Acórdão nº 4/20.7/YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça, 24-11-2020
Data de Julgamento | 24 Novembro 2020 |
Número Acordão | 4/20.7/YFLSB |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Procº nº 4/20.7YFLSB
Acordam na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça
I - RELATÓRIO
AA, arguida nos autos de processo disciplinar nº ……….. apresentou em … de …. de ….. recurso de impugnação judicial[1] da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de … de ……… de …….., que lhe aplicou a pena única de aposentação compulsiva, “ pela prática de uma infracção disciplinar, na forma continuada, consubstanciada na violação dos deveres de prossecução do interesse público, no sentido de criação no público de confiança no sistema judicial, de independência e imparcialidade, e ainda os deveres de integridade, rectidão e probidade inerentes as funções de magistrada judicial. p. e p. pelos arts., 82.º, 85.º, nº 1, f), 90º n.º 1, 95.º, n.º 1 al. b), 99.º e 106.º, do EMJ, e pelo art. 73º n.º 2 als. a) e c) e n.ºs 3 e 5 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), ex vi do art. 131.º, EMJ”.
Formulou as seguintes CONCLUSÕES:
I. O presente recurso tem por objecto a decisão final proferida no âmbito do processo disciplinar n.° ………., do CSM, que veio a aplicar à Recorrente a pena única de aposentação compulsiva.
· II. A ….. de ……… de …….., a recorrente requereu o decretamento de providência cautelar de suspensão de eficácia da deliberação do CSM de que ora se recorre.
· III. Pese embora a recorrente tenha ingressado na carreira há mais de 36 anos, do seu registo disciplinar não consta a prática de uma qualquer infracção disciplinar.
· IV. O seu percurso profissional e académico é sintomático do rigor, da disciplina, da excelência e do sentido de responsabilidade que sempre pautaram a conduta da recorrente.
· V. Os autos do inquérito disciplinar inicialmente instaurado contra a recorrente têm origem em certidão extraída do Inquérito com o n.° …………, a correr termos pelo Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça.
· VI. Em tal Inquérito, que corre paralelamente, foi proferido, a 14 de Fevereiro de 2018, despacho que sujeitou a recorrente à medida de coacção de suspensão do exercício de função.
· VII. Desse despacho veio a recorrente a interpor recurso, o qual foi julgado procedente pelo Supremo Tribunal de Justiça, que determinou a revogação da referida medida de coacção, por entender que n[o]s crimes indiciados não foram cometidos no exercício da actividade de juíza desembargadora da recorrente (…)".
· VIII. No âmbito do Inquérito crime, a recorrente vem apenas indiciada da prática, em co-autoria, do crime de branqueamento, p. e p. nos termos do artigo 368.°-A, n.° 2 do CP, em concurso efectivo, na forma de cumplicidade, do crime de fraude fiscal, imputado em autoria a BB, p. e p. pelos artigos 103.°, n.° 1, alínea b) e 104.°, n.° 2, alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias.
· IX. A ….. de ………. de …….., foi proferida acusação nos autos de processo disciplinar, propondo-se a aplicação à recorrente da pena de demissão.
· X. A recorrente apresentou a sua defesa escrita a ……. de …….. de ……., na qual pugnou, a final, pela nulidade da acusação deduzida, ex vi do artigo 119.°, alínea d) do CPP ou, subsidiariamente, que fosse deliberada a suspensão do processo disciplinar até trânsito em julgado de decisão final que venha a ser proferida em processo penal.
· XI. A recorrente foi ouvida no Plenário Ordinário CSM de …… de ……. de ……, tendo aí reiterado, em síntese, os argumentos que oportunamente deduzira na sua defesa escrita.
· XII. Em tal Plenário Ordinário, estiveram presentes os seguintes membros, Exmos.(as) Senhores(as): Juiz Conselheiro Dr. António Joaquim Piçarra; Juiz Conselheiro Dr. José António de Sousa Lameira; Dr. José Alexandre de Sousa Machado; Prof. Doutor José Cardoso da Costa; Prof. Doutor Serafim Pedro Madeira Froufe; Dra. Susana de Meneses Brasil de Brito; Dr. Victor Manuei Pereira de Faria; Prof. Doutor Jorge André de Carvalho Barreira Alves Correia; Prof. Doutor João Eduardo Vaz Resende Rodrigues; Dr. Jorge Salvador Picão Gonçalves; Juiz Desembargador Dr. Jorge Manuel Ortins de Simões Raposo; Juiz Desembargador Dr. Leonel Gentil Marado Serôdio; Juíza de Direito Dra. Susana Isabel Santos Pinto de Oliveira Ferrão da Costa Cabral; Juiz de Direito Dr. José Manuel Monteiro Correia; Juíza de Direito Dra. Lara Cristina Mendes Martins; Juiz de Direito Dra. ....
