Acórdão nº 4/08.5TTAVR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 04-11-2009

Data de Julgamento04 Novembro 2009
Case OutcomeNEGADA REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão4/08.5TTAVR.C1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. AA demandou, mediante acção com processo comum, instaurada em 27 de Dezembro de 2007 no Tribunal do Trabalho de Aveiro, L... – M... e A... I..., S.A., pedindo a condenação desta: i) a reconhecer que a resolução do contrato de trabalho, por ele operada, o foi com justa causa; ii) e a pagar-lhe a importância de € 33.833,03, soma das seguintes quantias: — € 29.815,55, correspondente à indemnização prevista no artigo 442.º do Código do Trabalho; — € 148,11, relativa a férias não gozadas do ano de 2007; € 49,37, por indevido desconto, na retribuição, de um dia de trabalho; e € 3.870,00, valor que a Ré, por não ter reconhecido a justa causa da resolução, lhe descontou com fundamento na falta de aviso prévio.

Alegou, em síntese muito breve, que:

— Por carta datada de 29 de Novembro de 2007, rescindiu o contrato de trabalho que vigorava entre as partes desde 1 de Julho de 1994, porquanto,

— A partir do dia 5 de Novembro de 2007 (após um encontro com um administrador da Ré, em que este lhe disse que estava farto, que fosse procurar os seus direitos, que, durante o mês de Novembro não trabalharia mais para ele e que já havia dado ordens para não lhe processarem o vencimento desse mês), por decisão da Ré, foi o Autor privado da utilização da viatura que lhe estava atribuída para uso em serviço e na sua vida particular, e

— Quando o Autor se encontrava de baixa médica, na semana de 19 a 23 de Novembro, a Ré mandou um funcionário a sua casa exigir-lhe a entrega do cartão de combustível.

— Com os descritos comportamentos, a Ré, para além de impedir o Autor de exercer as suas funções de visitar clientes, diminuiu-lhe a retribuição, assim, incorrendo em «falta culposa de pagamento pontual da retribuição na forma devida», «violação culposa dos pagamentos legais ou convencionais do trabalhador», e «lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador»;

— Além disso, foi ordenado ao Autor que desempenhasse tarefas não contempladas na sua categoria profissional, como sejam as de limpar máquinas, no dia 26 de Novembro de 2007, e de motorista, no dia 29 do mesmo mês.

Na contestação, a Ré impugnou os fundamentos da acção, reputando de falsos alguns dos factos narrados na petição inicial e apresentando uma versão do relacionamento entre as partes que precedeu a carta de resolução que, na sua perspectiva, haveria de conduzir à improcedência da acção.

Houve resposta do Autor, após o que foi proferido despacho saneador e, dispensada a condensação, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi prolatada sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, declarou que o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré cessou em 29 de Novembro de 2007 por rescisão operada, com justa causa, pelo Autor e condenou a Ré a pagar-lhe a quantia de € 19.872,10, a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, bem como a importância de € 3.870,00, por ela, como indemnização decorrente da falta de aviso prévio, indevidamente descontada.

2. Apelou a Ré, tendo solicitado a modificação da decisão proferida sobre a matéria facto e, independentemente do destino desta pretensão, a revogação da sentença, desiderato este que foi alcançado, pois o Tribunal da Relação de Coimbra, embora tenha confirmado o veredicto da 1.ª instância sobre a matéria de facto, concluiu pela inexistência de justa causa para a resolução do contrato e, em consequência, julgou procedente a apelação, «absolvendo, por via disso, a Ré da totalidade do peticionado».

Veio o Autor pedir revista, tendo formulado, a terminar a sua alegação — que apresentou simultaneamente com o requerimento de interposição do recurso, dirigido aos juízes deste Supremo Tribunal —, as conclusões redigidas como segue:

