Acórdão Nº 395/14 de Tribunal Constitucional, 07-05-2014

Número Acordão395/14
Número do processo683/13
Data07 Maio 2014
Classe processualRecurso

ACÓRDÃO N.º 395/2014

Processo n.º 683/13

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DE TRABALHO, Unidade Local de Viseu, condenou a sociedade A., LDA, pela prática de contraordenação p. e p. pelos artigos 521.º, n.º 2, e 554.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com referência às cláusulas 18ª e 19ª, ambas do CCT celebrado entre a ANET – Associação das Empresas Têxteis e a FEPCES Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e outros, publicado no BTE, n.º 27, de 22/07/2004, na coima de €250,00, bem como no pagamento das quantias em dívida à trabalhadora e segurança social. Pelo pagamento da coima, foi condenado como responsável solidário B., na qualidade de gerente da referida sociedade e nos termos do artigo 551.º, n.º 3, do Código do Trabalho.

2. A Sociedade A., Lda., e B. impugnaram judicialmente a decisão administrativa, vindo o Tribunal do Trabalho de Viseu, em 27 de junho de 2013, a proferir sentença, na qual recusou a aplicação do artigo 551.º, n.º 3, do Código do Trabalho, com fundamento em inconstitucionalidade material, por violação do disposto no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição, julgando procedente a impugnação judicial apresentada por B., que absolveu enquanto responsável solidário pelo pagamento da coima. No mais, confirmou a decisão administrativa impugnada.

A recusa de aplicação do disposto no artigo 551.º, n.º 3, do Código do Trabalho, foi motivada nestes termos:

«(...) A decisão administrativa condenou ainda o recorrente B., na qualidade de legal representante, como responsável solidário pelo pagamento da coima aplicada à arguida sociedade, invocando para o efeito o disposto no art.º 551.º, n.º 3 do CT.

No entanto, pese embora já anteriormente tenhamos tido outra posição, depois de melhor analisada a questão considerarmos não ser tal normativo aplicável por padecer de inconstitucionalidade material, por violação do art.º 30.º, n.º 3 da CRP no seguimento da jurisprudência do Tribunal da Relação no Acórdão de 20-12-2011.

Na verdade, dispõe o art.º 551.º do CT, na parte que ora interessa, que:

“1 – O empregador é o responsável pelas contraordenações laborais, ainda que praticadas pelos seus trabalhadores no exercício das respetivas funções, sem prejuízo da responsabilidade cometida por lei a outros sujeitos.

2 – Quando um tipo de contraordenação ou equiparada

3 – Se o infrator for pessoa coletiva ou equiparada, respondem pelo pagamento da coima, solidariamente com aquela, os respetivos administradores, gerentes ou diretores (...)”.

Assim , em conformidade com tal normativo, em caso de infração praticada por pessoa coletiva, os respetivos administradores, gerentes ou diretores respondem solidariamente com aquela no pagamento da coima, independentemente da existência por parte deles de culpa na prática da infração.

O pressuposto essencial para aplicação da aludida responsabilidade solidária, é que estejamos perante uma contraordenação laboral e que o representante da sociedade em causa, o seja legalmente no momento da prática da infração.

É certo que como refere Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho Anotado, p.1206 “De acordo com o n.º 3 e com o n.º 4 a responsabilidade pelo pagamento da coima é solidária. Trata-se apenas de regras de responsabilidade pelo pagamento, pelo que no processo contraordenacional em concreto, não são arguidos”.

No entanto, melhor analisada a jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra, no seu Ac. de 20-12-2011 no proc. 356/11.0T4AVR.C1, in www.dgsi.pt, terá que se concluir pela inconstitucionalidade material de tal normativo, por violação do disposto no art.º 30.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Na verdade, pese embora a responsabilidade solidária prevista no referido art.º 551.º, n.º 3 do CT se refira apenas ao pagamento da coima, e sendo certo que esta assume enquanto sanção principal, natureza estritamente patrimonial, não sendo convertível em pena de prisão (art.º 89.º do RGCO), a mesma não pode ser vista como um mero direito de crédito do estado.

Efetivamente, a coima constitui uma reação social à contraordenação, sendo, tal como a pena criminal, uma sanção de caráter repressivo.

Assim, atento tal caráter repressivo, o facto típico da contraordenação que não lhe dá origem tem forçosamente de ser imputável a um autor, no sentido de que o mesmo possa ser censurado pela comissão da infração (cfr. art.º 1.º do RGCO).

Na verdade, nas contraordenações laborais e também nas contraordenações em geral, como decorre do art.º 1.º do RGCO, para que haja responsabilidade por uma contraordenação é necessária a prática pelo agente de um facto ilícito, típico e culposo, não existindo neste caso qualquer responsabilidade objetiva ou responsabilidade solidária, esta responsabilidade não deriva de um facto ilícito e culposo pelos mesmos praticado, bastando que a pessoa coletiva seja considerada responsável.

Assim, e como se refere naquele Acórdão da Relação de Coimbra “a responsabilidade solidária dos administradores, gerentes ou diretores assenta, no próprio facto típico que é caracterizado como infração contraordenacional, e não como facto autónomo, inteiramente diverso desse”.

Do exposto resulta, como também se refere naquele acórdão, que “a norma em questão consagra a possibilidade da transmissão da responsabilidade contraordenacional, que é equiparável à responsabilidade penal, o que não é permitido pela Constituição (artigo 30.º, n.º 3), equivalendo à punição dos administradores, gerentes ou diretores em termos de responsabilidade objetiva, ou seja, sem necessidade da verificação da imputação subjetiva a título de culpa”.

Pelo exposto, terá que se considerar que a norma do n.º 3 do art.º 551.º do Código do Trabalho de 2009 padece de inconstitucionalidade material por violar o disposto no n.º 3 do art.º 30.º da Constituição da República Portuguesa, devendo por isso ser recusada a sua aplicação.»

3. O MINISTÉRIO PÚBLICO, invocando as disposições conjugadas dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), 72.º, n.º 1, alínea d), 75.ºA, n.º 1, 76.º, n.º 1 e 78.º, n.º 2, todas da LTC, interpôs recurso, obrigatório, da sentença proferida, para o Tribunal Constitucional, peticionando a apreciação da constitucionalidade da norma constante do n.º 3 do artigo do artigo 551.º do Código do Trabalho, cuja aplicação fora recusada, por violação do disposto no artigo 30.º, n.º 3 da Constituição, por “prever a transmissão da responsabilidade contraordenacional da pessoa coletiva ou equiparada, aos respetivos administradores, gerentes ou diretores, com base em critérios puramente objetivos”.

O recurso foi admitido.

4. Neste Tribunal, os autos prosseguiram para alegações, que apenas foram apresentadas pelo recorrente,...

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