processos complexos no Instância ...e na Instância ... cujo serviço assegurou em regime de acumulação sendo assim injustificada a acumulação de serviço pois não só houve situações de complexidade no acompanhamento da Instrução Criminal como foi reconhecido pelo Presidente da Comarca … que na Instância ...«os processos que lhe estavam distribuídos conheceram algum andamento que, sem a sua presença dificilmente conheceriam».
- Foi o reconhecimento dessa sobrecarga de serviço que levou o primitivo relator designado do acórdão do Plenário cuja posição não fez vencimento a sustentar que se devia sobrestar a classificação e determinar a realização de uma inspecção complementar para aferir se teriam sido ultrapassados os reparos efectuados na inspecção.
- O reconhecimento das elevadas capacidades técnicas não foi devidamente ponderado sobrevalorizando-se a produtividade numa visão meramente percentual e quantitativa do desempenho da judicatura desrespeitando os critérios do art. 12º do RSI.
- A circunstância de terem sido detectados despachos com datas anteriores às que constam da plataforma citius e a que foi atribuído um efeito “muito negativo” por poder afectar o prestígio profissional da autora é meramente especulativa e sem substracto factual sendo contrária à conclusão que a esse respeito foi tirada no relatório da inspecção.
- O argumento de que o pedido subsidiário formulado pela autora para que fosse prorrogado o período de inspecção por um prazo que lhe permita alcançar nota de mérito é um mecanismo a ser usado com parcimónia é contraditório com a posição do primitivo relator face à sua proposta para se sobrestar na classificação e não contende com o princípio da igualdade ao contrário do que é afirmado na decisão impugnada. A inspecção complementar é uma oportunidade de superar eventuais aspectos tidos antes como menos positivos evitando que o inspeccionando aguarde por mais quatro anos por nova inspecção e sendo compaginável com o disposto nos arts. 13º, nº 3 RSI quando determina que a melhoria de classificação seja feita de modo gradual e progressivo e 8º, nº 1, al. b) quando dispõe que o juiz pode, ele próprio requerer uma inspecção extraordinária ao seu serviço sem ter de aguardar 4 anos.
Termina, concluindo (transcrição):
Nos termos do artigo 615°, n°1, do NCPC é nula a sentença quando: "a) (....); b) (...); c) (...); d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.»
Em causa, está um vício que tem a ver com os limites da actividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no art. 608°, n° 2 do NCPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia.
A omissão de pronúncia quanto ao teor dos concretos aspectos postos em crise configura outra nulidade da decisão proferida pelo Plenário do Conselho, o que expressamente se invoca.
Ainda ocorre falta de fundamentação nos aspectos enunciados, em prejuízo dos Artigos 268°/3 da Constituição da República Portuguesa (CRP); 124°, n° l, al. a) e 125°, n° l, do Código do Procedimento Administrativo (CPA);
- A classificação de serviço há-de assentar não na análise individual de cada um dos critérios de avaliação instituídos no art. 11° do RIJ, mas na imagem global do seu desempenho como resultado da soma das avaliações individuais apurada, sendo desconsiderado as circunstâncias em que ocorreram o exercício das suas funções e dificuldades, designadamente em função da acumulação de serviço nos termos descritos;
- In casu, foi atribuído um enorme peso à vertente "produtividade", relacionados com a prestação da recorrente, em detrimento dos demais critérios de avaliação estabelecidos no art. 12° do RIJ
Considerando, a dimensão normativa dos preceitos aplicáveis, a classificação desserviço mais ajustável ao seu desempenho global durante o período sob inspecção, seria a de "Bom com distinção", sob pena de «manifesto erro na apreciação dos pressupostos jurídico- factuais», a determinar a anulação, por ilegal, da Deliberação tomada.
Pelo exposto,
REQUER-SE a V. Exa que seja declarada a nulidade ou anulabilidade da decisão proferida pelo Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura, nos termos supra expostos, devendo ser substituída por outra que atribua à recorrente a nota de "Bom com Distinção" e, caso assim não se entenda, e a título subsidiário, que se determine a realização de um período de inspecção complementar ao seu serviço por um período de tempo que permita com maior rigor aferir e decidir se merecia ou não uma notação de mérito, nos termos previstos pelo artigo 18° n° 2 do RSICSM.
O réu CSM contestou, concluindo pela improcedência da acção, argumentando designadamente que se não verifica omissão de pronúncia, falta de fundamentação, violação de lei da deliberação impugnada ou erro na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais.
Nas alegações, ambas as partes reiteraram os seus argumentos.
A Sra. Procuradora-Geral Adjunta, por seu turno, alegou no sentido da improcedência total da acção...
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