Acórdão nº 4015/15.6T8MTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 12-10-2022
Data de Julgamento | 12 Outubro 2022 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA. |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 4015/15.6T8MTS.P1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Processo n.º 4015/15.6T8MTS.P1.S1
Origem: Tribunal da Relação do Porto
Recurso de revista
Relator: Conselheiro Domingos Morais
Adjuntos: Conselheiro Mário Belo Morgado
Conselheiro Júlio Gomes
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
I. – Relatório
1. - AA intentou ação emergente de acidente de trabalho contra
Autovia – Sociedade de Automóveis, S.A; e
Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., alegando, em resumo, que no exercício da sua atividade profissional, de lavador de veículos, para a primeira ré, sofreu um acidente, o qual ocorreu quando, em cumprimento de ordens do seu superior hierárquico, se deslocou à cobertura da oficina onde trabalha, para realizar a limpeza das caleiras e colocar um fio sinalizador para afastar as gaivotas. A cobertura é constituída por telhas de fibrocimento e telhas translúcidas de material plástico. Depois de ter realizado a limpeza das caleiras, quando tentava colocar o fio sinalizador para afastar as gaivotas, escorregou e caiu sobre uma placa translúcida da cobertura, de material plástico, que se partiu, tendo caído para o interior da oficina, numa altura de cerca de 8 metros, embatendo no chão de cimento.
A tarefa de que o autor foi incumbido, não se enquadrava nas funções habituais por ele exercidas, sendo pontual – cerca de uma vez por ano. Apesar de ser na cobertura da oficina, a uma altura de cerca de 8 metros, a entidade empregadora não providenciou por qualquer formação, nem por qualquer meio de segurança, designadamente, não colocou plataformas/passadiços, de modo que a circulação não fosse feita diretamente sobre as telhas, nem forneceu arnês de segurança anti queda, fixado a linha de vida devidamente amarrada. Defende que o acidente se ficou a dever à violação culposa de observância das regras de segurança por parte da empregadora, devendo esta ser responsabilizada nos termos do artigo 18.º da LAT.
Refere, ainda, que ficou limitado para a sua normal vida pessoal e social, incluindo ter ficado impossibilitado de praticar deportos – correr, andar de bicicleta, jogar futebol, voleibol e surf – bem como deixou de andar de mota.
Terminou, pedindo a condenação das rés nos seguintes termos:
1) A condenação da 1ª ré (empregadora) no pagamento:
a) da quantia de €4.851,41 de diferenças salariais de responsabilidade agravada no período de ITA de 21/8/2014 a 17/5/2016, acrescida de juros de mora desde a data de alta clínica e até efetivo e integral pagamento;
b) da pensão agravada anual e vitalícia de €3.714,00 acrescida de juros desde 18/5/2016;
c) da quantia de €26,95 de despesas de deslocação ao tribunal, acrescida de juros de mora desde a citação e até efetivo pagamento;
d) da quantia de €50.000,00 a título de danos morais, acrescida de juros de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento;
2) A condenação da 2ª ré (seguradora) no pagamento:
a) da quantia de €852,05 de diferenças salariais de responsabilidade agravada no período de ITA de 21/8/2014 a 17/5/2016, acrescida de juros de mora desde a data de alta clínica e até efetivo e integral pagamento;
b) da pensão anual e vitalícia de €2.599,80 acrescida de juros desde 18/5/2016.
2. - As rés contestaram a ação:
2.1. - A ré empregadora admitiu que, pontualmente, uma vez por ano, o sinistrado teria de proceder à limpeza das caleiras, tendo para o efeito de subir à cobertura da oficina, mas alega ser falso que esta seja composta unicamente por telhas de fibrocimento e placas translúcidas de plástico, já que nas extremidades - precisamente onde estão as caleiras - existe uma plataforma reforçada e também existem vigas sob as telhas de fibrocimento em determinadas zonas. Afirma desconhecer como ocorreu o acidente concretamente. Alega que existia uma prática definida e um conjunto de cuidados, gizados pela prática decorrente da execução destas tarefas, designadamente, a obrigação de os trabalhadores circularem exclusivamente no percurso delimitado nas caleiras que estão devidamente reforçadas – a cimento – para o efeito, e nunca realizarem as tarefas isoladamente. O sinistrado não cumpriu com estes dois deveres de cuidado, pese embora os soubesse e deles estivesse bem ciente. Foi o desrespeito grave das regras em vigor na entidade patronal que esteve na origem do acidente. O sinistrado saiu do percurso de segurança, apoiando-se sobre uma placa translúcida, que não é adequada para caminhar. A tarefa em causa já foi realizada no passado, por várias vezes e sempre sem acidentes. Defende que nos termos do disposto no art.º 14º da LAT, a conduta do sinistrado impõe a descaracterização do acidente e afasta a obrigação da entidade patronal reparar os danos decorrentes do acidente.
Impugnou os demais factos alegados.
Concluiu, pedindo a sua absolvição dos pedidos.