«1 - Vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que julgou a sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo totalmente revogada, absolvendo em consequência a Ré, L... - M... e A... I... S.A., do pagamento do pedido de indemnização pela alegada rescisão com justa causa.
2 - Salvo sempre o devido respeito por diferente opinião, entende o recorrente que, não obstante a proficiência da decisão em crise, atenta a matéria de facto dada comprovada, a decisão de mérito não poderia ser nunca a proferida.
Com efeito,
3 - Ficou provado que o A. desempenhava ao serviço da Ré, as funções de vendedor, desde o dia 01/07/1994, dia em que foi admitido ao serviço da Ré, e que desde então aquele sempre circulou em viaturas que a Ré lhe atribuía não só para o desempenho das suas funções, mas também para fins particulares.
- Provou-se ainda, que, a partir do dia 05/11/07, a Ré retirou o veículo automóvel ao A., ficando o mesmo impedido de exercer as suas funções de vendedor, consequentemente de se deslocar aos clientes da Ré, bem como de usar aquele veículo para fins particulares.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, a nosso ver o douto acórdão do Tribunal da Relação, incorre, desde logo, num erro quando refere que “... desde o dia 05/11/07 até à data da cessação do convénio (29/11/07) o ora apelado deixou de poder usar o veículo automóvel para fins particulares como estava acordado”.
Contudo, não foi só para fins particulares que o A. deixou de usar aquele veículo automóvel, mas mais grave do que isso, ficou o A. impedido de exercer as suas funções, pois como muito bem admitem no mesmo acórdão, o exercício das funções do A. implicava necessariamente o exercício da condução.
Em face do explanado deverá nessa parte ser o douto Acórdão revogado e dar-se como provado que o A. ficou impedido de circular com o veículo que lhe estava atribuído pela Ré, também para o exercício das suas funções.
4 - Ainda assim, e mesmo que o douto acórdão tenha apenas considerado que ao A. foi vedado o uso daquele veículo só para fins particulares, deixa antever que a retirada do veículo e do cartão de combustível “... foi ofendido efectivamente o princípio da irredutibilidade da remuneração, sendo que a culpa nessa actuação se presume (art.º 799.º n.º 1 CC).” - Vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/05/93.
5 - Então, perguntamos nós: Admitindo que a retirada do veículo fosse apenas para fins particulares (que não foi apenas para fins particulares como ficou provado), e só por mera hipótese se admite, existe ou não existe, só por si, violação do disposto normativo previsto nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 do art.º 441.º do C.T.?!
Não temos qualquer dúvida que sim, e configurando-se violação daquela norma, obrigatoriamente, só por si, já existia justa causa para rescisão.
6 - Retira-se do douto Acórdão que inexiste justa causa para a rescisão do contrato de trabalho, por entender o douto acórdão que o lapso de tempo que o A. permaneceu sem a viatura, e por isso impedido para o exercício das suas funções, não era suficiente para que o mesmo lançasse mão da rescisão do seu contrato de trabalho. Lamentavelmente, o douto acórdão não fixou o período mínimo que consideraria necessário para que o trabalhador pudesse ter que continuar a sofrer nas mãos da sua entidade patronal para poder então rescindir o contrato. QUAL O PRAZO CONSIDERADO SUFICIENTE E NECESSÁRIO, PARA QUE O APELADO PUDESSE RESCINDIR O SEU CONTRATO DE TRABALHO COM JUSTA CAUSA, JÁ QUE NENHUM DISPOSITIVO NORMATIVO DO CÓDIGO DE TRABALHO ESTIPULA ESSE PRAZO?
7 - Antes pelo contrário, o n.º 1 do artigo 441.º do Código de Trabalho refere que “ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato”.
O prazo para a rescisão é precisamente medid[o] pela capacidade que o trabalhador tem de aguentar a pressão psicológica que a Ré exercer sobre aquele, de passar dias a fio, impedido de exercer as suas funções.
E não podemos ser alheios ao facto de, contrariamente ao empregador, o único meio de auto tutela de que dispõe o trabalh[ador] é a rescisão do contrato.
8 - E acrescenta aquele Acórdão que só se daí adviessem prejuízos relevantes para o trabalhador?! Que prejuízos?! O que considerarão V. Exas. prejuízos relevantes?
Será que estar impedido do exercício das suas funções, passar dias inteiros a fio, sem p[o]der fazer nada, não causa sofrimento, angústia, revolta ao A., humilhação profissional, a lesão da sua dignidade pessoal e profissional, que abala sem dúvida o seu estatuto sócio profissional na empresa, e outros mais prejuízos que só quem sofre na pele os poderá descrever e quantificar, se tal for possível? Não serão por si só prejuízos suficientes e bastantes que o conduzissem à rescisão do contrato de trabalho? Ou só a falta de pagamento pontual da retribuição é considerado prejuízo por ser material e quantificável?!
Entendemos, claramente e sem quaisquer margens para dúvidas, que não.
9 - A lei não estabelece qualquer prazo para a rescisão do contrato de trabalho com justa causa, com base na violação das alíneas a), b) e e) do n.º 1 do artigo 441.º do C.T., contrariamente ao que se verifica quando a rescisão com justa causa ocorre por falta de pagamento pontual da retribuição. Aí, a lei impõe claramente um prazo a partir do qual o trabalho passa a poder rescindir o seu contrato de trabalho com justa causa.
10 - Além do mais, a Lei confere ao A. 30 dias para rescindir o seu contrato de trabalho com justa causa, desde a data [em] que se verificaram os factos. Preceitua a esse respeito o n.º 1 do artigo 442.º do C.T. que “A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos”.
Nessa esteira, não podia o trabalha[do]r continuar indefinidamente à espera, por causa da restrição que este normativo impõe.
11 - No caso sub judice, ao actuar como actuou a Ré violou garantias fundamentais e previstas na lei,
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