Acórdão nº 3944/16.4T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29-10-2020
Data de Julgamento | 29 Outubro 2020 |
Número Acordão | 3944/16.4T8BRG.G1 |
Ano | 2020 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I. RELATÓRIO:
E. C. instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra M. R. pedindo seja a Ré condenada a:
a) Reconhecer que a aquisição do prédio descrito nos artºs 24º desta foi efetuada exclusivamente com dinheiro do pai da A., dinheiro esse que constituía património comum do casal formado por J. G. e R. S., então casados no regime da comunhão geral de bens;
b) Reconhecer que o verdadeiro proprietário desse imóvel à data da prolação da sentença referida no artº36 desta eram, o referido J. G. e mulher R. S. e, em consequência
c) Reconhecer que constitui património comum do casal formado pelo casal defunto J. G. e R. S.;
E, em consequência, deverá:
d) Ser ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor da R.;
e) Ser a R. condenada a restituir à A., na qualidade de cabeça de casal do património comum dos referidos J. G. e R. S. o descrito prédio;
f) Subsidiariamente, caso assim não se venha a entender, deve a R. ser condenada a pagar à A., na mesma qualidade de cabeça de casal, o valor do prédio que a R. se locupletou à custa do património comum dos mesmos J. G. e R. S., cujo montante de se relega para incidente de liquidação de sentença.
Na audiência prévia foi proferido despacho de aperfeiçoamento e, na sequência do dito despacho, veio a Autora apresentar nova petição inicial “aperfeiçoada”, onde, a final, em substituição do anterior petitório, requereu fosse a Ré condenada a:
a) reconhecer que desde 1982 e 1983, data da outorga dos contratos promessa de compra e venda aludidos nos arts. 21.º e 22.º da pi, o pai da A., até à data sua morte, exerceu a posse sobre os prédios objecto daqueles contratos, pelo que é o único e legítimo proprietário do prédio descrito no art. 24.º da pi, por o ter adquirido por usucapião;
b) reconhecer que os pagamentos das quantias referidas naqueles contratos promessa foram efectuados exclusivamente com dinheiro do pai da A., dinheiro esse que constituía património comum do casal formado por J. G. e R. S., então casados no regime da comunhão geral de bens;
c) reconhecer que o prédio descrito no art. 24.º desta constitui património comum do casal formado pelo casal defunto J. G. e R. S.;
d) serem declarados nulos, por simulados, quer o contrato promessa referido no art. 51.º, quer as alegações feitas pela R. na acção judicial a que se reporta o art. 57.º;
e) ser ordenado o cancelamento do registo de aquisição do prédio a favor da R.;
f) ser a R. condenada a restituir à A., na qualidade de cabeça de casal do património comum dos referidos J. G. e R. S. o descrito prédio;
g) subsidiariamente, caso assim não se entenda, deve a R. ser condenada a pagar à A., na mesma qualidade de cabeça de casal, o valor do prédio com que se locupletou à custa do património comum do falecido casal, a apurar em liquidação de sentença.
Para tal alegou, então, que é a única filha nascida do casamento de J. G. e R. S., no regime da comunhão geral de bens, sendo que a sua mãe faleceu a 6 de Julho de 1995, e o pai, no estado de viúvo, no dia 28 de Março de 2013, tendo corrido termos processo para separação judicial de bens de seus pais, iniciado a 1 de Fevereiro de 1988 pela mãe, confirmada por acórdão transitado em julgado a 9 de Julho de 1990, e correndo hoje termos processo de inventário para separação judicial dos bens daquele extinto casal, onde desempenha a Autora o cargo de cabeça de casal, incumbindo-lhe, assim, a administração dos bens comuns de seus pais, ainda que tenha sido deserdada pelo seu pai.
Por contrato promessa de compra e venda outorgado no dia 3 de Fevereiro de 1982, o pai da A., no estado de casado, prometeu comprar a M. G., casado, pelo preço de 1.700.000$00/€ 8.479,56 (um milhão e setecentos mil escudos), que pagou integralmente, um conjunto de terrenos composto pelo campo da ..., parte da Bouça ... e 700m do Campo ... e do Campo ....
E, por contrato promessa outorgado em Fevereiro de 1983, o M. G. prometeu vender ao pai da A., casado, pelo preço de 800.000$00/€ 3.990,38, que pagou integralmente, uma parcela de terreno com a área de 1005m2 a desanexar dos Campos ..., do ... e de ..., prédios de onde já havia sido desanexada a faixa de terreno de 700m, a qual foi objeto do contrato promessa referido no artigo anterior.
Os prédios objeto dos contratos-promessa são contíguos, encontrando-se hoje inscritos em matriz predial e descrição registal una, mormente na matriz rústica sob o art. ....º e na C.R.Predial de … com o n.º .../..., e aí registado a favor da ré.
O pai da A., em Fevereiro de 1982 e Fevereiro de 1983, data da outorga dos contratos promessa e, nas datas do pagamento dos preços, entrou imediatamente na posse dos prédios. E aí fez as obras que entendeu e transformou-os, em cumprimento dos contratos-promessa referidos, abriu um arruamento/avenida e calcetou-a em cubos de pedra, rua essa que também serve os promitentes vendedores, situação que se manteve inalterada até à data do falecimento ocorrido no ano de 2013, tudo de forma continuada, à vista de todos e sem oposição de ninguém, convencido de exercer um direito próprio e exclusivo, com ânimo de proprietário.