2.2. – A ré seguradora alegou que o trabalho que o sinistrado desempenhava aquando do acidente nada tinha a ver com as funções para efeitos da celebração do contrato de seguro, antes exercia actividade de todo em todo estranha ao objecto social da ré empregadora e, muito especialmente, às funções de um lavador de automóveis. Ademais, uma actividade altamente arriscada, de limpeza e conservação de cobertura industrial. Nunca tal lhe foi comunicado, sendo que as taxas comerciais a aplicar a contratos de seguro em que se cubra o risco de profissionais da área de serviços como a de venda e reparação de automóveis são muito inferiores às de actividades físicas como as da construção civil ou de trabalhadores em altura. Assim, porque a tarefa a que se dedicava o sinistrado aquando do acidente não se enquadra minimamente na actividade cujo risco era garantido pela apólice contratada, sendo mesmo muito mais perigosa, está a mesma excluída de tais garantias, devendo a contestante ser absolvida de todos os pedidos formulados. Em qualquer caso, defende assistir razão ao autor nas suas pretensões de ver o caso dos autos subsumido às previsões dos artigos 18.º n.º 1 e 79.º n.º 3 da Lei 98/2009. Efectivamente, o acidente decorreu apenas da absoluta falta de condições de segurança criadas pela ré empregadora para a execução dos trabalhos em altura em curso. Conjuntamente com a contestação requereu que o autor fosse submetido a exame por junta médica, apresentando quesitos para o efeito.
Conclui, pedindo que seja declarado que o acidente decorreu da violação de regras de segurança pela ré empregadora, declarando-se a sua responsabilidade pelas prestações agravadas previstas no artigo 18.º da Lei 98/2009, bem como o direito de regresso da contestante relativamente às prestações que satisfez e vier a satisfazer e que seriam sempre devidas, não havendo actuação culposa.
3. - O autor respondeu às contestações das rés.
A ré seguradora respondeu à contestação da ré empregadora.
4. - O Tribunal de 1.ª Instância decidiu:
«Nestes termos, e face ao exposto:
a) absolvo a ré Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial, S.A. do pedido contra si formulado nos autos; e
b) condeno a ré Autovia – Sociedade de Automóveis, S.A. no pagamento ao autor AA, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho) das seguintes quantias:
- €4.851,41 a título de diferenças de indemnização pelo período de incapacidade temporária;
- na pensão anual, devida em 18/5/2016, no montante de €6.231,06, a qual ascende ao montante de €6.262,22 a partir de 1/1/2017; ao montante de €6.374,94 a partir de 1/1/2018; e ao montante de €6.476,94 a partir de 1/1/2019;
- €4.510,25 a título de subsídio de elevada incapacidade;
- €25.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; quantia esta que vence juros de mora desde a citação ocorrida a 22/3/2017, à taxa de 4% até efetivo pagamento.
Fixo em €130.214,06 o valor da presente acção (art. 120º do Código de Processo de Trabalho).
Custas a cargo da ré Autovia, S.A.
(..)».
5. – O autor e a ré empregadora apelaram, impugnando a matéria de facto e de direito, tendo o Tribunal da Relação do Porto decidido:
“I. Recursos da Ré entidade empregadora
a) Rejeita-se parcialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto; e, na parte admitida, julga-se parcialmente procedente;
b) Julgar os recursos, na vertente da impugnação da decisão de direito, improcedentes, confirmando a sentença na parte recorrida.
II. Recurso do sinistrado autor
Julgar o recurso procedente, em consequência revogando-se a sentença na parte recorrida, que, em substituição, se altera como segue:
a) Aplicando o factor de bonificação 1.5, previsto no n.º 5, das Instruções Gerais da TNI, passando a IPP de 38,35%, com IPATH, mercê dessa bonificação para uma IPP de 57,525%, com IPATH;
b) Em consequência, altera-se o valor da pensão anual, devida desde 18/5/2016, para o valor de € 6 670,84 (seis mil seiscentos e setenta euros e oitenta e quatro cêntimos), que mercê das actualizações previstas nas Portarias n.º 97/2017, n.º 22/2018 e n.º 23/2019, passa aos valores, respectivamente, de 6 704,19 €, a partir de 1/1/2017, de 6 824,87€, a partir de 1/1/2018 e, de €6.934,07 a partir de 1/1/2019, a qual será actualizável anualmente nos termos previstos na lei.
c) Em consequência, altera-se o valor do subsídio por situação de elevada incapacidade, para o montante de € 4 828,71 (quatro mil oitocentos e vinte e oito euros e setenta e um cêntimos);
d) Mais se altera o valor da indemnização por danos não patrimoniais, que se fixa em € 40 000,00 (quarenta mil euros).
III. Quanto ao mais, inclusive na parte em que são fixados os juros de mora, mantém-se a sentença recorrida.
Custas da acção e dos recursos a cargo da Ré Autovia – Sociedade de Automóveis, S.A, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC)”.
6. – A ré empregadora apresentou recurso de revista, concluindo, em síntese:
3. Não corresponde à realidade que a Recorrente não tenha demostrado que a impugnação pretendida relativamente aos pontos...
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