· XIII. Na sessão do Plenário Ordinário do CSM que deliberou a aplicação de sanção disciplinar à recorrente, por seu turno, apenas estiveram presentes os seguintes membros, Exmos.(as) Senhores(as): Presidente, Juiz Conselheiro Dr. António Joaquim Piçarra, Vice-Presidente, Juiz Conselheiro Dr. José António de Sousa Lameira, Prof. Doutor José Manuel Moreira Cardoso da Costa, Prof. Doutor João Eduardo Vaz Resende Rodrigues, Dr. Jorge Salvador Picão Gonçalves, Dra. Susana de Meneses Brasil de Brito, Juiz Desembargador Dr. Leonel Gentil Marado Serôdio, Juiz Desembargador Dr. Jorge Manuel Ortins de Simões Raposo, Juíza de Direito Dra. Susana Isabel Santos Pinto de Oliveira Ferrão da Costa Cabral, Juíza de Direito Dra. Lara Cristina Mendes Martins, Juiz de Direito Dr. José Manuel Monteiro Correia, Juíza de Direito Dra. ....
· XIV. O Exmo. Senhor Professor Doutor José Manuel Moreira Cardoso da Costa votou vencido, por entender que “(...) o processo disciplinar deve aguardar a decisão do processo penal".
· XV. Não obstante o CSM ter informado que se encontrariam presentes 12 dos seus 17 membros, a deliberação final em apreço apenas conta com 11 assinaturas.
· XVI. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 156.°, n.° 3 do EMJ, “para a validade das deliberações exige-se a presença de, pelo menos, 12 membros".
· XVII. Verificando-se que a deliberação sob recurso apenas se encontra assinada por 11 membros, é de concluir que a mesma é inválida, padecendo de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 161.°, n.° 2, alínea h) do CPA, subsidiariamente aplicável ex vi do artigo 83.°-E do EMJ, nulidade essa que ora expressamente se argui, para os efeitos e com todas as consequências legais.
· XVIII. Desconhecem-se as razões de ausência dos restantes membros do Plenário Ordinário do CSM que, tendo estado presentes na audição da recorrente, não vieram a tomar parte da deliberação final, que aplicou a esta a pena de aposentação compulsiva.
· XIX. Aquando da sua audição pelo Plenário Ordinário do CSM, foi a recorrente informada, pelo Exmº Senhor Presidente, Juiz Conselheiro Dr. António Joaquim Piçarra, que a Exmª Senhora Juíza de Direito, Dra ..., não estaria presente, em virtude de ter sido formanda da ora recorrente.
· XX. Não obstante tal ausência, assim justificada, facto é que a Exmª Senhora Juíza de Direito, Dra ..., veio a tomar parte na deliberação da sessão do Plenário Ordinário do CSM que adoptou a decisão final.
· XXI. Entendeu, pois, que não deveria estar presente na audição da recorrente, por ter tido com a mesma uma relação profissional próxima, mas não se coibiu de participar na votação que deliberou aplicar à recorrente a pena de aposentação compulsiva.
· XXII. Se entendia que a sua imparcialidade poderia, ainda que apenas em tese, vir a ser posta em causa, não se entende por que razão terá esse entendimento mudado aquando da deliberação que veio a pôr termo ao processo, mantendo-se inalterados os pressupostos que lhe presidiram.
· XXIII. De sentido algum se reveste admitir que alguém que não esteve presente no solene momento em que a recorrente foi, pela primeira e única vez, ouvida no âmbito dos autos disciplinares, delibere sobre a aplicação da sanção disciplinar.
· XXIV. Exigindo-se, ao abrigo da mais recente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a audição do arguido em momento anterior ao da adopção da decisão final, será também de exigir que apenas quem esteja presente em tal audição possa deliberar sobre o desfecho do processo disciplinar.
· XXV. Outra não poderá ser, ao abrigo do princípio do contraditório e da imediação - que aqui se entende aplicável ex vi do disposto no artigo 83.°-E do EMJ -, a solução.
· XXVI. A garantia prevista no artigo 109. °, n.° 2 do EMJ não pode ser interpretada como garantia meramente formal, devendo ser tida na sua máxima extensão, porquanto é reflexo de norma constitucional.
· XXVII. De harmonia com o disposto no artigo 32.°, n.° 10 da CRP, "[n]os processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa".
· XXVIII. A norma constante do artigo 109.°, n.° 2 do EMJ, quando interpretada no sentido de poderem deliberar sobre a decisão final a proferir em processo disciplinar os membros do Plenário do CSM que não tenham estado presentes na audição do arguido, é materialmente inconstitucional, por violação do direito de audiência e defesa, consagrado no artigo 32.°, n.° 10 da CRP.
· XXIX. Nos termos conjugados do disposto nos artigos 106.°, 118.°, 123.°, 123.°-A do EMJ, na sua redacção anterior, a pena única de aposentação compulsiva aplicada à recorrente, notificada a …… de ……. de ……., começou a produzir seus efeitos a ……. de ….. de ….., encontrando-se a recorrente, desde tal data, compulsivamente aposentada.
· XXX. O processo disciplinar e, bem assim, o inquérito disciplinar que o antecedeu, não só nascem do inquérito penal como se têm vindo a desenrolar a em paralelo com aquele, dele dependendo e com ele coincidindo na totalidade.
· XXXI. De tal coincidência tem vindo a recorrente a dar conhecimento nos vários recursos que interpôs das deliberações do Plenário Ordinário do CSM e das reclamações que tempestivamente apresentou dos despachos do Exmo Senhor Vice-Presidente do CSM.
· XXXII. Sempre foram patentes, não só a relação de prejudicialidade entre o processo disciplinar e o processo-crime, como, bem assim, as dúvidas quanto à legalidade da utilização e aproveitamento da prova obtida neste último para instruir...
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