Pouco mais de um ano após a entrada da ação de separação judicial, na prossecução do fim de retirar bens ao património comum do casal, o pai da autora, em 21 de Agosto de 1989, subscreveu um documento apelidado de “Rescisão Amigável de Contrato Promessa de Compra e Venda”, a referir que houve devolução das importâncias pagas, o que não corresponde à verdade.
Nessa mesma data (21 de agosto de 1989), o mesmo promitente vendedor, prometeu vender os mesmos prédios a um terceiro indicado pelo pai da autora, um tal J. C., que não foi mais que um mero “testa de ferro”, não tendo o preço sido pago pelo J. C. ao M. G..
Mais, em Fevereiro de 1992 o já identificado promitente vendedor M. G. e o tal J. C. estabeleceram um acordo revogatório do contrato promessa supra referido, onde é expressamente reconhecido ser fictício o contrato promessa entre eles celebrado e, nesse mesmo documento, em que o pai da A. também foi outorgante, acordou este com o promitente vendedor (M. G.) manter os termos e condições dos contratos promessa entre ambos celebrados em 3 de Fevereiro de 1982 e em Fevereiro de 1983.
O pai da autora sempre foi “dono” dos prédios objeto dos dois primeiros contratos promessa, sendo que o preço foi pago por ele, e nunca lhe foi restituído, nos anos de 1982 e 1983, datas em que tais montantes eram proventos comuns do casal.
Prosseguindo sempre o intuito de prejudicar a mãe da autora, o J. G. decidiu usar um novo “testa de ferro” para aquisição dos prédios descritos, desta feita, a Ré, com quem mantinha já uma relação extramatrimonial e com quem veio a ter três filhos, repetindo o esquema usado com o J. C..
Assim, em 26 de Julho de 1993 o mesmo promitente vendedor, M. G., outorga novo contrato promessa através do qual promete vender os mesmos prédios à aqui R. pelo preço de 1.700.000$00/€8.479,56.
Por razões desconhecidas não foi outorgada a prometida escritura de compra e venda, pelo que, para obviar a falta dela a aqui Ré intentou em 8.4.1999 contra o M. G. e mulher, uma ação onde peticionou que os ali réus fossem condenados a reconhecer que ela há mais de quinze anos exercia a posse sobre os prédios em causa e que, em consequência, os adquiriu por usucapião. Tudo com o propósito de não integrar tal bem no património comum do casal, pais da Autora, embora o dinheiro utilizado para a compra constituísse um bem comum do casal.
Mais invocava a aqui Ré, ali Autora, que os pretendia anexar a outros contíguos e que pagou o preço (1.700.000$00), em julho ou agosto de 1980, que estava na sua posse, há cerca de 19 anos, mormente da parcela de terreno com a área de 12.000 m2, a desanexar da Bouça ..., sita no lugar ..., em ....
Essa ação não foi contestada pelos réus, de forma deliberada, pelo que, foi proferida sentença transitada em julgado, através da qual se declarou ser a aqui Ré dona e legítima possuidora do imóvel em causa.
A Ré não tem, e não teve, capacidade para comprar este imóvel e outros que formalmente adquiriu no mesmo período. A Ré adquiriu o prédio, todavia, fê-lo em nome do pai da Autora, que foi quem negociou, pagou o preço ao promitente vendedor nas datas referidas e foi quem sempre possuiu os prédios, bem como fez as obras ali discriminadas.
Em conluio, o vendedor, a Ré e o pai da Autora, fizeram o acordo simulatório de compra e venda do prédio objeto do contrato promessa em nome da mesma ré, com o único propósito de enganar a mãe da autora, sonegando bens ao património comum do casal.
Do mesmo modo, a ação judicial foi intentada pela Ré contra o promitente vendedor, em conluio com este, teve como único intuito de prejudicar a mãe da autora, sendo proferidas alegações que divergem da vontade real da aqui Ré. Apesar desta ter alegado que tinha exercido atos materiais de posse no prédio, fê-lo para que a sentença a proferir nesses autos produzisse os seus efeitos para o real interessado, o pai da Autora.
Subsidiariamente, caso assim não se venha a entender, porque a Ré não despendeu qualquer quantia nem adquiriu verdadeiramente o prédio identificado no art. 24.º, o qual está titulado em seu nome, pelo que há um evidente enriquecimento injustificado do seu património, verificado à custa do património comum dos pais da autora, deve aquela restituir àquele património o valor correspondente ao do prédio.
*
A Ré contestou arguindo a ilegitimidade da Autora porquanto, m suma, no processo de inventário que corre termos pelo Cartório Notarial do Dr. C. T., se é verdade que a Autora se intitulou cabeça de casal, foi requerida a destituição da mesma de tais funções. Acresce, que já corre termos processo de inventário por morte do J. G., e no qual figura como cabeça de casal a filha da aqui Ré.
Mais alegou...
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